sábado, 30 de junho de 2012

Discurso na inauguração da nova sede do CAPS CasAberta Dr. Luiz Eugênio Godinho Delgado"

Lima Duarte, 29 de junho e 2012

Este é um dia muito especial para todos nós aqui presentes, especialmente para os que, de alguma maneira, contribuíram para a realização deste sonho. O CAPS de Lima Duarte foi construído a muitas mãos. Participaram de sua construção não apenas aqueles que ergueram essas paredes, que lhe deram forma, textura, luz e colorido. Ele também não é fruto apenas dos seus idealizadores aqui do município de Lima Duarte. Este sonho, aqui materializado, carrega consigo uma história longa, intensa e muito bonita. História de muita luta, engajamento e trabalho árduo. História de homens e mulheres que acreditaram na utopia de um mundo melhor, mais solidário, mais igualitário e menos excludente. Portanto, cada tijolo que aqui foi erguido começou a tomar forma há muito tempo atrás, ainda na década de 70, quando as atrocidades e desumanidades cometidas nos manicômios começaram a ser questionadas e enfrentadas, dando forma a um dos maiores movimentos sociais que o Brasil já conheceu: o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial.

Engana-se quem acredita que esses tijolos são feitos apenas de barro. São tijolos feitos de fé e esperança, mas também com o sofrimento e a agonia daqueles doentes mentais e de suas famílias que não puderam partilhar da felicidade de serem tratados com zelo, carinho, respeito e humanidade. As vigas e estruturas que sustentam esta casa foram feitas com materiais inventados nos idos de 1987, na criação do primeiro CAPS do Brasil. As paredes que contornam esta casa não levam apenas água areia e cimento. Na verdade, o cimento que faz a liga dessas paredes é amor muito amor, amor que une, que aproxima, que agrega, que fortalece e que cria laços. O telhado que protege este CAPS, hoje batizado com o nome do Dr. Luiz Eugênio Godinho Delgado, é feito com a força, o empenho e a dedicação de todos aqueles que como ele, não mediram esforços para que a Saúde Pública do nosso país tivesse êxito. Dedicação como a de Pedro Gabriel (aqui presente) e Paulo Delgado, que tanto fizeram pela Saúde Mental brasileira e que temos a honra e o orgulho de chamarmos de filhos desta terra mineira. As cores que iluminam este que será o novo lar da Saúde Mental da nossa região foram conseguidas a partir de muito trabalho intelectual, tecidos dentro dos próprios serviços de saúde mental e nas várias instituições de ensino e pesquisa espalhados pelo Brasil. Estudos que inventaram novos conceitos, estratégias e metodologias de cuidado e tratamento. E o chão que caminharemos no dia a dia do nosso trabalho como técnico de saúde mental na nossa nova casa é um chão já trilhado por muitos outros técnicos de saúde mental que como nós fizeram dessa causa, a causa de sua vida.


Falta ainda dizer o motivo pelo qual tudo isso foi construído e idealizado. Falta mencionar os que provocaram todo esse movimento e que acabaram por nos possibilitar vivenciar este e tanto outros momentos ímpares. Alguns os chamam de loucos, outros os chamam de doentes mentais, mas na verdade trata-se apenas de homens e mulheres, que assim como todos nós, estão procurando entender esse mundo, ora encantador, ora estranho e ameaçador. Esses homens e mulheres quase sempre acreditam que participam do cotidiano do CAPS para aprender, mas o fato é que nós também aprendemos muito nesse compartilhar. Buscamos por dinheiro, beleza, sabedoria, conforto, poder, fama, prazeres, mas aprendemos com essas pessoas que nada disso tem valor se não tivermos o essencial: amor, afeto e carinho. Aprendemos com eles que sem a força do laço que nos une numa família, numa comunidade, numa rede de amigos, ou em qualquer outra forma de relação coletiva, adoecemos e enlouquecemos todos. Então toda essa obra só foi possível porque decidimos caminhar lado a lado para aprendermos uns com os outros, porque decidimos entender as diferenças como riqueza e não como impedimento para estarmos juntos, porque compreendemos que o mundo sem as loucuras nossas de cada dia ficaria mais pobre e cinza.

Mas esta obra ainda não está pronta, porque ela também carrega o anseio de tudo que ainda temos por fazer no âmbito das políticas de saúde mental, e todo desejo que temos de que o SUS, nosso valioso sistema de saúde público, continue a sustentar o sonho de promover uma saúde que não tenha preço e que não esteja à venda. Trata-se, portanto, de uma obra inacabada que a sociedade como um todo precisa manter em processo de construção.

Encerro minha fala com a contribuição de um dos nossos usuários que traduziu como ninguém qual é a função e o lugar de um CAPS no seu território de abrangência. Certa vez ao perguntar por que estava sumido ele me disse algo mais ou menos assim: “É Dra. Rita eu já vim muito aqui no CAPS, mas agora venho só de vez em quando porque estou bem. Mas eu fico tranqüilo só de saber que o CAPS continua aqui, porque se eu pirar de novo é pra cá que eu quero vir.” Então eu digo a vocês que agora, mais do que nunca, o CAPS “Geninho” está plantado aqui e se acaso alguém de vocês enlouquecer de alguma maneira, nossas portas estarão abertas para recebê-los.

Rita de Cássia de A. Almeida
Coordenadora de Saúde Mental de Lima Duarte
Coordenadora do CAPS CasAberta Dr. Luiz Eugênio Godinho Delgado “Geninho”