terça-feira, 27 de maio de 2014
Sobre Rita de Cássia e causas impossíveis
No último dia 22 de maio foi dia de Santa Rita de Cássia e também, faz três meses que meu pai se foi. Santa Rita, a Santa das causas impossíveis, me deu o nome, graças a devoção de meus pais, que um dia viveram um amor impossível. Sendo assim, entregaram nas mãos dessa Santa a promessa de que a primeira filha se chamaria Rita de Cássia, caso o amor deles se consumasse no casamento. Graça alcançada, promessa cumprida. E aqui estou eu que sempre carreguei esse nome com muito orgulho. Sou fruto do amor de duas pessoas incríveis, mas também, por ocasião desse enredo, me sinto também de certa forma, uma espécie de patrocinadora deste amor. (E meus amigos psicanalistas vão concordar, esse enredo me economizou muitos anos de análise, rs).
Então cresci indo todos os anos na Matriz de Santa Rita de Cássia, cumprindo essa promessa que tanto me honra e encanta, hábito que mantenho até hoje. Ouvi mil vezes a história da Santa que recebeu um dos espinhos da coroa de Cristo em sua testa.
Mas a história mais bonita sobre essa personagem, que faz parte da minha vida antes mesmo de eu estar neste mundo, eu li há cerca de 6 anos, num livro chamado Rita, A Santa do Impossível de Juan Arias. O livro conta a história da Rita mulher, antes de ser canonizada pela Igreja. O autor é um historiador e não um religioso. Achei o livro por acaso, vasculhando aleatoriamente as prateleiras de uma livraria, como de costume. Rita viveu nos séculos XIV e XV e, numa época em que desavenças entre famílias eram perpetuadas com ódio e vingança.Mas Rita era uma conciliadora, era chamada para resolver com diálogo, o que só se resolveria com sangue e ficou muito conhecida pela sua capacidade de conciliar o irreconciliável. Rita era capaz de fazer laço e reatar ligações onde tudo parecia perdido, daí o seu título: advogada as causas impossíveis.
Então é isso... hoje minha fé se resume no amor, que nada mais é do que aquilo capaz de fazer laço e também aprendi isso com Rita (mais inconscientemente do que conscientemente, certamente). Esse é o Deus no qual acredito: tudo que promove o laço faz deste mundo um mundo melhor...
18 DE MAIO DE 2014, 26 ANOS DE LUTA ANTIMANICOMIAL – ORGULHO DE FAZER PARTE DESSA HISTÓRIA!
Rita de Cássia de A Almeida
Trabalhadora da Rede de Saúde Mental do SUS
Na última semana fiquei muito feliz acompanhando vários eventos e manifestações pelo 18 de maio, Dia Nacional de Luta Antimanicomial, nos municípios aqui da minha região. Também acompanhei através das postagens de inúmeros amigos virtuais das redes sociais, a potência das manifestações que ocorreram por todo o Brasil. Alguns desses amigos eu nunca vi, mas também são meus companheiros de caminhada nessa luta "Por uma Sociedade sem Manicômios" que abracei em 1996.
Queria dizer que tenho muito orgulho de fazer parte desse movimento, que vem, ao longo desses 26 anos, mudando a história de muitas pessoas e muitas famílias, mas que também mudou a minha própria história; foi um divisor de águas na minha vida. Tenho orgulho de fazer parte do SUS que dá certo, que trabalha com compromisso, com desejo, com interesse de estudar e se capacitar, um SUS que constrói laços, fomenta redes, encontros e afetos.
Fala-se muito mal do SUS, na mídia e nas redes sociais, por isso, infelizmente muitos, acreditam que ele só tenha mazelas e defeitos, mas não é verdade, grande parte do SUS faz muita diferença para nossa população e deveríamos nos orgulhar dele. Eu não sei se isso acontece com outros militantes da luta, em outros lugares do país, mas sempre que fazemos eventos públicos com usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental para falarmos dos trabalhos dos CAPS e outros Serviços Substitutivos, muitas pessoas na rua nos abordam e perguntam quem financia o serviço e quando falamos que se trata de um serviço gratuito do SUS as pessoas ficam admiradas. Não imaginam que exista um SUS dessa qualidade, que promove saúde, alegria, arte, cultura, beleza...
