domingo, 5 de junho de 2011

Satisfação Garantida

por Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista

Zapeando com o controle da TV, passei por um canal no qual um garoto propaganda apresentava seu produto e fazia a seguinte afirmação: “- Garantimos sua satisfação”. Num primeiro momento, achei graça da pretensão do fabricante do produto ou do idealizador da propaganda em garantir a satisfação do cliente, mas depois fiquei pensando que o ideal dessa nossa sociedade de consumo é mesmo esse: satisfação garantida. Nosso projeto de consumo é adquirir objetos, saberes ou bens que nos completem; que nos satisfaçam plenamente.
A economia marxiana se baseia na teoria da mais-valia, que diz mais ou menos o seguinte: No sistema capitalista, o trabalhador vende sua força de trabalho para o capitalista, entretanto, existe um quanto de trabalho que jamais será remunerado, ou seja, a força de trabalho despedida pelo trabalhador nunca será totalmente paga por meio do seu salário; a isso Marx chamou de mais-valia (o que ficará para sempre impagável). Estender o conceito de mais-valia na economia de nossas relações com as pessoas ou com os objetos-mercadoria é compreender que a tal satisfação garantida é algo que não se pode prometer.
Freud também dizia algo semelhante em sua teoria psicológica. Nesse caso, utilizou o conceito de impossibilidade para traduzir a economia das relações humanas. Freud afirmou certa vez que educar, governar, psicanalisar são tarefas impossíveis. O que ele quis dizer com essa afirmação é que mesmo com todos os nossos esforços e tentativas de obter pleno sucesso, ou satisfação garantida nessas tarefas, ainda sim, haverá algo que nunca ficará plenamente satisfeito; que é ineducável, ingovernável ou inanalisável.
Tanto Marx quanto Freud nos avisavam que essa idéia de satisfação garantida é um engodo. A sociedade de consumo, no entanto tenta nos vender, a todo tempo, esse engano; de que a satisfação garantida pode ser comprada e tem um preço e se ainda não a conquistamos é, tão somente, porque ainda não pudemos pagar por ela.
Assim, seguimos nesse ideal da sociedade de consumo, almejando-o em todos os campos. Exigimos satisfação garantida nas nossas relações familiares, amorosas, e sociais. Exigimos satisfação garantida em nosso trabalho e na nossa vida escolar ou de nossos filhos. Esperamos satisfação garantida até mesmo em situações de doença, separação e perda, ainda que a tal garantia de satisfação signifique assegurar alguma indenização em espécie. Seguimos acreditando que não há nada que não possa ser remendado, reparado, medicalizado, solucionado ou curado. Perdemos cada vez mais a capacidade de lidar com nossas insatisfações; tanto as pequenas e quanto as grandes.
Depois nos queixamos da incapacidade de nossas crianças e jovens em lidar com frustrações e fracassos. Estranhamos porque são violentos e impulsivos quando recebem um não. Não percebemos o quanto prometemos a eles um mundo de satisfação garantida, ou seja, que não os educamos para lidarem com seus fracassos e limitações, com as impossibilidades nossas de cada dia.
E ainda nos perguntamos: porque o uso de drogas se tornou tão problemático atualmente? Se em décadas anteriores tal comportamento tinha uma conotação revolucionária, de crítica social, hoje se tornou basicamente, um modo de responder a esse imperativo que nos governa. O uso de drogas dos nossos tempos, não é um ato rebelde, de busca de novas experiências ou transcendência psíquica, mas principalmente, uma busca desenfreada por satisfação garantida, transformando tal comportamento, não por acaso, num dos mais bem adaptados à sociedade de consumo. As drogas de hoje prometem: satisfação garantida e, além de tudo, imediata.
Mas porque será então que nunca estivemos tão insatisfeitos? Porque a promessa de satisfação garantida carrega consigo um paradoxo. Como se imagina que ela pode ser alcançada, o que é um engano, ficamos sempre com essa sensação de insatisfação, numa busca frenética por mais e mais. Consumir cada vez mais, objetos, bens, drogas ou saberes, na busca do tão sonhado ideal que garantiria plenamente nossa satisfação
Proponho que inauguremos uma nova ética, que eu chamaria de ética da satisfação contingente. Entenderíamos com essa nova ética que qualquer satisfação nunca poderá ser plenamente garantida, o que não quer dizer que ela não possa ser perseguida ou desejada, mas dessa vez com a consciência de que sempre será contingente, ou seja, duvidosa, eventual e incerta. Compreender que toda satisfação é apenas contingente, nos libertaria do mundo idealizado que perseguimos e abriria nossos olhos para aquelas satisfações que geralmente não nos contentam - imperfeitas, fugazes, às vezes estranhas – mas, dessa vez, repletas do mundo real, de possibilidades reais e, sobretudo, de pessoas reais.