segunda-feira, 26 de maio de 2014

Qual é a diferença entre um bom hospital e um bom hotel?

por Rita de Cássia de A Almeida
trabalhadora do SUS

Há quem não saiba diferenciar um bom hospital de um bom hotel. Quando atravessamos os corredores de um belo hospital, de paredes brancas e arquitetura fina, com profissionais devidamente uniformizados, nos sentimos seguros e protegidos, certos de que a boa hotelaria é o reflexo de um bom atendimento, todavia, isso nem sempre é verdade. Obviamente que quase ninguém rejeita conforto, beleza, limpeza e organização, mas será que tais quesitos são matéria prima suficiente para fazer um hospital qualidade?

Neste mês, estive junto a uma amiga em sua saga de aproximadamente três semanas, passando várias vezes pela urgência dos dois hospitais PARTICULARES mais bem avaliados da minha cidade, saga que, por falta de um acolhimento humanizado seguido de equívocos diagnósticos crassos, poderia ter ocasionado um final trágico. Tais hospitais poderiam ser categorizados como excelentes hotéis, um deles, com certeza, receberia cinco estrelas, mas, será que é disso mesmo que precisamos em um bom hospital?

Coincidentemente, a matéria de capa da Revista Época desta semana, intitulada: "Porque a medicina pode levar você à falência", também levanta tal questão. Ter um plano de saúde hoje é uma das maiores aspirações da população, no entanto, a promessa das seguradoras de saúde de que as falhas apresentadas pelo SUS serão sanadas com a aquisição de um plano privado, podem ser apenas uma armadilha, como se vê na reportagem. Sabemos que os planos funcionam muito bem para as consultas médicas de rotina e intervenções de baixa ou média complexidade, mas quando a necessidade é para intervenções de alta complexidade, ou seja, aquelas que realmente vão fazer diferença entre a vida e a morte do paciente, os planos de saúde saem de cena. Sendo assim, a matéria mostra a tragédia de inúmeras famílias ricas que foram à bancarrota financeira por decidirem assumir dívidas que as seguradoras de saúde se recusaram a pagar. Afinal, diante da tarefa impossível de decidir entre a morte do ente querido ou assinar um “cheque em branco” num hospital particular, quem decidirá pela morte? (Infelizmente a matéria não revela que muitas vezes é o SUS, e não as famílias abastadas, que pagam a conta quando o plano de saúde se recusa a pagar. Estimativas mais conservadoras dizem que as seguradoras de saúde devem ao SUS cerca de R$ 2 bilhões por ano. Para se ter uma ideia de 2005 a 2010, último ano sobre o qual há dados disponíveis, o aumento de internações de clientes dos planos em hospitais do SUS foi de nada menos do que 59,7%.)

A matéria segue com uma entrevista com Vijay Govindarajan, consultor especialista influente no mundo dos negócios que se dedicou a estudar o sucesso de nove hospitais particulares na Índia, sua terra natal. Govindarajan critica o modelo hospitalar brasileiro dizendo que ele gasta demais e de maneira pouco inteligente. “Os grandes hospitais parecem hotéis cinco estrelas. Isso não faz diferença no resultado”- afirma. Ou seja, a hotelaria de primeira encarece o custo do hospital para aquilo que não fará a menor diferença no tratamento de fato. Por outro lado, economizar no que não é imprescindível, tanto permitiria que o hospital investisse mais no que realmente importa, tal como, profissionais qualificados e humanização, quanto poderia baratear o custo dos tratamentos, possibilitando que os planos arcassem com um espectro maior de intervenções.

O que vi acompanhando minha amiga na sua via crucis foi exatamente isso: hotelaria nota dez, arquitetura linda, jardim de inverno, TV com canal por assinatura, telefone no quarto, cuidados de enfermagem e serviço de quarto nota mil. Mas, o trágico é que ela poderia não ter sobrevivido à intervenção da porta de emergência do hospital para gozar de toda essa hospitalidade e conforto. E não pensem que ela correu esse risco por falta de exames? Foram muitos. Os mesmos repetidos em todas as vezes que ela entrou na emergência com dores fortíssimas nas costas. Sabemos que tais exames também não são baratos, mas se esqueceram de que é necessário um bom profissional que saiba lê-los, e que, sobretudo saiba utilizá-los para fazer uma boa clínica. E uma boa clínica é aquela que sabe ver a pessoa, e entende que o exame é apenas um método auxiliar para se fazer uma hipótese diagnóstica. Mas o que eu vi foi profissionais que simplesmente não viram a pessoa que ali estava, só buscavam confirmar uma hipótese diagnóstica por meio de um exame e quando não “encontravam nada”, repetiam o exame. Resultado: paga-se muito caro numa clínica ruim, que olha - e possui instrumentos e exames variados para olhar melhor e mais fundo - mas não sabe ver, porque também só ouve, mas não sabe escutar. Este é outro exemplo de como o hospital gasta mal seus recursos. Investe muito em instrumentos que olham e ouvem e pouquíssimo no profissional, o único capaz de ver e escutar.

Enfim, creio que estamos esquecendo que uma boa medicina se faz primeiramente com bons profissionais, já que, hotelaria e tecnologia só servirão caso a primeira prerrogativa for atendida. Por isso, não se enganem com fachada de mármore, jardim na recepção, obras de arte nas paredes, quartos amplos e serviço de quarto de primeira, não é isso que irá salvar sua vida quando você realmente precisar de um hospital. Lembre-se, maquiagem pode servir para melhorar o que já é belo, mas também pode servir para camuflar o que é feio. Então, jamais confunda um bom hospital com um bom hotel!

2 comentários:

  1. Oi
    Legal o texto. Posso dar uma dica? Faltou, na referência do blog, contar que o samba timoneiro é do Paulinho da Viola com o Hermínio Belo de Carvalho, principalmente porque é provável que a frase seja do Hermínio, que é letrista, o Paulinho deve ter funcionado como compositor da música nesse caso.

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