Outra coisa da qual me orgulho é de fazer parte de um movimento social e político, um dos maiores que o Brasil já teve (se não estou enganada, só não foi maior do que o do MST) que trava suas lutas e batalhas com muita garra, mas também, com muito afeto e alegria. O estilo de militância inventada pelo Movimento Nacional de Luta Antimanicomial deveria ser estudado, aprendido e vivenciado por outros movimentos políticos e sociais. Duvido de qualquer movimento político, social ou militância que não seja capaz de fazer laço, que não seja capaz de aproximar as pessoas. E, para tal, acredito que duas características são fundamentais: apelo estético e senso de humor. Então, eu preciso dizer que eu nunca vi uma militância mais bonita e alegre que a nossa. Quando vejo gente fazendo militância feia, burra, violenta, que só afasta as pessoas, que só cria mais distâncias e aprisiona, sinto pena. Fico pensando: “e dizem que os loucos estão é do lado de cá...”.
Para finalizar, eu quero parabenizar a todos os usuários, familiares e trabalhadores da Saúde Mental do Brasil, pela sua luta, pelas suas vitórias, pela estrada percorrida e que tenhamos ainda muito desejo, afeto e alegria para travar as lutas que ainda temos pela frente. Eu tenho muito orgulho de caminhar com vocês!!
Trabalhadora da Rede de Saúde Mental do SUS
Na última semana fiquei muito feliz acompanhando vários eventos e manifestações pelo 18 de maio, Dia Nacional de Luta Antimanicomial, nos municípios aqui da minha região. Também acompanhei através das postagens de inúmeros amigos virtuais das redes sociais, a potência das manifestações que ocorreram por todo o Brasil. Alguns desses amigos eu nunca vi, mas também são meus companheiros de caminhada nessa luta "Por uma Sociedade sem Manicômios" que abracei em 1996.
Queria dizer que tenho muito orgulho de fazer parte desse movimento, que vem, ao longo desses 26 anos, mudando a história de muitas pessoas e muitas famílias, mas que também mudou a minha própria história; foi um divisor de águas na minha vida. Tenho orgulho de fazer parte do SUS que dá certo, que trabalha com compromisso, com desejo, com interesse de estudar e se capacitar, um SUS que constrói laços, fomenta redes, encontros e afetos.
Fala-se muito mal do SUS, na mídia e nas redes sociais, por isso, infelizmente muitos, acreditam que ele só tenha mazelas e defeitos, mas não é verdade, grande parte do SUS faz muita diferença para nossa população e deveríamos nos orgulhar dele. Eu não sei se isso acontece com outros militantes da luta, em outros lugares do país, mas sempre que fazemos eventos públicos com usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental para falarmos dos trabalhos dos CAPS e outros Serviços Substitutivos, muitas pessoas na rua nos abordam e perguntam quem financia o serviço e quando falamos que se trata de um serviço gratuito do SUS as pessoas ficam admiradas. Não imaginam que exista um SUS dessa qualidade, que promove saúde, alegria, arte, cultura, beleza...
Outra coisa da qual me orgulho é de fazer parte de um movimento social e político, um dos maiores que o Brasil já teve (se não estou enganada, só não foi maior do que o do MST) que trava suas lutas e batalhas com muita garra, mas também, com muito afeto e alegria. O estilo de militância inventada pelo Movimento Nacional de Luta Antimanicomial deveria ser estudado, aprendido e vivenciado por outros movimentos políticos e sociais. Duvido de qualquer movimento político, social ou militância que não seja capaz de fazer laço, que não seja capaz de aproximar as pessoas. E, para tal, acredito que duas características são fundamentais: apelo estético e senso de humor. Então, eu preciso dizer que eu nunca vi uma militância mais bonita e alegre que a nossa. Quando vejo gente fazendo militância feia, burra, violenta, que só afasta as pessoas, que só cria mais distâncias e aprisiona, sinto pena. Fico pensando: “e dizem que os loucos estão é do lado de cá...”.
Para finalizar, eu quero parabenizar a todos os usuários, familiares e trabalhadores da Saúde Mental do Brasil, pela sua luta, pelas suas vitórias, pela estrada percorrida e que tenhamos ainda muito desejo, afeto e alegria para travar as lutas que ainda temos pela frente. Eu tenho muito orgulho de caminhar com vocês!!
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Qual é a diferença entre um bom hospital e um bom hotel?
por Rita de Cássia de A Almeida
trabalhadora do SUS
Há quem não saiba diferenciar um bom hospital de um bom hotel. Quando atravessamos os corredores de um belo hospital, de paredes brancas e arquitetura fina, com profissionais devidamente uniformizados, nos sentimos seguros e protegidos, certos de que a boa hotelaria é o reflexo de um bom atendimento, todavia, isso nem sempre é verdade. Obviamente que quase ninguém rejeita conforto, beleza, limpeza e organização, mas será que tais quesitos são matéria prima suficiente para fazer um hospital qualidade?
