quarta-feira, 30 de abril de 2014

Enquanto isso, na República das Bananas, a militância, mais uma vez, vira implicância.


Rita de Cássia de Araújo Almeida
#SomosTodosMacacos

Daniel Alves, jogador de futebol do Barcelona e da Seleção Brasileira, se tornou o personagem da semana, ao comer a banana que lhe foi atirada num campo da Europa. Atitude, aliás, sensacional, na minha opinião; inusitada, criativa, bem humorada e o que é mais importante, chamou a atenção do mundo todo sobre essa mazela que ainda corrói nosso mundo: o racismo.

Existem muitas maneiras de se combater o preconceito. Uma delas é pela via das leis, fundamental para criminalizar os excessos e punir quem se excede. Entretanto, existe outra maneira bastante interessante, muito bem exemplificada pela atitude de Dani Alves, que pode (e deve) acontecer longe do tapete dos tribunais, que é a que desqualifica, desconstrói e desmonta o ato preconceituoso. Ao comer a banana, Daniel ridiculariza e menospreza seu algoz. E ao invés de se comportar como mera vítima de uma atitude racista, se coloca como protagonista de um ato potente, que rejeita a humilhação dirigida a ele e devolve-a para o lado de lá.

Imediatamente ao ato de Daniel Alves surge a campanha virtual #WeAreAllMonkeys, e a versão nacional #SomosTodosMacacos, com a multiplicação de “selfies” de pessoas comendo bananas. E com a mesma rapidez que a campanha se alastrou, surgiu aqui, na República das Bananas, uma contracorrente criticando-a; por reafirmar o preconceito, porque o Luciano Huck se aproveitou dela para vender camisa (não sei se essa informação é verdadeira) ou porque a presidente Dilma aderiu e, por isso, não tratou o episódio como crime, tal como deveria.

Olha! Falta de senso de humor tem limite! Tudo bem, eu também fiquei com nojinho da campanha quando vi o Reinaldo Azevedo comendo uma banana, mas #pelamordedeus, concluir que o movimento criado a partir do ato de Daniel Alves e seguido por Neymar foi ruim, por que tem gente que eu não gosto que aderiu a ela? Tenha a santa paciência!

Então tem alguém lucrando com a macacada comendo bananas? Que novidade! Tem gente que lucra com a miséria alheia, com a burrice alheia, com a desgraça alheia, por que afinal de contas, num mundo capitalista e mercantilista como o nosso, alguém não iria lucrar com um ato inusitado e sagaz como o do jogador? Mais uma vez temos que admitir, o lado de lá teve inteligência, burro é o lado de cá que simplesmente desmerece e esvazia a campanha, perdendo a oportunidade de aproveita-la para enfrentar o tema do racismo, dentro e fora dos estádios.

É nessa hora que a militância (de qualquer espécie) fica chata, e vira implicância, porque não agrega, não soma, não reúne, fica só encontrando os defeitos e os detalhes para ficar do contra (há quem acredite que militar em uma causa é ficar sempre “do contra” e evitar “modinhas”). Que mal há numa modinha que agrega multidões se ela se presta a por em discussão um tema tão importante? Eu, definitivamente, não entendo...

Também fica chato quando aproveitam tudo para uso político partidário. Li por aí muitas críticas à nossa presidente por ela ter entrado na campanha via twitter, disseram que ela deveria tratar o racismo como crime, e não o fez quando simplesmente aderiu ao #SomosTodosMacacos. Obviamente que racismo é crime, aqui como em muitos outros países e deve ser tratado como tal, mas a judicialização não pode ser considerada a única via possível para combater esse e outros tipos de preconceito. A judicialização excessiva, da vida e das nossas relações, se sobrepõe ao laço e ao diálogo, o que sempre empobrece e esgarça o tecido social, já tão fragilizado. Não seria melhor guardar os tribunais para os casos de gente amarrando preto no poste e paras emissoras de TV e jornalistas que incentivam essa atitude repulsiva?

Já o time do #nãovaitercopa suspeita que a atitude de Daniel Alves seja um golpe publicitário para salvar a Copa no Brasil... Teoria da conspiração também tem limite!

