por Rita Almeida
Depois de uma semana melancólica para nossa seleção a única coisa que me consola é saber que o futebol vai sobreviver.
O futebol vai sobreviver na pelada dos garotos da minha rua, onde o campo é de asfalto e as traves são chinelos de dedo. Um futebol que ainda resiste ao tráfego intenso e às tecnologias virtuais.
O futebol vai sobreviver na pureza das nossas crianças pequenas, que antes mesmo de aprenderem a andar com destreza, ensaiam um chute a gol. Um ato corriqueiro por aqui, e que denuncia o quanto futebol está enraizado na nossa cultura.
O futebol vai sobreviver nas peladas de várzea que acontecem em todos os cantos desse país. Um futebol que, muitas vezes, sobra peso e falta forma física, mas que faz uma coisa fundamental: reúne amigos.
O futebol vai sobreviver, semanalmente, na Oficina de Futebol que eu coordeno no CAPS Leste, serviço de saúde mental do SUS. Nessa oficina, o futebol serve como via de tratamento e inserção psicossocial. Só quem conhece esse tipo de trabalho, sabe os milagres que a linguagem universal do futebol pode fazer.
O futebol vai sobreviver na promessa da minha filha de 7 anos. Ela me disse que quando crescer vai conseguir assistir a outros jogos de futebol, não só os da seleção brasileira. Me fez essa promessa, quando a convidei para assistir comigo a final Alemanha x Argentina.
O futebol vai sobreviver na fé do torcedor e na rivalidade das torcidas.
Enfim, o futebol vai sobreviver, porque é muito maior que essa Copa e muito maior que a seleção brasileira e os nossos clubes de futebol.
O futebol é infinitamente maior que a FIFA, a CBF, que seus dirigentes e cartolas corruptos e obscenos.
O futebol é maior que o nossas escolinhas de base medíocres, que não servem para democratizar o futebol ou fazer surgir talentos, são, muitas vezes, apenas fábricas de mercadoria humana tipo exportação.
O futebol é maior que os acordos espúrios feitos fora do campo para favorecer determinados canais de TV.
O futebol vale mais que seus patrocinadores, que o comércio que gira em torno dele. O futebol vale muito mais do que todo o dinheiro que movimenta, aqui e acolá.
Me apaixonei por futebol aos 12 anos, acompanhando pela TV, junto com meu pai, a trajetória do Flamengo na conquista do Mundial de Interclubes de 1981. Zico e Nunes se tornaram meus heróis. Aquela final com o Liverpool está entre as melhores e mais emocionantes lembranças da minha infância. Isso que eu vivi com o futebol não tem preço e nem tamanho.
Não gosto de viver de passado e também não tenho a síndrome de “meia noite em Paris”, aquela que nos faz acreditar que o passado sempre foi melhor ou mais romântico que hoje, mas confesso que tenho saudade de um futebol menos capitalista, menos pervertido pelo dinheiro e pelos lucros.
Também não faço a menor ideia de como vamos fazer para recuperar o futebol brasileiro no nível macro, depois dessa última experiência da nossa seleção brasileira. Espero, sinceramente, que o fracasso nos impulsione para uma grande mudança, assim como deve ser. O que eu sei é que no nível micro, o futebol não vai parar, porque ele, simplesmente, não pode esperar que a gente remende os cacos dessa derrota.
Hoje é domingo e amanhã pela manhã estarei com os participantes da Oficina de Futebol do CAPS Leste, fazendo nosso treino. E no mesmo clube que nos cede espaço para treinar, estarão meninos e meninas de 7 a 12 anos, que no contra turno da escola participam de uma escolinha de futebol. Experiências como essa acontecerão aos montes pelo Brasil afora, porque o futebol continua vivo, presente e forte!
Meu desejo, hoje, é que a gente não demore muito tempo para perceber que o nosso futebol não morreu. Está ferido sim, quebrado talvez, mas vivo. E tomara que a gente saiba aproveitar toda essa vitalidade para seguir em frente e numa outra direção. E tomara que a gente não espere o segundo tempo da prorrogação para reagir.
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