Neste mês, estive junto a uma amiga em sua saga de aproximadamente três semanas, passando várias vezes pela urgência dos dois hospitais PARTICULARES mais bem avaliados da minha cidade, saga que, por falta de um acolhimento humanizado seguido de equívocos diagnósticos crassos, poderia ter ocasionado um final trágico. Tais hospitais poderiam ser categorizados como excelentes hotéis, um deles, com certeza, receberia cinco estrelas, mas, será que é disso mesmo que precisamos em um bom hospital?
Coincidentemente, a matéria de capa da Revista Época desta semana, intitulada: "Porque a medicina pode levar você à falência", também levanta tal questão. Ter um plano de saúde hoje é uma das maiores aspirações da população, no entanto, a promessa das seguradoras de saúde de que as falhas apresentadas pelo SUS serão sanadas com a aquisição de um plano privado, podem ser apenas uma armadilha, como se vê na reportagem. Sabemos que os planos funcionam muito bem para as consultas médicas de rotina e intervenções de baixa ou média complexidade, mas quando a necessidade é para intervenções de alta complexidade, ou seja, aquelas que realmente vão fazer diferença entre a vida e a morte do paciente, os planos de saúde saem de cena. Sendo assim, a matéria mostra a tragédia de inúmeras famílias ricas que foram à bancarrota financeira por decidirem assumir dívidas que as seguradoras de saúde se recusaram a pagar. Afinal, diante da tarefa impossível de decidir entre a morte do ente querido ou assinar um “cheque em branco” num hospital particular, quem decidirá pela morte? (Infelizmente a matéria não revela que muitas vezes é o SUS, e não as famílias abastadas, que pagam a conta quando o plano de saúde se recusa a pagar. Estimativas mais conservadoras dizem que as seguradoras de saúde devem ao SUS cerca de R$ 2 bilhões por ano. Para se ter uma ideia de 2005 a 2010, último ano sobre o qual há dados disponíveis, o aumento de internações de clientes dos planos em hospitais do SUS foi de nada menos do que 59,7%.)
A matéria segue com uma entrevista com Vijay Govindarajan, consultor especialista influente no mundo dos negócios que se dedicou a estudar o sucesso de nove hospitais particulares na Índia, sua terra natal. Govindarajan critica o modelo hospitalar brasileiro dizendo que ele gasta demais e de maneira pouco inteligente. “Os grandes hospitais parecem hotéis cinco estrelas. Isso não faz diferença no resultado”- afirma. Ou seja, a hotelaria de primeira encarece o custo do hospital para aquilo que não fará a menor diferença no tratamento de fato. Por outro lado, economizar no que não é imprescindível, tanto permitiria que o hospital investisse mais no que realmente importa, tal como, profissionais qualificados e humanização, quanto poderia baratear o custo dos tratamentos, possibilitando que os planos arcassem com um espectro maior de intervenções.
O que vi acompanhando minha amiga na sua via crucis foi exatamente isso: hotelaria nota dez, arquitetura linda, jardim de inverno, TV com canal por assinatura, telefone no quarto, cuidados de enfermagem e serviço de quarto nota mil. Mas, o trágico é que ela poderia não ter sobrevivido à intervenção da porta de emergência do hospital para gozar de toda essa hospitalidade e conforto. E não pensem que ela correu esse risco por falta de exames? Foram muitos. Os mesmos repetidos em todas as vezes que ela entrou na emergência com dores fortíssimas nas costas. Sabemos que tais exames também não são baratos, mas se esqueceram de que é necessário um bom profissional que saiba lê-los, e que, sobretudo saiba utilizá-los para fazer uma boa clínica. E uma boa clínica é aquela que sabe ver a pessoa, e entende que o exame é apenas um método auxiliar para se fazer uma hipótese diagnóstica. Mas o que eu vi foi profissionais que simplesmente não viram a pessoa que ali estava, só buscavam confirmar uma hipótese diagnóstica por meio de um exame e quando não “encontravam nada”, repetiam o exame. Resultado: paga-se muito caro numa clínica ruim, que olha - e possui instrumentos e exames variados para olhar melhor e mais fundo - mas não sabe ver, porque também só ouve, mas não sabe escutar. Este é outro exemplo de como o hospital gasta mal seus recursos. Investe muito em instrumentos que olham e ouvem e pouquíssimo no profissional, o único capaz de ver e escutar.
