quarta-feira, 13 de abril de 2016

Declaração

por Rita Almeida

Com toda essa movimentação com a política nacional das últimas semanas, eu estava até esquecendo de fazer minha declaração para o Imposto de Renda. Então, lá vai...

Declaro, primeiramente, Imposto de Renda, que lhe quero bem. Sim, é verdade! Eu gosto de você, assim como o seu pai Imposto e toda a sua família, porque acho que vocês são fundamentais para o funcionamento de qualquer sociedade nos dias de hoje. Então, como conceito, como ideia, eu curto e torço por vocês. Mas o problema é que, aqui no Brasil, vocês agem de uma forma muito injusta, e isso, às vezes me faz ter sentimentos ambíguos. Vou explicar...

Recentemente eu li um livro: O Capital no Século XXI de Thomas Piketty, que me fez compreender melhor a importância de vocês. Compreendi com tal leitura, que a arrecadação justa de impostos é uma das melhores maneiras de reduzir as desigualdades. Que o desenvolvimento de um Estado fiscal e social é fundamental para o futuro do planeta. O objetivo seria melhor dividir a riqueza já existente, na medida em que chegamos num limite ecológico que nos impossibilita fazer a riqueza crescer mais. A aquisição deste Estado fiscal e social (capaz de oferecer a seus cidadãos um aporte mínimo de saúde e educação públicas, além de um sistema eficiente de previdência) é o que, segundo as pesquisas do autor, tem atuado minimizando os efeitos da desigualdade para os mais desprotegidos socialmente.

Também, fiquei sabendo, por exemplo, que seus primos Europeus mantêm um índice de arrecadação pública da ordem de 45 a 50% da renda nacional, chegando a uma arrecadação de 55% na Suécia. E segundo Piketty, esses são percentuais mínimos aceitáveis para a promoção de razoável bem estar social da população. No Brasil, segundo os dados que colhi no site do Jusbrasil, num texto do jurista e professor Luiz Flávio Gomes, cerca de 36% do nosso PIB são destinados a família de vocês. Mas o problema é que vocês são injustos, cobram mais de quem tem menos, pervertendo assim, o que seria a vossa missão primeira, que é distribuir renda.

Veja só o que vocês fazem por aqui: “quem ganha até um salário mínimo (R$ 724 reais) tem carga tributária real de 37%, contra 23% com salário de R$ 6 mil reais e 17% com salário de 22 mil reais”. “Os tributos sobre rendas e ganhos patrimoniais, no Brasil, são metade (19%) do cobrado nas nações desenvolvidas (38%), segundo dados da OCDE.” Já “no item impostos sobre mercadorias, serviços e bens o Brasil (45%) está muito acima da média da OCDE (29%).” (GOMES, 2014, site Jusbrasil)

Resumindo, vocês sobrecarregam o imposto sobre o consumo e privilegiam a renda e ganhos patrimoniais, uma regressividade, que pune os mais pobres e alivia os mais ricos. Eu sei que vocês herdaram essas regras de seus antepassados não republicanos e escravocratas, mas já está na hora reverem isso não?

Outra coisa que aprendi lá com dados citados no Jusbrasil, é que, ao contrario do que a gente ouve nas conversas de esquina, o Brasil não ostenta uma das maiores alíquotas do imposto de renda do mundo. Enquanto vocês arrecadam no máximo 27,5% por aqui, seus parentes estrangeiros arrecadam, só para exemplificar, 40% no Chile, 43% na China, 50% no Japão, 55,9% nos EUA e 57% na Suécia.
Com esses dados só pude concluir que vocês não arrecadam muito, só arrecadam mal (cobrando mais que quem tem menos) e ainda usam mal o que arrecadam para cumprir a missão de vocês que seria reduzir a desigualdade. Pesquisei lá no site do Jusbrasil: “A distribuição para reduzir a desigualdade no Brasil é de 3,6%, comparando-se com União Europeia (32,6%), Reino Unido (34,6%), Finlândia (34,7%), Alemanha (34,9%), Suécia (35,6%) e Dinamarca (40,8%).” E ainda há quem reclame quando se usa o que vocês arrecadam para financiar programas de distribuição de renda como o Bolsa Família! Aff!

