domingo, 19 de outubro de 2014

Para debater o bom debate

por Rita Almeida

Quem me conhece sabe que eu não fujo de um bom debate. E gosto especialmente de discutir os três temas que muitos acreditam que se deva evitar: religião, futebol e política. Mas o exercício que eu mais prezo em um bom debate é o uso da razão, do intelecto; argumentar racionalmente é o que me move numa discussão. Admito que seja bem difícil fazer isso quando é a seleção ou o flamengo que estão em campo, mas, eu juro que me esforço.

Nesse segundo turno das eleições presidenciais sinto muita falta de um bom debate, aquele travado no campo das ideias. Sinto falta de argumentos elaborados no cérebro e não no fígado. O discurso de ódio ao PT, infelizmente colou e o PSDB está deitando e rolando nele para tentar eleger Aécio. Então, todo argumento que escuto para votar no Aécio se resume ao #foraPT.

Na verdade tive apenas um bom debate nesse segundo turno, e foi com um amigo que sempre foi eleitor do PSDB. A coerência do seu discurso e de seus argumentos me fez respeitar sua escolha e apertar sua mão. Resumidamente o que ele me disse foi: “Tudo bem! Nós tivemos por 12 anos governos que se dedicaram aos pobres, investindo em políticas públicas e programas sociais, mas agora é hora de fazer a economia crescer!”

Antônio Prata outro dia em sua coluna na Folha, “O chapeiro e o dono da padaria”, usou uma metáfora muito interessante para falar das diferenças entre o Governo Dilma e um provável Governo Aécio, partindo do discurso dos seus respectivos economistas: Guido Mantega e Armínio Fraga. Me apropriando de tal metáfora eu diria o seguinte: Os governos Lula e Dilma melhoraram muito a vida do chapeiro (trabalhador da padaria). Seu salário teve aumento real, ele passou a ter mais acesso a políticas públicas, conseguiu credito para adquirir sua casa própria ou até um carro. O poder de compra do chapeiro aumentou tanto que ele, possivelmente, tem hoje uma TV de tela plana igualzinha à do dono da padaria. Além disso, seus filhos terão, pela primeira vez, a oportunidade de quebrar o ciclo de chapeiros da família pois, sendo mais escolarizados que o pai e com chances até de entrar até no curso superior, poderão escolher uma outra profissão. Mas o problema é que o dono da padaria está preocupado. Com o aumento do poder de compra dos assalariados ele até tinha aumentado as vendas e, por isso, ampliou a padaria e abriu novas filiais. Mas nos últimos tempos ele está percebendo que este crescimento esgotou e ele precisa de um governo que o socorra, ainda que isso implique em interromper ou reduzir os benefícios dirigidos aos chapeiros. Até porque ele acredita que se sua padaria minguar o chapeiro poderá ficar desempregado.

Diante do argumento feito pelo viés dos donos de padaria, eu não posso deixar de respeitar a justificativa do meu amigo em votar no Aécio, mesmo não concordando com ela. Isso sim é um argumento plausível, racional, coerente e corretíssimo visto por esse ângulo. E sua argumentação me ajudou ainda mais a reafirmar minha posição, pois, por mais que eu compreenda a preocupação do dono da padaria e do meu amigo, eu ainda voto em nome do chapeiro, é com ele que me preocupo mais. Até porque eu não acredito que uma melhoria nas finanças na padaria vá refletir automaticamente na melhoria das condições de vida do chapeiro sem que o Estado e as leis intervenham.

Então, meus caros, se alguém vai votar no Aécio pensando no dono da padaria, tem todo o meu respeito, aceito e vou adorar travar um bom debate. Mas quando o argumento é apenas precisamos tirar o PT para acabar com a corrupção, para afastar o comunismo ou o risco de nos tornarmos uma Venezuela (!), porque azul é mais bonito que vermelho ou porque a Dilma é uma vaca estúpida e o Lula um analfabeto, esqueça, não vou me dignar em discutir. Também não concordo quando o argumento em favor de Aécio é que ele irá governar para o chapeiro. É mentira! Basta assistir o debate entre Fraga e Mantega, lá está muito claro quem governa pra quem e por que. E eu até conheço chapeiros que estão votando pelo dono da padaria, se estão cientes disso também respeito, é uma escolha.