Enfim, creio que estamos esquecendo que uma boa medicina se faz primeiramente com bons profissionais, já que, hotelaria e tecnologia só servirão caso a primeira prerrogativa for atendida. Por isso, não se enganem com fachada de mármore, jardim na recepção, obras de arte nas paredes, quartos amplos e serviço de quarto de primeira, não é isso que irá salvar sua vida quando você realmente precisar de um hospital. Lembre-se, maquiagem pode servir para melhorar o que já é belo, mas também pode servir para camuflar o que é feio. Então, jamais confunda um bom hospital com um bom hotel!
trabalhadora do SUS
Há quem não saiba diferenciar um bom hospital de um bom hotel. Quando atravessamos os corredores de um belo hospital, de paredes brancas e arquitetura fina, com profissionais devidamente uniformizados, nos sentimos seguros e protegidos, certos de que a boa hotelaria é o reflexo de um bom atendimento, todavia, isso nem sempre é verdade. Obviamente que quase ninguém rejeita conforto, beleza, limpeza e organização, mas será que tais quesitos são matéria prima suficiente para fazer um hospital qualidade?
Neste mês, estive junto a uma amiga em sua saga de aproximadamente três semanas, passando várias vezes pela urgência dos dois hospitais PARTICULARES mais bem avaliados da minha cidade, saga que, por falta de um acolhimento humanizado seguido de equívocos diagnósticos crassos, poderia ter ocasionado um final trágico. Tais hospitais poderiam ser categorizados como excelentes hotéis, um deles, com certeza, receberia cinco estrelas, mas, será que é disso mesmo que precisamos em um bom hospital?
Coincidentemente, a matéria de capa da Revista Época desta semana, intitulada: "Porque a medicina pode levar você à falência", também levanta tal questão. Ter um plano de saúde hoje é uma das maiores aspirações da população, no entanto, a promessa das seguradoras de saúde de que as falhas apresentadas pelo SUS serão sanadas com a aquisição de um plano privado, podem ser apenas uma armadilha, como se vê na reportagem. Sabemos que os planos funcionam muito bem para as consultas médicas de rotina e intervenções de baixa ou média complexidade, mas quando a necessidade é para intervenções de alta complexidade, ou seja, aquelas que realmente vão fazer diferença entre a vida e a morte do paciente, os planos de saúde saem de cena. Sendo assim, a matéria mostra a tragédia de inúmeras famílias ricas que foram à bancarrota financeira por decidirem assumir dívidas que as seguradoras de saúde se recusaram a pagar. Afinal, diante da tarefa impossível de decidir entre a morte do ente querido ou assinar um “cheque em branco” num hospital particular, quem decidirá pela morte? (Infelizmente a matéria não revela que muitas vezes é o SUS, e não as famílias abastadas, que pagam a conta quando o plano de saúde se recusa a pagar. Estimativas mais conservadoras dizem que as seguradoras de saúde devem ao SUS cerca de R$ 2 bilhões por ano. Para se ter uma ideia de 2005 a 2010, último ano sobre o qual há dados disponíveis, o aumento de internações de clientes dos planos em hospitais do SUS foi de nada menos do que 59,7%.)
A matéria segue com uma entrevista com Vijay Govindarajan, consultor especialista influente no mundo dos negócios que se dedicou a estudar o sucesso de nove hospitais particulares na Índia, sua terra natal. Govindarajan critica o modelo hospitalar brasileiro dizendo que ele gasta demais e de maneira pouco inteligente. “Os grandes hospitais parecem hotéis cinco estrelas. Isso não faz diferença no resultado”- afirma. Ou seja, a hotelaria de primeira encarece o custo do hospital para aquilo que não fará a menor diferença no tratamento de fato. Por outro lado, economizar no que não é imprescindível, tanto permitiria que o hospital investisse mais no que realmente importa, tal como, profissionais qualificados e humanização, quanto poderia baratear o custo dos tratamentos, possibilitando que os planos arcassem com um espectro maior de intervenções.
