(crônica)
por Rita de Cássia de Araújo Almeida
Viver é uma experiência incrível. Entretanto, existem algumas situações que realmente nos fazem duvidar da beleza da vida, dentre elas, destaco uma: falar com atendente de telemarketing. E infelizmente, para termos acesso a telefone (fixo ou celular), TV por assinatura, internet, cartão de crédito e outras mazelas da modernidade precisamos lidar com esse pesadelo, que é, tentar nos comunicar com alguém que só tem como instrumento de linguagem cerca de 23 frases prontas (fiz uma estimativa para chegar a este número).
Pelo terceiro mês consecutivo estou tendo problemas de relacionamento com minha TV por assinatura – Oi TV. Desde dezembro de 2012 que tal operadora insiste em me cobrar uma conta de abril do mesmo ano e eu, por minha vez, insisto em tentar provar que tal conta já foi paga.
No mundo de hoje, acredito, poucos tem o privilégio de nunca precisarem de um atendente de telemarketing para resolver os problemas que invariavelmente temos com as empresas e operadoras que nos prestam serviço. Quando imagino o inferno, penso que seja algo como conversar com um operador de telemarketing por toda a eternidade. Pelo menos pensava assim, até conhecer o João.
Para fazer um relato resumido da minha saga, explico que, depois ligar um zilhão de vezes para a central de atendimento, de anotar números de protocolo suficientes para numerar a quilometragem de uma viagem de ida e volta a Plutão, de falar com todos os atendentes possíveis das opções 1, 2 e 9 e apresentar sintomas corporais de quem está tendo uma crise psiquiátrica, decidi apelar para a opção 8: reclamações.
Quando apertei a opção 8, sendo obrigada a escutar pela enésima vez aquela gravação inicial enlouquecedora, meu coração palpitava na garganta, meu rosto queimava, meus olhos ardiam. Se eu fosse um desenho animado a tampa da minha cabeça estaria a pelo menos 50 centímetros acima do cérebro, com fumaça saindo pelos meus ouvidos e ventas. Estava apta a explodir, por telepatia, o cérebro de quem me atendesse, ou explodir o meu próprio cérebro – o que seria bem mais provável de acontecer – quando fui atendida, por uma voz que disse apenas:
_ Oi
Eu, já duvidando se teria ligado para o lugar correto, perguntei: _ É do setor de reclamações?
Do outro lado uma voz calma e íntima me responde: _ Sim, aqui é o João. Quem está falando?
Eu: _ É Rita.
João: _ Oi Rita, tudo bem com você?
Eu: _ Na verdade, não está nada bem, João... (E tratei de descrever, mais uma vez, o tormento que estava passando nos últimos três meses).
Só posso dizer que João foi incrível comigo! Me escutou, acolheu totalmente minha dor e meu sofrimento, acenou várias vezes com a voz que concordava com minha indignação. E por mais incrível que pareça, em nenhum momento João falou qualquer frase feita, daquelas do tipo: "a senhora poderia estar me passando o número do CPF e nome completo do titular"; "um momento que eu vou estar verificando"; "aguarde mais um momento, por favor"; "obrigado por ter aguardado"; "seu problema estará sendo encaminhado para o setor responsável"; "algo mais?"; "a OI TV agradece e tenha um bom dia". Aliás, João não disse sequer uma frase no gerúndio, o que já seria muito alentador.
João foi tão atencioso e acolhedor que, durante nossa conversa, pensei até em compartilhar com ele outros problemas de caráter pessoal, afinal, com João eu não me sentia apenas mais um número de protocolo, me sentia gente. João me fez acreditar, naquele momento, que meu problema era o mais importante, sentia como se ele fosse cuidar de maneira especial da minha situação.
Ao final da ligação, João se despediu com delicadeza e cortesia, e eu já havia recuperado a sanidade mental e o controle das minhas funções corporais. Sentia que a adrenalina circulante no meu corpo alcançava níveis estáveis, sem aquela sensação iminente de ataque ou fuga. Coloquei o telefone no gancho disposta a esperar as 24 horas de prazo que João pediu para tratar do meu caso, pois, apesar dele não ter resolvido imediatamente o problema da transmissão da TV, João resolveu o meu problema, aliviando-me da agonia e do estresse que me dominava há dias.
Eu sinceramente não sei por que os atendimentos de telemarketing são tão burocratizados. Imagino que tentam homogeneizar os procedimentos, para dar celeridade ou seriedade ao processo, mas a verdade é que são INSUPORTÁVEIS. E creio que não são insuportáveis apenas para nós clientes, suponho que também o seja para essa classe de trabalhadores. Existem muitas categorias de trabalho desumanizadas e desumanizantes, mas suponho que ser atendente de telemarketing deva estar entre as dez mais.