Resumindo, meu voto é pelo chapeiro! Quem quiser votar pelo dono da padaria que vote, mas que pelo menos tenha a honestidade de assumir isso. Ah! E não me venha com esse papinho mole que o Brasil é um só e que, portanto, os interesses do dono da padaria são iguais aos do chapeiro! Como disse Antônio Prata: você não precisa ser marxista-leninista pra saber que as necessidades do dono da padaria não são as mesmas do chapeiro, né?

sábado, 4 de outubro de 2014

Sobre o debate presidencial na rede Globo: O que já foi dito e o que foi dito de novo?


por Rita Almeida

O último debate presidencial na TV Globo foi, na maior parte do tempo, mais do mesmo. Pouca discussão política e muitos ataques de todas as partes. E quando o debate era político se arrastava por discussões inúteis, porque levantavam temas que não faziam parte das atribuições de um Presidente da República, afinal, não elegeremos uma rainha ou um rei, mas um líder que dependerá das forças que se apresentarem nas Assembleias Legislativas e no Senado ou do que for executado pelos Estados e Municípios.

Mas também tivemos alguns momentos impagáveis, como a entrada fenomenal da Luciana Genro com uma voadora na cara da Rede Globo - e pelo lado de dentro - e a cena épica do Eduardo Jorge orientando o Bonner, todo atrapalhado, que já não sabia se era réplica ou tréplica. Além disso, as redes sociais, como sempre, fizeram tudo valer a pena.

No mais, o que vimos foi pura repetição regada a clichês; clichês de direita, clichês de esquerda, clichês machistas e homofóbicos. Diante de tanta repetição, uma das poucas novidades, a meu ver, foi uma das falas de Dilma quando o tema era, de novo, a corrupção. Disse ela:
- Não acredito que ninguém esteja acima de corrupção. Acho que todo mundo pode cometer corrupção. As instituições é que precisam ser virtuosas e investigar.

Esta é uma fala freudiana. E é preciso muita coragem para dizê-la. Porque é uma fala que foge da mesmice e que pode nos ajudar a pensar a corrupção para além do senso comum. O senso comum acredita que, para combatermos a corrupção, basta não votarmos em corruptos. Só que existe um problema grave nessa premissa: não existe corrupto até que ele cometa um ato de corrupção ou, pelo menos, até que ele seja flagrado em tal ato.

Rousseau dizia que todo homem nasce bom, a sociedade é que o perverte. Ao contrário de Rousseau, Freud afirmava que o ser humano ao chegar ao mundo é um tirano perverso, exige que satisfaçam todas as suas necessidades e pulsões. Todavia, todo o processo civilizatório se sustenta na repressão daquilo que há de mais sombrio em nós: a vontade de realizarmos todos os nossos desejos e vontades à revelia do prejuízo, da dor ou do sofrimento alheio. E a educação (ética, moral ou religiosa) e a lei foram as principais maneiras que a humanidade encontrou para barrar seus impulsos egoístas em favor dos laços sociais.

Meu pai dizia que se você é capaz de roubar R$ 0,50 é capaz de roubar R$ 1.000.000,00. Eu sempre interpretei isso como: “nunca roube, nem mesmo R$ 0,50!”. Mas hoje interpreto tal ensinamento de outro modo: “se é muito simples roubar R$ 0,50, então é igualmente simples roubar R$ 1.000.000,00”. Sei que alguns vão dizer: “eu não” ou “comigo não”, mas para esses eu lanço um desafio: Quem de vocês nunca furou uma fila? Quem nunca colou ou tentou saber o gabarito de uma prova? Quem nunca se favoreceu da ajuda de um amigo influente para resolver um problema? Quem nunca tentou negociar com o policial após cometer uma infração de trânsito? Quem nunca comprou um remédio que precisava de receita, sem a receita? Quem nunca pagou um despachante sabendo que metade do dinheiro era pra facilitar a liberação do alvará ou do documento do carro? Quem nunca evitou emitir uma nota fiscal? Quem nunca fez gato na TV por assinatura? Quem nunca bateu o ponto para o colega de trabalho? Quem nunca comprou pirataria? Quem nunca tentou entrar de graça num evento pago? Quem nunca tentou malabarismos para reduzir o imposto de renda? Quem nunca carregou um souvenir do hotel?