O que vi acompanhando minha amiga na sua via crucis foi exatamente isso: hotelaria nota dez, arquitetura linda, jardim de inverno, TV com canal por assinatura, telefone no quarto, cuidados de enfermagem e serviço de quarto nota mil. Mas, o trágico é que ela poderia não ter sobrevivido à intervenção da porta de emergência do hospital para gozar de toda essa hospitalidade e conforto. E não pensem que ela correu esse risco por falta de exames? Foram muitos. Os mesmos repetidos em todas as vezes que ela entrou na emergência com dores fortíssimas nas costas. Sabemos que tais exames também não são baratos, mas se esqueceram de que é necessário um bom profissional que saiba lê-los, e que, sobretudo saiba utilizá-los para fazer uma boa clínica. E uma boa clínica é aquela que sabe ver a pessoa, e entende que o exame é apenas um método auxiliar para se fazer uma hipótese diagnóstica. Mas o que eu vi foi profissionais que simplesmente não viram a pessoa que ali estava, só buscavam confirmar uma hipótese diagnóstica por meio de um exame e quando não “encontravam nada”, repetiam o exame. Resultado: paga-se muito caro numa clínica ruim, que olha - e possui instrumentos e exames variados para olhar melhor e mais fundo - mas não sabe ver, porque também só ouve, mas não sabe escutar. Este é outro exemplo de como o hospital gasta mal seus recursos. Investe muito em instrumentos que olham e ouvem e pouquíssimo no profissional, o único capaz de ver e escutar.
Enfim, creio que estamos esquecendo que uma boa medicina se faz primeiramente com bons profissionais, já que, hotelaria e tecnologia só servirão caso a primeira prerrogativa for atendida. Por isso, não se enganem com fachada de mármore, jardim na recepção, obras de arte nas paredes, quartos amplos e serviço de quarto de primeira, não é isso que irá salvar sua vida quando você realmente precisar de um hospital. Lembre-se, maquiagem pode servir para melhorar o que já é belo, mas também pode servir para camuflar o que é feio. Então, jamais confunda um bom hospital com um bom hotel!
quarta-feira, 30 de abril de 2014
Enquanto isso, na República das Bananas, a militância, mais uma vez, vira implicância.
Rita de Cássia de Araújo Almeida
#SomosTodosMacacos
Daniel Alves, jogador de futebol do Barcelona e da Seleção Brasileira, se tornou o personagem da semana, ao comer a banana que lhe foi atirada num campo da Europa. Atitude, aliás, sensacional, na minha opinião; inusitada, criativa, bem humorada e o que é mais importante, chamou a atenção do mundo todo sobre essa mazela que ainda corrói nosso mundo: o racismo.
Existem muitas maneiras de se combater o preconceito. Uma delas é pela via das leis, fundamental para criminalizar os excessos e punir quem se excede. Entretanto, existe outra maneira bastante interessante, muito bem exemplificada pela atitude de Dani Alves, que pode (e deve) acontecer longe do tapete dos tribunais, que é a que desqualifica, desconstrói e desmonta o ato preconceituoso. Ao comer a banana, Daniel ridiculariza e menospreza seu algoz. E ao invés de se comportar como mera vítima de uma atitude racista, se coloca como protagonista de um ato potente, que rejeita a humilhação dirigida a ele e devolve-a para o lado de lá.
Imediatamente ao ato de Daniel Alves surge a campanha virtual #WeAreAllMonkeys, e a versão nacional #SomosTodosMacacos, com a multiplicação de “selfies” de pessoas comendo bananas. E com a mesma rapidez que a campanha se alastrou, surgiu aqui, na República das Bananas, uma contracorrente criticando-a; por reafirmar o preconceito, porque o Luciano Huck se aproveitou dela para vender camisa (não sei se essa informação é verdadeira) ou porque a presidente Dilma aderiu e, por isso, não tratou o episódio como crime, tal como deveria.
Olha! Falta de senso de humor tem limite! Tudo bem, eu também fiquei com nojinho da campanha quando vi o Reinaldo Azevedo comendo uma banana, mas #pelamordedeus, concluir que o movimento criado a partir do ato de Daniel Alves e seguido por Neymar foi ruim, por que tem gente que eu não gosto que aderiu a ela? Tenha a santa paciência!
Então tem alguém lucrando com a macacada comendo bananas? Que novidade! Tem gente que lucra com a miséria alheia, com a burrice alheia, com a desgraça alheia, por que afinal de contas, num mundo capitalista e mercantilista como o nosso, alguém não iria lucrar com um ato inusitado e sagaz como o do jogador? Mais uma vez temos que admitir, o lado de lá teve inteligência, burro é o lado de cá que simplesmente desmerece e esvazia a campanha, perdendo a oportunidade de aproveita-la para enfrentar o tema do racismo, dentro e fora dos estádios.
É nessa hora que a militância (de qualquer espécie) fica chata, e vira implicância, porque não agrega, não soma, não reúne, fica só encontrando os defeitos e os detalhes para ficar do contra (há quem acredite que militar em uma causa é ficar sempre “do contra” e evitar “modinhas”). Que mal há numa modinha que agrega multidões se ela se presta a por em discussão um tema tão importante? Eu, definitivamente, não entendo...