Para os que se queixam que usar o termo macaco é reafirmar o preconceito eu peço que aprendam com o movimento feminista atual, com a Marcha das Vadias. Vadia sempre foi um termo usado para desqualificar a mulher, o mesmo que puta. O que a Marcha das Vadias faz é se apropriar deste termo pejorativo e dar a ele um outro sentido, que liberta, que potencializa, que retira a mulher do lugar subjugado, de vítima. #SomosTodasVadias não quer transformar todas as mulheres em putas, vadias, mas dizer que não há problema em ser vadia, especialmente, quando ser vadia é aquilo que eu digo que é, e não aquilo que você julga ou define que é. O Orgulho Gay, o Orgulho Louco, também são formas criativas e interessantes de lidar com o preconceito, e seguem nessa mesma linha, de retirar o peso do significante pejorativo que uma palavra carrega. Há pouco tempo chamar alguém de negro, por exemplo, era considerada uma ofensa, mas, os movimentos de valorização da cultura negra, felizmente conseguiram reatar o laço com essa palavra tão forte, bela e cheia de significados.

Será tão difícil entender que a apropriação do significante macaco, nesse caso, poderá ser uma ferramenta importante para combatermos o racismo? Não poderíamos entrar numa “vibe” darwinista (onde foi que eu ouvi isso?) e resgatar uma ancestralidade comum que nos une, fazendo um contraponto à atitude racista que busca exacerbar nossas diferenças?

Vou dar outro exemplo de quando a militância vira implicância. Tudo bem, eu também detesto as músicas do Alexandre Pires, acho o cúmulo da breguice cantar pagode de terno e achei ridículo quando ele chorou diante do Presidente Bush, mas faça-me o favor, investigar se o clipe da música Kong é racista, porque tem um monte de macacos dançando é pura chatice, implicância. É procurar pelo em ovo.

Há os que ainda vão dizer que minha opinião não tem validade porque sou branca. É fato que minha cor me impede de vivenciar o racismo na dureza da carne e, por isso, não tenho autoridade nenhuma para falar em nome dos negros, sobre os negros ou para os negros, quando o assunto é racismo. No entanto, posso produzir um discurso para estar com os negros, ao lado deles nessa luta contra a humilhação e a violência imputadas pelo racismo. Assim como posso estar com os Guarani Kaiwoá - #SomosTodosGuaraniKaiwoá - exilados de sua própria terra, com as Cláudias - #SomosTodosClaudia - e com os Amarildos - #SomosTodosAmarildo - os massacrados pela violência policial nas periferias das nossas cidades.

Duvido de qualquer movimento político, social ou militância que não seja capaz de fazer laço. E, para tal, duas características são fundamentais: apelo estético e senso de humor. Acredito que toda luta também precisa ter beleza e leveza. Quem está brigando contra o #SomosTodosMacacos não entendeu a beleza, a leveza e a dimensão da sua potência para colocar o racismo na pauta mundial. O futebol é o esporte mais popular do mundo, possivelmente o mais amado, estamos no ano da Copa do Mundo e o episódio inusitado, amplamente comentado na mídia e nas redes sociais, acontece dentro de um campo de futebol, tendo como protagonista um dos maiores jogadores da atualidade... Precisa desenhar?

É lamentável que alguns precisem retirar os holofortes deste ato tão incrivelmente vigoroso, bonito e bem humorado de Daniel Alves a fim de girá-los para si mesmo. E assim, o que poderia ser uma discussão global de como extinguir ou pelo menos reduzir os efeitos nocivos do racismo, dentro e fora dos estádios, se limita ao exercício mesquinho de decidir quem é macaco, quem não é macaco e quem é banana.

Nessas horas, só me resta invocar o mestre Raulzito: “Pare o mundo que eu quero descer!”.

3 comentários:

  1. Rita,
    Adorei seu texto! Compartilho das mesmas ideias!

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  2. fico duvidosa quando luciano se apropria do acontecido, e, vc diz que seria normal, por viver num pais capitalista da selvageria.quanto a dizer que deveríamos ter aproveitado o mote do , somos todos macacos, penso que seria sim, contribuir para o racismo( aquele que está impregnado em todos nós ) pois deixaríamos de lado a oportunidade de dizer tudo que foi dito. assunto difícil esse, fico meio à deriva da questão, meio que inclinada a pensar nos dois lados de uma moeda.a afirmativa está errada , não somos macacos, somos humanos preconceituosos por natureza, por educação e, pela cultura que nos é imposta.ainda tenho duvidas à respeito. de qualquer forma, o texto é alertador.

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