Em tempo de levantar bandeiras, peço licença para levantar as minhas.
Eu não quero mais automóveis, viadutos, estacionamentos, avenidas, sinais de trânsito, pontes ou anéis rodoviários. Eu quero uma cidade que privilegie os caminhantes e os ciclistas, os corredores de rua, os cadeirantes, os deficientes visuais e os que passeiam com seus animais. Quero uma rua tão humanizada que o termo “morador de rua” perca totalmente seu sentido pejorativo.
Eu não quero mais empresas, indústrias, empregos, agências ou mais vagas em concurso público. Eu quero um mundo onde possamos trabalhar menos, para dedicarmos ao ócio, à contemplação, às artes e aos nossos filhos e livros.
Eu não quero mais hospitais, mais métodos terapêuticos, mais especialistas, mais modalidades de exames, mais planos de saúde e técnicas cirúrgicas. Eu quero um mundo onde a gente adoeça menos, se contamine menos, se estresse menos, se desgaste menos, se acidente menos. Um mundo no qual tenhamos tempo suficiente para nossos afetos e nossos jardins.
Eu não quero mais médicos, professores, advogados, burocratas, psicanalistas, jornalistas, comerciantes, policiais ou motoristas de caminhão. Eu quero é gente. Gente que cante e dance, gente que chore, que acolha, que acaricie os gatos, gente que se indigne e que sonhe.
Eu não quero mais velocidade de conexão, mais sites na internet, mais minutos para falar no celular ou mais “largura de banda”. Eu quero encontros, abraços, conversas na calçada, tardes na praça, almoços em família, piqueniques no bosque, viagens sem pressa e papos de botequim.
Eu não quero mais renda, mais salário, mais oportunidades financeiras, mais PIB, mais linhas de financiamento, mais limite no cartão de crédito ou mais crescimento econômico. Eu quero é um mundo onde o dinheiro seja cada vez menos importante pra gente se sentir feliz.
Eu não quero mais hidrelétricas, mais arranha-céus, mais antenas de telefonia, mais shoppings centers e condomínios. Eu quero que a água, os rios e as árvores retomem para nós a importância que tinham para os primeiros habitantes dessa terra; os povos indígenas.
Eu não quero mais tecnologia, mais produção científica, mais obras monumentais, mais eventos espetaculares, mais programa espacial. Eu quero é poesia, arte, futebol de várzea, jabuticaba chupada no pé e entardeceres diante do mar.
Eu não quero mais igrejas, mais templos religiosos, mais padres ou pastores. Eu não quero mais dogmas ou livros de auto-ajuda. Eu quero um mundo que apenas entenda que o amor é a força mais poderosa do Universo.
Eu não quero mais canais de TV, mais variedades de sabor de pizza, mais modelos de celular, mais grifes de roupas, mais drogas ou remédios, mais conteúdo no jornal, mais cursos de pós-graduação, mais marcas de tênis, mais cores de esmalte ou técnicas de embelezamento. Eu quero viver a experiência da simplicidade e do contentamento.
Nosso mundo tem caminhado desesperadamente na direção desse “querer sempre mais”. Desejamos mais direitos, oportunidades e espaços, tal qual desejamos objetos para consumir. E do excesso deste “mais” há um resto produzido, um lixo, que por mais que queiramos, não poderemos reciclar totalmente. Com esse modo de vida estamos alterando perigosamente nosso ecossistema, afundando severamente nas desigualdades sociais e produzindo injustiça e violência.
Através dos movimentos de massa que se espalham pelo mundo atual – talvez não por acaso chamados de Primaveras – estamos tendo a oportunidade de também fazermos uma escolha, fundamental para a sobrevivência desse nosso planeta e seus habitantes. Precisamos urgentemente nos fazer a seguinte pergunta: Vamos continuar querendo mais?
Eu já fiz minha escolha, e sei que muitos também fizeram. Portanto, na minha bandeira está escrito: EU NÃO QUERO MAIS DO MESMO. Eu não quero mais desse mesmo mundo, quero outro mundo. E essa seria a verdadeira revolução para os nossos tempos.
Rita.
ResponderExcluirMuito bom e bonito seu texto. Uma construção, um poema ppdito. E profundo.
Na negação de todos estes valores e normas vamos nos deparar inevitavelmente com o outro, e na falta deste com Deus.
O EU, coitadinho, sem estas roupagens não existe.
Sera que nos iludimos, com o eterno mesmo, devido o receio desta revelação?
Estou perguntando, viu?
Pra mim esse é um dos seus melhores textos!
ResponderExcluirRita,
ResponderExcluirDo carro, eu já abri mão, sempre.
Da tecnologia: só usei a net a partir de 2006 e, cada vez mais, moderadamente. Redes sociais? Só se for para agendar encontros pessoais. Tudo bem: para quem está longe, skype é um substituto do telefone, com o plus da imagem. Tenho irmão, cunhada e sobrinhos no Canadá.
Seus questionamentos suscitaram a pergunta "do que sobraria de nós sem isso", como se ela, pergunta, fosse feita de fora, de um Reino que não é deste mundo. Alguém já o proferiu, aliás.
No entanto, o (curto-)circuito se mantém, inclusive por inércia ativamente capitalizada pelos que suscitam os "quereres inerciais". Parece paradoxal? Não. Pois o "mais do mesmo" é sempre "manutenção de algo que já sabemos que tem funcionado mal".
- "Mas, mal para todos, Marcelo? E o que seria progredir, ascender nesse circuito?!"
Progredir num circuito-sem-progressão é somente ocupar uma posição mais privilegiada na consolidação do mau jogo que depreda, preda, apedreja, danifica, faz imergir os resquícios/sementes de simplicidade, encontro e poesia pelos quais vc aspira.
Nós aspiramos.
Um beijo, amiga.
Muito bom!!!!!! É isso ai precisamos de mais amor!!!!! Compartilhando imediatamente pra que todos entendam!!!!
ResponderExcluirExcelente texto, inspirador!
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