Também fica chato quando aproveitam tudo para uso político partidário. Li por aí muitas críticas à nossa presidente por ela ter entrado na campanha via twitter, disseram que ela deveria tratar o racismo como crime, e não o fez quando simplesmente aderiu ao #SomosTodosMacacos. Obviamente que racismo é crime, aqui como em muitos outros países e deve ser tratado como tal, mas a judicialização não pode ser considerada a única via possível para combater esse e outros tipos de preconceito. A judicialização excessiva, da vida e das nossas relações, se sobrepõe ao laço e ao diálogo, o que sempre empobrece e esgarça o tecido social, já tão fragilizado. Não seria melhor guardar os tribunais para os casos de gente amarrando preto no poste e paras emissoras de TV e jornalistas que incentivam essa atitude repulsiva?
Já o time do #nãovaitercopa suspeita que a atitude de Daniel Alves seja um golpe publicitário para salvar a Copa no Brasil... Teoria da conspiração também tem limite!
Para os que se queixam que usar o termo macaco é reafirmar o preconceito eu peço que aprendam com o movimento feminista atual, com a Marcha das Vadias. Vadia sempre foi um termo usado para desqualificar a mulher, o mesmo que puta. O que a Marcha das Vadias faz é se apropriar deste termo pejorativo e dar a ele um outro sentido, que liberta, que potencializa, que retira a mulher do lugar subjugado, de vítima. #SomosTodasVadias não quer transformar todas as mulheres em putas, vadias, mas dizer que não há problema em ser vadia, especialmente, quando ser vadia é aquilo que eu digo que é, e não aquilo que você julga ou define que é. O Orgulho Gay, o Orgulho Louco, também são formas criativas e interessantes de lidar com o preconceito, e seguem nessa mesma linha, de retirar o peso do significante pejorativo que uma palavra carrega. Há pouco tempo chamar alguém de negro, por exemplo, era considerada uma ofensa, mas, os movimentos de valorização da cultura negra, felizmente conseguiram reatar o laço com essa palavra tão forte, bela e cheia de significados.
Será tão difícil entender que a apropriação do significante macaco, nesse caso, poderá ser uma ferramenta importante para combatermos o racismo? Não poderíamos entrar numa “vibe” darwinista (onde foi que eu ouvi isso?) e resgatar uma ancestralidade comum que nos une, fazendo um contraponto à atitude racista que busca exacerbar nossas diferenças?
Vou dar outro exemplo de quando a militância vira implicância. Tudo bem, eu também detesto as músicas do Alexandre Pires, acho o cúmulo da breguice cantar pagode de terno e achei ridículo quando ele chorou diante do Presidente Bush, mas faça-me o favor, investigar se o clipe da música Kong é racista, porque tem um monte de macacos dançando é pura chatice, implicância. É procurar pelo em ovo.
Há os que ainda vão dizer que minha opinião não tem validade porque sou branca. É fato que minha cor me impede de vivenciar o racismo na dureza da carne e, por isso, não tenho autoridade nenhuma para falar em nome dos negros, sobre os negros ou para os negros, quando o assunto é racismo. No entanto, posso produzir um discurso para estar com os negros, ao lado deles nessa luta contra a humilhação e a violência imputadas pelo racismo. Assim como posso estar com os Guarani Kaiwoá - #SomosTodosGuaraniKaiwoá - exilados de sua própria terra, com as Cláudias - #SomosTodosClaudia - e com os Amarildos - #SomosTodosAmarildo - os massacrados pela violência policial nas periferias das nossas cidades.
Duvido de qualquer movimento político, social ou militância que não seja capaz de fazer laço. E, para tal, duas características são fundamentais: apelo estético e senso de humor. Acredito que toda luta também precisa ter beleza e leveza. Quem está brigando contra o #SomosTodosMacacos não entendeu a beleza, a leveza e a dimensão da sua potência para colocar o racismo na pauta mundial. O futebol é o esporte mais popular do mundo, possivelmente o mais amado, estamos no ano da Copa do Mundo e o episódio inusitado, amplamente comentado na mídia e nas redes sociais, acontece dentro de um campo de futebol, tendo como protagonista um dos maiores jogadores da atualidade... Precisa desenhar?
É lamentável que alguns precisem retirar os holofortes deste ato tão incrivelmente vigoroso, bonito e bem humorado de Daniel Alves a fim de girá-los para si mesmo. E assim, o que poderia ser uma discussão global de como extinguir ou pelo menos reduzir os efeitos nocivos do racismo, dentro e fora dos estádios, se limita ao exercício mesquinho de decidir quem é macaco, quem não é macaco e quem é banana.