Uma curiosidade sobre seus primos americanos, os quais todo mundo enche a boca para falar. Eles chegam a arrecadar a 55,9% de imposto de renda, detendo um nível de arrecadação fiscal geral da ordem de 30% bem mais baixo que o Europeu, é verdade. Mas é importante lembrar que lá o sistema de saúde e a educação superior – em geral, os mais caros para o Estado – são eminentemente privados, então, não fazem tanta vantagem assim.
Outro problema por aqui, nós sabemos, é que muito do que vocês arrecadam, vazam pelo ralo da corrupção. Aí muita gente, equivocadamente, culpa vocês por isso e querem jogar fora a criança com a água da bacia, ou seja, se os impostos são desviados então vamos acabar ou reduzir os impostos. Isso é o mesmo que propor como cura para uma doença cardíaca a extração do coração. Tolice ou cinismo!

Mas, por outro lado, é interessante que ninguém fala da corrupção quando ela serve para que se possa sonegar aquilo que seria devido à família de vocês. Segundo dados que colhi numa reportagem da BBC Brasil, a nossa sonegação e evasão fiscal anuais – que, também soube, fica atrás dos EUA – é quase 5x maior do que o orçamento de 2015 para a saúde, por exemplo.

Piketty também desnuda essa questão da sonegação e da evasão fiscal, que ele considera um problema mundial e gravíssimo. Todos sabemos que uma das coisas que determina a saúde financeira de um país é a quantidade de dinheiro que entra nele para se transformar em riqueza. A princípio, a dinâmica simplificada seria a seguinte: teríamos os países ricos que têm mais entrada do que saída de riqueza e os países pobres, num caminho inverso, que têm mais saída de riqueza do que entrada. Nesse sentido, nossa grande preocupação seria que os países ricos terminem por possuir cada dia mais os países pobres. No entanto, Piketty revela um dado assombroso e que, segundo ele, tem se agravado cada vez mais nos últimos anos. Ele afirma que todos os países, em menor ou maior escala, apresentam balanço negativo, ou seja, todos estão perdendo riqueza. Como essa tese é financeiramente impossível, ele sugere, ironicamente, que seja Marte quem esteja adquirindo a riqueza perdida por todos os países do nosso planeta.

Mas obviamente que não é Marte quem está recebendo esta riqueza que se estima ser de 10% a 30% do PIB mundial. Os paraísos fiscais são os destinatários dessa riqueza que os entes privados estão sorrateiramente deixando de repassar a família de vocês, minando grande parcela da vossa capacidade em distribuir a riqueza produzida. É o que estamos assistindo com o mais recente vazamento de dados sobre paraísos fiscais, o chamado Panamá Papers. Li uma excelente reportagem sobre o caso no El País.

Obviamente que, entre os corruptos e sonegadores que aparecem nessa lista, então apenas os de alta classe e poderio. Ao usarem esse subterfúgio, ricos e poderosos justificam, cinicamente, que o recurso da sonegação e da evasão só são utilizados porque eles precisam proteger o patrimônio das garras maléficas de vocês e seus familiares. São aqueles que, perversamente, se acham no direito de se colocarem acima de um pacto social coletivo, que vocês representariam. Pacto social coletivo que, sem dúvida, aqui no Brasil, vocês precisam aprimorar muito para representar melhor.

Para finalizar, Piketty fala uma coisa bonita sobre vocês que vou transcrever aqui: “O imposto não é uma questão apenas técnica, mas eminentemente política e filosófica, e sem dúvida a mais importante de todas. Sem impostos a sociedade não pode ter um destino comum e a ação coletiva é impossível”.

Então vai assim minha declaração 2015/2016: E gosto e defendo vocês, mas, por favor, melhorem! E rápido.

Fontes:

Jusbrasil http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121933009/quem-paga-menos-impostos-no-brasil

BBCBrasil http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150415_brasil_zelotes_evade_fd

El Pais http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/03/politica/1459714116_802121.html

Pikket, Thomas. O Capital no Século XXI Ed, Intrínseca LTDA, 2013.

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