No meu entendimento, João deveria ser uma regra nas empresas de telemarketing, não uma exceção. Seria muito melhor para a saúde mental de todos nós. E é por isso que recomendo: para qualquer problema que lhe deixe a beira de um ataque de nervos, disque 8 e peça para falar com o João, o melhor operador de telemarketing que já conheci.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Eu preferia quando a Myriam Rios posava nua
por Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista
Já faz algum tempo que uma sensação vem me incomodando: a de que estamos passando por uma espécie de onda conservadora e moralista. Jacques Lacan, em 1969, já previa para os tempos futuros o predomínio do que ele denominava Discurso Universitário – discurso da ciência moderna, religioso-dogmático ou da burocracia – ou seja, o discurso onde tudo precisa ficar muito bem entendido e explicado, sem falhas e sem restos. Discursos onde não há lugar para os conflitos, as divergências ou os mal-entendidos.
Mergulhados nesses discursos a caretice ressurge com força, às vezes com roupagem religiosa, defendendo dogmas fundamentalistas; outras vezes travestida de ciência, explicando a condição humana como um mero conjunto de genes, órgãos e sinapses; ou, até mesmo, cumprindo os exageros da moda politicamente correta. Nesse último caso, me explico melhor aos politicamente corretos de plantão. Acredito que questionar, denunciar e desconstruir termos e linguagens que tragam conteúdos preconceituosos e discriminatórios é totalmente plausível e desejável, mas, cercear, perseguir ou criminalizar o uso desses termos é mera caretice. Mascarar, burocratizar a linguagem, não vai atuar nas nossas concepções preconceituosas.
Enfim, na ultima semana, tive a sensação de que a caretice desembarcou definitivamente entre nós, e “de mala e cuia” – como se diz aqui em Minas –, o que me deixou cheia de desânimo e preguiça intelectual. Soube que o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) aprovou o projeto de lei, de autoria da Deputada Estadual Myriam Rios (PSD), que institui o "Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais" em todo o Estado. Não sei do que se trata a lei, mas só o nome me causou arrepios. Arrepios e náusea.
O perigo do discurso burocrata, dogmático ou aprisionado em teorias é que eles sempre são moralistas, ou seja, propõem um modelo universal de conduta, um modo de ser e agir que sirva para todos e que, sobretudo, nos deixe clara a divisão entre o que é certo e o que é errado. Para usar as palavras da deputada ao justificar seu projeto de lei, "sem esse tipo de valor (o defendido pela lei que ela propõe), tudo é permitido, se perde o conceito do bom e ruim, do certo e errado".
Obviamente que nem tudo deve ser permitido. Nenhuma sociedade se sustentaria sem a constituição de limites ou concessões do indivíduo em prol da coletividade. Entretanto, criar limites partindo de uma ética do bem comum é muito diferente de pretender homogeneizar a todos partindo de um modelo único. Exemplifico. Afirmar que o certo é que uma família seja constituída somente a partir da relação de um homem com uma mulher é um discurso moralista porque desconsidera a possibilidade de outras formações familiares, no entanto, abrir mão dessa verdade como universal não impede que possamos pensar a família dentro de um preceito ético de respeito mutuo entre seus membros.
Os anos 60 foram responsáveis por iniciar a desconstrução de todos os valores e verdades tradicionais. Até essa década os territórios do certo e do errado estavam muito bem delimitados. Colhemos os frutos de tal desconstrução nas décadas seguintes e agora, me parece que essas tentativas de resgate dos valores tradicionais demonstram um certo receio do caminho que seguimos. Decidimos em dado momento da história, nos desvencilhar das amarras moralistas que definiam a priori o que era certo e o que era errado, mas pagamos um preço, afinal, é muito mais simples quando já está definido onde devemos ir. Como diria Nietzsche é muito mais fácil seguir o rebanho.
Mas há quem prefira pagar o preço de escapar do moralismo, da burocracia, do dogmatismo e de quaisquer teorias que preguem uma verdade única e acabada, para transitar pelo terreno movediço da incerteza, da inconstância, da mutabilidade; das meias verdades que estão sempre em construção e desconstrução.
Esta semana, depois da aprovação do projeto de lei da Deputada Myriam Rios, as redes sociais se apressaram em divulgar fotos sensuais que ela fizera no passado, esperando com isso denunciar sua incoerência moral. Isso também pode ser considerado um discurso moralista, afinal, as pessoas podem, sim, mudar de posição e opinião ao longo da vida. Mas o que fiquei pensando a partir disso, é que na época em que Myriam Rios decidiu fazer aquelas fotos, posar nua ainda era uma forma de rebeldia feminina, um modo de desmontar valores tradicionais atribuídos à mulher (já hoje em dia, penso que há muito pouco de subversivo em posar nua)
Eu decidi pagar o preço por desconfiar dos caminhos já feitos. Obviamente que, às vezes, desejo olhar para o céu e receber uma mensagem que me diga o que fazer, também fico tentada a procurar uma teoria que explique o mundo, uma pílula que me salve de todos os sofrimentos ou medidas legais que resolvam todas as mazelas sociais. Mas por mais tentada que fique com esses terrenos firmes, no final, sempre escolho patinar pelo gelo fino. Há quem diga que tal escolha seria uma espécie de atração pelo perigo, pela subversão, pode ser, o que eu sei é que, com todo respeito pelo trabalho da Deputada Myriam Rios, eu preferia quando ela posava nua.
psicanalista
Já faz algum tempo que uma sensação vem me incomodando: a de que estamos passando por uma espécie de onda conservadora e moralista. Jacques Lacan, em 1969, já previa para os tempos futuros o predomínio do que ele denominava Discurso Universitário – discurso da ciência moderna, religioso-dogmático ou da burocracia – ou seja, o discurso onde tudo precisa ficar muito bem entendido e explicado, sem falhas e sem restos. Discursos onde não há lugar para os conflitos, as divergências ou os mal-entendidos.