Nessas horas, só me resta invocar o mestre Raulzito: “Pare o mundo que eu quero descer!”.
domingo, 20 de abril de 2014
Dos Jardins que meu pai deixou
por: Rita de Cássia A. Almeida
Meu pai gostava de contar histórias, mas também protagonizou muitas delas. Quem conviveu com ele entende o que vou dizer agora. Muito mais do que um homem, meu pai foi um personagem. E cada vez mais me convenço que ele se dedicava muito a esse ofício: de inventar personagens para fazer uma história acontecer, mesmo a mais singela delas. Quem dera tivéssemos a sabedoria de entender que a vida é simplesmente isso!
Possivelmente essa não foi a última história que o “Seu” Messias protagonizou, mas é a última que ficou comigo e que, afinal, me arrastou para seu enredo. Pouco mais de um mês depois da morte dele, por amor, fui capaz de criar um personagem para continuar essa história que ele tinha começado.
Há cerca de um ano (talvez mais) abriram uma nova padaria na região central do nosso bairro. Uma padaria cuidadosamente arquitetada e decorada com estilo rústico de interior mineiro. Belíssima! Com destaque para dois vasos com plantas que ficavam na frente do estabelecimento, contornando o balcão de madeira de demolição onde se instalava o caixa. Mas as duas plantas que surgiram verdes e frondosas na inauguração, logo perderam o viço, e dia após dia foram amarelando e secando, notadamente por falta de cuidado. Eu que passava em frente a tal padaria quase todos os dias, observava, com pesar, a morte lenta daquelas duas folhagens e me incomodei, silenciosamente, com aquela contradição: uma padaria tão linda emoldurada por duas plantas mortas.
Um dia, fazendo o mesmo trajeto diário, observei que tinham trocado as plantas do vaso por espécies mais resistentes à falta de cuidados: sabiamente – pensei eu.
Quase sempre cruzava com meu pai na avenida onde fica a tal padaria. Eu, indo para o trabalho e ele, voltando da sua caminhada matinal. Numa dessas vezes observei que ele aguou os dois vasos de frente a padaria e seguiu seu caminho. Curiosa, perguntei a ele, dias depois, porque estava molhando aquelas plantas e ele, então, me contou essa história.
Me disse que passava todos os dias ali em frente e assim como eu, assistiu a morte lenta e triste das plantas colocadas na decoração original do estabelecimento. Um dia, cansado do incômodo e do próprio silêncio, entrou na padaria e pediu pra “falar com o responsável”. Uma jovem senhora se apresentou como “a dona” e ele então revelou a ela o seu incômodo. Disse que aquela era a padaria mais bonita da região, muito bem decorada e que, por isso, não poderia jamais manter dois vasos de planta mortos na entrada. Se ofereceu, então, para trocar as plantas por outras, o que a jovem senhora aceitou com boa vontade e simpatia. E foi assim que meu pai arranjou duas novas espécies mais resistentes à falta de cuidados (sabiamente, como eu já havia notado), plantou-as e desde então passou a agua-las. Para não vê-las morrer também – concluiu – optou por cuidar daquelas que plantou.
Era típico do “Seu” Messias esses gestos singelos que produziam laços por onde ele passava. Meu pai tinha o dom de criar histórias e cativar pessoas.
Entretanto, ele partiu há dois meses. Eu, na minha rotina diária, continuo passando em frente à padaria e tendo a certeza que aquelas plantinhas só estavam sobrevivendo por causa dos cuidados dele. Enfim, para não vê-las sucumbir, decidi me vestir de um personagem e continuar essa história. Há cerca de um mês entrei na padaria e me identifiquei, disse que meu pai - o que plantou e aguava aquelas plantas - tinha morrido, e que, agora, elas precisavam de alguém que cuidasse delas. Percebi, portanto que meu apelo não surtiu efeito, por isso decidi, eu mesma, manter a rotina do meu pai. Pelo menos duas vezes por semana interrompo meu percurso e molho aqueles vasos.
Suponho que a missão dos pais seja essa de deixar alguns jardins plantados para que os filhos se incumbam de cuidar. Uma ilusão boba, mas necessária, de imortalidade. E suponho que a angustia dos filhos seja a de decidir se vão ou não cuidar dos jardins que lhes foram deixados por herança. Alguns jardins herdados se tornam um peso para os filhos, outros uma missão de vida e outros uma honra. Bons pais são aqueles que deixam jardins que mereçam ser cuidados com honra e felizes dos filhos que escolhem cuidar apenas da herança que os honra.
