Por Rita Almeida
Acho legítimas as manifestações contrárias a Copa do Mundo no Brasil. É natural que existam pessoas e organizações que não concordem que devamos sediar um evento desportivo deste porte. E, acredito eu, todos os países democráticos que já sediaram Copas do Mundo tiveram manifestações contrárias semelhantes. Numa “googlada” rápida, encontrei notícias de manifestações pelo menos nos dois últimos países sede: Alemanha (2006) e África do Sul (2010). Na Alemanha, inclusive, as manifestações foram duramente coibidas pelo governo porque tinham cunho neonazista, com palavras de ordem racistas e xenófobas contra os visitantes.
Para citar outro fato histórico similar, Nelson Mandela sofreu críticas e sanções até mesmo de aliados, quando propôs que a África do Sul sediasse a Copa do Mundo de Rúgbi, em 1995. Um esporte considerado de brancos, um símbolo do Apartheid que a África do Sul ainda tentava superar após a eleição de Mandela, em 1994. (O filme Invictus (2009) é imperdível pra quem quiser conhecer um pouco mais essa história).
O que quero dizer é que não podemos esperar unanimidade quando eventos desse porte entram na pauta de um país: haverá críticas, descontentamento, manifestações, nada de extraordinário, nada a se temer. O que me preocupa é quando as manifestações ou discursos contra a Copa nos parecem menos uma crítica e mais um desejo de ela que não se realize, seja lá a que preço for. Ouço gente por aí que secretamente ou declaradamente torce, no mínimo, pela implosão do Maracanã. No meu dicionário, gente desse tipo não quer manifestar para criticar ou provocar mudanças, quer apenas ter razão, quer que a carnificina aconteça pra depois se refestelar com os cadáveres. Isso me horroriza!
Mas na minha modesta e completamente tendenciosa opinião (posto que sou uma apaixonada por esportes e mais ainda por futebol) acredito que “Vai Ter Copa”, ou pelo menos, eu gostaria muito que tivesse. E não apenas porque amo futebol, mas também porque acredito piamente que quaisquer eventos nacionais ou internacionais, sejam eles desportivos, culturais, musicais, artísticos, científicos ou políticos, podem ser terreno propício para construir laços, laços entre nós e de nós com os outros e com o mundo. Os esportes, as artes, a política, aproximam, criam novas formas de linguagem, de afeto e de contato humano, que entendo como fundamentais, especialmente no mundo de hoje.
Eu, sinceramente, não estou interessada no quanto de retorno financeiro a Copa pode trazer, meu interesse é pelo retorno humano, pelo movimento novo que será criado, pela potência da presença de outras pessoas, outras línguas, outras culturas. Quero que a diferença e a diversidade de outros povos e culturas invadam nosso espaço para que por alguns dias o Brasil contenha em si o mundo todo. Quero que a Copa seja um acontecimento, e que como todo acontecimento, seja rico de sentidos e significados. Só lamento que o evento não seja tão democrático quanto eu gostaria que fosse, dado o valor dos ingressos e o custo das viagens, mas ainda sim me simpatizo muito com essas invasões pacíficas. Acredito sinceramente que se tivéssemos mais eventos deste porte transitando pelo mundo, teríamos muito menos guerras e invasões violentas.
Mas preciso esclarecer que, quando digo que defendo a Copa no Brasil, não quero dizer que concordo com os abusos que possam ou que supostamente estejam sendo feitos em nome dela. Não concordo com obras superfaturadas, com corrupção, com distorções nos gastos públicos, e, aliás, eu não concordo com isso em nenhuma outra situação. Nem com Copa e nem sem Copa.
Também faço minhas críticas à FIFA. Acredito que um outro mundo é possível inclusive no futebol. Persigo a utopia do saudoso Sócrates com sua Democracia Corintiana, que ele sonhava como modelo de gestão para todo o futebol, combatendo os cartolas nacionais e internacionais. Ou seja, desejar que meu país sedie uma Copa do Mundo não me impede de olhar criticamente para as nossas mazelas ou as do futebol.
E eu quero também um país sem fome, com saúde e educação de qualidade, quero que segurança pública seja um direito de todos e não privilégio de alguns, quero um país mais justo, menos desigual, mas também quero esporte, lazer, cultura. Afinal “a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte. A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão, balé” e me permitam, a gente quer futebol também.
Outra justificativa muito comum para os adeptos do, nesse caso, “Não Deveria Ter Copa” é a que afirma que não temos estrutura para tal. Nessa falta de estrutura incluem os problemas do nosso trânsito, da nossa rede de hotéis e restaurantes ou dos próprios locais que sediarão os eventos. Tudo bem, eu concordo. Quando recebemos visitas em nossa casa temos que melhorar ao máximo a estrutura para recebê-las, mas isso não implica mudar para uma outra casa ou deixar de ser o que somos. Sou frequentadora assídua dos debates nos canais esportivos e me dá náuseas quando alguns comentaristas sugerem que o despreparo do Brasil em sediar uma Copa é resultante, por exemplo, da falta de educação ou de cultura dos torcedores brasileiros, em última análise, do nosso povo. É como se precisássemos primeiro nos transformar numa Inglaterra habitada por alemães, para podermos, então, ser dignos de sediar uma Copa de Mundo. Isso pra mim é xenofobia, não tem outro nome.
Então, é o seguinte: A Copa do Mundo de Futebol de 2014 será no Brasil e num Brasil cheinho de brasileiros. Não nos transformaremos de uma hora pra outra num outro país e nem muito menos deixaremos de ser como somos. Receberemos nossos visitantes com nossas virtudes e vícios, foi assim e assim será em todas as Copas. Mas a pergunta é: podemos melhorar enquanto país e enquanto povo por causa da Copa? Na minha opinião, sim. É claro que sim!
O que eu espero é que a presença do outro em nossa casa possa promover em nós questionamentos como povo, nação e cultura. Espero que os olhares do mundo em nossa direção, realce nossas mazelas e dificuldades e nos provoque incômodo e vergonha suficientes para exigirmos mudanças, antes, durante e mesmo depois do fim do evento. Como acontece com aquela teia de aranha que está postada no canto da parede da nossa sala há meses e a gente só repara e se apressa em limpar quando a visita chega. A presença do outro sempre nos causa um movimento interessante, especialmente quando ao invés de estranhar o outro, estranhamos a nós mesmos. É fato que só somos capazes de nos enxergar na diferença.
A Copa e outros eventos internacionais devem ser vistas, a meu ver, como um acontecimento. E um acontecimento é uma oportunidade singular, cheia de potência e vitalidade de laços, encontros, diversidades e movimentos. A Copa poderá nos deixar muitas riquezas, muito mais necessárias e interessantes do que prováveis riquezas econômicas. E apesar de amar o futebol e torcer muito pela nossa seleção, torço mais pelo acontecimento do que pelo hexacampeonato. Sem esquecer que o acontecimento pode implicar em manifestações contrárias a ele. Sejamos serenos quanto a isso.