Mergulhados nesses discursos a caretice ressurge com força, às vezes com roupagem religiosa, defendendo dogmas fundamentalistas; outras vezes travestida de ciência, explicando a condição humana como um mero conjunto de genes, órgãos e sinapses; ou, até mesmo, cumprindo os exageros da moda politicamente correta. Nesse último caso, me explico melhor aos politicamente corretos de plantão. Acredito que questionar, denunciar e desconstruir termos e linguagens que tragam conteúdos preconceituosos e discriminatórios é totalmente plausível e desejável, mas, cercear, perseguir ou criminalizar o uso desses termos é mera caretice. Mascarar, burocratizar a linguagem, não vai atuar nas nossas concepções preconceituosas.
Enfim, na ultima semana, tive a sensação de que a caretice desembarcou definitivamente entre nós, e “de mala e cuia” – como se diz aqui em Minas –, o que me deixou cheia de desânimo e preguiça intelectual. Soube que o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) aprovou o projeto de lei, de autoria da Deputada Estadual Myriam Rios (PSD), que institui o "Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais" em todo o Estado. Não sei do que se trata a lei, mas só o nome me causou arrepios. Arrepios e náusea.
O perigo do discurso burocrata, dogmático ou aprisionado em teorias é que eles sempre são moralistas, ou seja, propõem um modelo universal de conduta, um modo de ser e agir que sirva para todos e que, sobretudo, nos deixe clara a divisão entre o que é certo e o que é errado. Para usar as palavras da deputada ao justificar seu projeto de lei, "sem esse tipo de valor (o defendido pela lei que ela propõe), tudo é permitido, se perde o conceito do bom e ruim, do certo e errado".
Obviamente que nem tudo deve ser permitido. Nenhuma sociedade se sustentaria sem a constituição de limites ou concessões do indivíduo em prol da coletividade. Entretanto, criar limites partindo de uma ética do bem comum é muito diferente de pretender homogeneizar a todos partindo de um modelo único. Exemplifico. Afirmar que o certo é que uma família seja constituída somente a partir da relação de um homem com uma mulher é um discurso moralista porque desconsidera a possibilidade de outras formações familiares, no entanto, abrir mão dessa verdade como universal não impede que possamos pensar a família dentro de um preceito ético de respeito mutuo entre seus membros.
Os anos 60 foram responsáveis por iniciar a desconstrução de todos os valores e verdades tradicionais. Até essa década os territórios do certo e do errado estavam muito bem delimitados. Colhemos os frutos de tal desconstrução nas décadas seguintes e agora, me parece que essas tentativas de resgate dos valores tradicionais demonstram um certo receio do caminho que seguimos. Decidimos em dado momento da história, nos desvencilhar das amarras moralistas que definiam a priori o que era certo e o que era errado, mas pagamos um preço, afinal, é muito mais simples quando já está definido onde devemos ir. Como diria Nietzsche é muito mais fácil seguir o rebanho.
Mas há quem prefira pagar o preço de escapar do moralismo, da burocracia, do dogmatismo e de quaisquer teorias que preguem uma verdade única e acabada, para transitar pelo terreno movediço da incerteza, da inconstância, da mutabilidade; das meias verdades que estão sempre em construção e desconstrução.
Esta semana, depois da aprovação do projeto de lei da Deputada Myriam Rios, as redes sociais se apressaram em divulgar fotos sensuais que ela fizera no passado, esperando com isso denunciar sua incoerência moral. Isso também pode ser considerado um discurso moralista, afinal, as pessoas podem, sim, mudar de posição e opinião ao longo da vida. Mas o que fiquei pensando a partir disso, é que na época em que Myriam Rios decidiu fazer aquelas fotos, posar nua ainda era uma forma de rebeldia feminina, um modo de desmontar valores tradicionais atribuídos à mulher (já hoje em dia, penso que há muito pouco de subversivo em posar nua)
Eu decidi pagar o preço por desconfiar dos caminhos já feitos. Obviamente que, às vezes, desejo olhar para o céu e receber uma mensagem que me diga o que fazer, também fico tentada a procurar uma teoria que explique o mundo, uma pílula que me salve de todos os sofrimentos ou medidas legais que resolvam todas as mazelas sociais. Mas por mais tentada que fique com esses terrenos firmes, no final, sempre escolho patinar pelo gelo fino. Há quem diga que tal escolha seria uma espécie de atração pelo perigo, pela subversão, pode ser, o que eu sei é que, com todo respeito pelo trabalho da Deputada Myriam Rios, eu preferia quando ela posava nua.
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