domingo, 17 de julho de 2011

O que fazer com as cracolândias?

por: Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista
trabalhadora da rede de saúde mental do SUS

Responder a esta questão tem sido um desafio. E as respostas, em geral, têm se sustentado num discurso meramente higienista, cuja pretensão é, simplesmente, limpar certos locais do que a sociedade atual enxerga como lixo: certos usuários de droga, especialmente os de crack. A decisão de vários municípios, seja por intermédio da justiça ou por mera intervenção do poder público, tem sido a de promover a retirada das pessoas desses lugares sob as mais diversas alegações: de que estão infringindo a lei, perturbando a ordem pública ou de que precisam ser deslocadas para locais de assistência e tratamento.

Sabemos, no entanto, que a maior parte das intervenções feitas até o momento, apesar de muitas vezes travestidas dos mais dignos e decentes atos "humanos" e "cristãos", na verdade, só cumprem a função de limpar nossas cidades daquilo que a "sociedade de bem" não deseja ver; daquilo que lhe parece incômodo, inútil e sem valor.

E não é a primeira vez que esse tipo de estratégia é utilizada. Num passado não muito distante, que coincide com o início da era capitalista, loucos, bêbados, mendigos, aleijados, e todos aqueles que não serviam para movimentar a roda do sistema capitalista, que não podiam vender sua força de trabalho, foram recolhidos das ruas e encarcerados no Hospital Geral; instituição criada para esse fim. A ordem era sanear as cidades. Não estaríamos propondo a mesma coisa para as cracolândias?

Mas há uma outra pergunta desafiadora que talvez seja mais interessante que a que intitula este artigo, capaz de produzir respostas mais potentes para o fenômeno das cracolândias. Foi um amigo que me presenteou com esta reflexão: Porque exitem cracolândias? Porque não ouvimos falar de maconholândias, cocainolândias ou ecstasyitolândias?

Trata-se de uma pergunta realmente intrigante que me fez pensar, dentre outras coisas, sobre o lugar social que o crack vem ocupando no Brasil. Apesar de sabermos que o uso do crack está presente nas diversas classes sociais, é no abandono social e nas ruas que ele tem mostrado sua face mais perversa. Não há justificativa para defendermos a tese de que as cracolândias são formadas apenas pelo poder devastador e desagregador da química do crack, com se o crack fosse o único responsável pelas cracolândias. É muito mais realista pensar que um certo tipo de população já excluída pela sociedade, seja pela miséria, pelo abandono, pelo alcoolismo ou pela dependência de outras drogas, fez do crack "a sua droga", numa tentativa de remediar o próprio sofrimento, e para isso precisaram criar um lugar delimitado na pólis. As cracolândias, na verdade, são frutos de políticas preconceituosas, excludentes, moralistas e da tão anunciada "guerra contra as drogas". Enquanto continuarmos em "guerra contra as drogas", as cracolândias funcionarão como um território de refugiados, como um gueto para os excluídos.

É de Slavo Zizek a seguinte afirmação: "É bem verdade que vivemos numa sociedade de escolhas arriscadas, mas apenas alguns têm a escolha, enquanto outros ficam com o risco". Na questão do uso de drogas isso fica muito claro. Apenas a "sociedade de bem" fica com as escolhas, mesmo que porventura arriscadas. Ela pode escolher entre vodka ou cerveja, se vai tomar remédios para dormir ou para se livrar do pânico cotidiano, se sua balada vai ser movida a "doce" ou "bala". Mas os frequentadores das cracolândias ou os que estão caminhando para ela, são exatamente os que perderam suas possibilidades de escolha e ficaram apenas com o risco.

Diante dessa realidade, o único caminho sensato para se pensar as cracolândias seria no sentido de reduzir os riscos que seus frequentadores enfrentam e possibilitar-lhes escolhas, sem esquecer que oferecer-lhes escolhas não é escolher por eles. Entretanto, sabemos que em muitos casos, a degradação subjetiva pode ter lhes prejudicado severamente a capacidade de fazer escolhas. Podemos, nesses casos, criar estratégias que nos possibilitem escolher com eles, mas jamais à revelia deles, como se tem feito. Também não devemos ofertar a essas pessoas apenas dois caminhos possíveis: com drogas ou sem drogas. É fundamental também considerar possibilidades que incluam viver - com dignidade, com todas as suas potencialidades e contradições - apesar das drogas. E sem nenhuma hipocrisia, tal como faz a maioria de nós.

7 comentários:

  1. Creio que uma das coisas a se fazer com as "crackolândias", é parar de chamá-las assim. Sabemos bem que nomear um problema é uma forma de circuncrevê-lo... Assim, quando falamos em "crackolândias", reforçamos a ideia de que é por causa do crack que estas pessoas estão nos lugares que atendem por este nome, inventado pela mídia. Mas... será?

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  2. Muito bom, Rita. Penso que a existência dos "guetos", além de cumprirem a função que vc explicita, serve como um espelho às avessas, confortador e afirmador da "moral social". Abs, Flávio Cheker

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  3. Interessante o que você falou sobre uma certa comparação entre os "crackeros" e os loucos, no sentido de que a sociedade vem tendo a mesma postura com os primeiros que teve com o segundo grupo: Institucionalização. Levou sabe-se lá quantas décadas para que a sociedade pudesse vislumbrar a ideia de que a institucionalização da loucura era um erro. Quantas décadas vamos ver passar novamente para entender que não é a saída no caso da droga?
    Parabéns pelo texto
    Beijos, Taísa

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  4. Eu só acho uma coisa. Sem moralismos...sem nada. Mas eu duvido que algum ser humano goste ou suporte ver outro ser humano se destruindo. Essa é a questão das drogas. Para a minha pessoa é por isso que ela incomoda. É antinatural. Não existe entre os animais. Sou familiar de ex-drogado, atual paciente de CAPS. Sinceramente: não entendo redução de danos. Entendo RECUPERAÇÃO, dar a mão a alguém. E isso meu irmão encontra num CAPS, graças a uma série de profissionais...

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