Se você tropeçou em pelo menos uma dessas perguntas então, sinto muito lhe informar, mas você é totalmente capaz de cometer qualquer ato de corrupção. O que quero dizer é que não existe uma vacina, um gene ou uma aura virtuosa que o deixe imune à corrupção. Assim sendo teremos que, humildemente, concordar com Dilma: Ninguém está acima da corrupção!

Ah sim, claro! Não podemos comparar comprar pirataria com roubar dinheiro público, não é? Será? Segundo informações do Senado Federal a pirataria desvia dos cofres públicos, todo ano, cerca de R$ 250 milhões em impostos. E, segundo a Revista Valor nos primeiros 100 dias deste ano, o Brasil perdeu mais de R$ 106 bilhões com a sonegação de impostos.

Isso quer dizer, então, que “o fim está próximo” ou que somos todos canalhas e que, portanto, não adianta combater a corrupção? Não! De maneira nenhuma! Mas precisamos entender que corrupção não se combate como no filme Minority Report, onde seremos capazes de reconhecer os políticos corruptos no seu berço e, tirando-os de circulação, teremos resolvido o problema.

Obviamente que existem os canalhas. Aqueles que rejeitaram participar da partilha do bem comum e se ocupam apenas em satisfazer suas vontades e seu narcisismo. Para o canalha verdadeiro, o outro é um mero degrau para atingir seus objetivos egoístas. Mas, ao contrário do que dizem por aí, os canalhas são raros e, possivelmente, dada sua meticulosidade e racionalização, muito mais difíceis de serem desmascarados. E é obvio que eles se aproximam da política já com a intensão de tirar dela algum proveito próprio. Em que lugar melhor eles poderiam ir? Todavia, grande parte dos corruptos não é necessariamente um canalha stricto sensu. Na imensa maioria das vezes, o corrupto é um sujeito comum. É aquele que um dia falsificou a carteirinha de estudante para pagar meia num espetáculo, mais tarde vendeu um recibo falso para que outro burlasse o Imposto de Renda, depois, como candidato a vereador, recebeu dinheiro não declarado de amigos para ajudar na sua campanha, isso foi um passo para achar natural que seu partido também recebesse dinheiro não declarado, daí entendeu perfeitamente as manobras contábeis do tesoureiro do partido para maquiar dinheiro vindo sabe-se lá de onde. E por aí vai...

Por isso, independente se Dilma tem ou não o seu voto, é preciso compreender o que ela teve coragem de dizer. Não podemos combater a corrupção acreditando que vamos conseguir nos cercar de pessoas incorruptíveis já que, como vimos, isso não está exatamente nos planos da humanidade. Não é possível acreditar que conseguiremos identificar os tais “homens bons” (alguns candidatos afirmam conhecê-los) que nos livrarão de todo o mal, amém. Combate-se a corrupção, primeiro, com uma educação para a ética (a de minha preferência, mas há também a educação religiosa e a moral que, de toda forma, também funcionam). Combate-se a corrupção com leis claras, justas e simples. Leis muito complicadas acabam abrindo margem para que sejam novamente burladas, corrompidas. A burocracia também é utilizada para combater a corrupção, mas quando é exagerada acaba por reeditar e reforçar a corrupção. É a corrupção como saída para burlar o excesso de burocracia. Enfim, concordando mais uma vez com Dilma, combatemos a corrupção com instituições fortes e virtuosas, instituições capazes de coibir, educar e também punir atos de corrupção.

Enfim, lamento se fiz o leitor perder um pouco mais a fé na humanidade, atributo já tão escasso, mas admitir nossas limitações e ter humildade para perceber que não somos tão diferentes uns dos outros, nos faz seguir caminhos mais realistas e, portanto, mais acertados. É preciso admitir que, afinal, o demônio não está alhures.