Desejaria que meu pai soubesse que tem sido uma honra cuidar do jardim que ele deixou.
Meu pai gostava de contar histórias, mas também protagonizou muitas delas. Quem conviveu com ele entende o que vou dizer agora. Muito mais do que um homem, meu pai foi um personagem. E cada vez mais me convenço que ele se dedicava muito a esse ofício: de inventar personagens para fazer uma história acontecer, mesmo a mais singela delas. Quem dera tivéssemos a sabedoria de entender que a vida é simplesmente isso!
Possivelmente essa não foi a última história que o “Seu” Messias protagonizou, mas é a última que ficou comigo e que, afinal, me arrastou para seu enredo. Pouco mais de um mês depois da morte dele, por amor, fui capaz de criar um personagem para continuar essa história que ele tinha começado.
Há cerca de um ano (talvez mais) abriram uma nova padaria na região central do nosso bairro. Uma padaria cuidadosamente arquitetada e decorada com estilo rústico de interior mineiro. Belíssima! Com destaque para dois vasos com plantas que ficavam na frente do estabelecimento, contornando o balcão de madeira de demolição onde se instalava o caixa. Mas as duas plantas que surgiram verdes e frondosas na inauguração, logo perderam o viço, e dia após dia foram amarelando e secando, notadamente por falta de cuidado. Eu que passava em frente a tal padaria quase todos os dias, observava, com pesar, a morte lenta daquelas duas folhagens e me incomodei, silenciosamente, com aquela contradição: uma padaria tão linda emoldurada por duas plantas mortas.
Um dia, fazendo o mesmo trajeto diário, observei que tinham trocado as plantas do vaso por espécies mais resistentes à falta de cuidados: sabiamente – pensei eu.
Quase sempre cruzava com meu pai na avenida onde fica a tal padaria. Eu, indo para o trabalho e ele, voltando da sua caminhada matinal. Numa dessas vezes observei que ele aguou os dois vasos de frente a padaria e seguiu seu caminho. Curiosa, perguntei a ele, dias depois, porque estava molhando aquelas plantas e ele, então, me contou essa história.
Me disse que passava todos os dias ali em frente e assim como eu, assistiu a morte lenta e triste das plantas colocadas na decoração original do estabelecimento. Um dia, cansado do incômodo e do próprio silêncio, entrou na padaria e pediu pra “falar com o responsável”. Uma jovem senhora se apresentou como “a dona” e ele então revelou a ela o seu incômodo. Disse que aquela era a padaria mais bonita da região, muito bem decorada e que, por isso, não poderia jamais manter dois vasos de planta mortos na entrada. Se ofereceu, então, para trocar as plantas por outras, o que a jovem senhora aceitou com boa vontade e simpatia. E foi assim que meu pai arranjou duas novas espécies mais resistentes à falta de cuidados (sabiamente, como eu já havia notado), plantou-as e desde então passou a agua-las. Para não vê-las morrer também – concluiu – optou por cuidar daquelas que plantou.
Era típico do “Seu” Messias esses gestos singelos que produziam laços por onde ele passava. Meu pai tinha o dom de criar histórias e cativar pessoas.
Entretanto, ele partiu há dois meses. Eu, na minha rotina diária, continuo passando em frente à padaria e tendo a certeza que aquelas plantinhas só estavam sobrevivendo por causa dos cuidados dele. Enfim, para não vê-las sucumbir, decidi me vestir de um personagem e continuar essa história. Há cerca de um mês entrei na padaria e me identifiquei, disse que meu pai - o que plantou e aguava aquelas plantas - tinha morrido, e que, agora, elas precisavam de alguém que cuidasse delas. Percebi, portanto que meu apelo não surtiu efeito, por isso decidi, eu mesma, manter a rotina do meu pai. Pelo menos duas vezes por semana interrompo meu percurso e molho aqueles vasos.
Suponho que a missão dos pais seja essa de deixar alguns jardins plantados para que os filhos se incumbam de cuidar. Uma ilusão boba, mas necessária, de imortalidade. E suponho que a angustia dos filhos seja a de decidir se vão ou não cuidar dos jardins que lhes foram deixados por herança. Alguns jardins herdados se tornam um peso para os filhos, outros uma missão de vida e outros uma honra. Bons pais são aqueles que deixam jardins que mereçam ser cuidados com honra e felizes dos filhos que escolhem cuidar apenas da herança que os honra.
Desejaria que meu pai soubesse que tem sido uma honra cuidar do jardim que ele deixou.
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