terça-feira, 8 de agosto de 2017

Relatos Selvagens na agência bancária


Se tem um lugar que não tem nada a ver comigo é agência bancária. Só frequento porque o capitalismo me exige. Tipo de lugar que eu já entro querendo sair. Tudo me irrita ali, especialmente aquela porta giratória que continua travando mesmo que você se sinta nua. Sempre visto minha pior cara pro guarda que libera a trava da porta, pra ver se ele sente medo e me deixa passar sem que eu precise arrancar até da restauração do dente, mas desconfio que isso provoque o efeito inverso. Sabe aquele fetiche de sacar dinheiro no caixa eletrônico? Não tenho. Minha alma é socialista nível hippie/morador de rua por opção. Por mim, ainda estaríamos fazendo escambo. Eu bem sei que teria dificuldades com isso: “Vem cá que eu escuto 30 minutos da sua história de amor por um pacote de arroz e dois de feijão.” “Toma aqui uma poesia fresquinha e me dá duas pizzas; uma marguerita e uma portuguesa.” Mas meu coração diz que seria lindo.

Então eu já entrei no banco naquele dia com meu pior humor; humor de agência bancária. E no nível master, porque precisaria ultrapassar a maldita porta giratória. Antes, fui pegar minha senha. A fila da senha é a fila pra não ficar na fila, ou pra te fazerem acreditar que você não vai ficar na fila, mas a verdade é que você vai. Naquela espera já me irritei um pouco mais ao lembrar que o governo anistiou dívidas bilionárias do Itaú, Santander e do Bradesco, e se recusou a reajustar o Bolsa Família alegando falta de recurso. E tem gente com dó de vidraça de banco em manifestação. Aff! Meu humor bateu lá no sarcasmo.

Minha vez na fila da senha. Expliquei pra mocinha que precisaria fazer uma transferência de valores pra outro banco, já que não estava conseguindo fazê-la no caixa eletrônico, como me foi prometido quando me obrigaram a trocar de banco a fim de receber meu pagamento. Eu já odiava ter um banco e estava condenada a lidar com dois. Malditos! Pensei. A mocinha, muito simpática, me deu o papelzinho com o número e me orientou para onde deveria me dirigir.

Passei pelo vestibular da porta giratória com êxito e me sentei no local indicado. Ainda bem que existe smartphone e redes sociais (aliás, só isso me impede de assumir completamente minha alma hippie). Me entreti com os memes até chegar minha vez, uns 30 minutos depois. Expliquei minha dificuldade para o rapaz que soltou um “sinto muito” para dizer que só o “meu gerente” poderia resolver meu problema. Que eu poderia pegar a senha do caixa para fazer a tal transferência e esperar o “meu gerente” voltar do almoço para resolver o restante com ele. No mesmo segundo infinitesimal em que achei o fim da picada ter um gerente de banco pra chamar de meu – tá aí uma coisa que eu dispenso totalmente – o sangue subiu. Me levantei da cadeira e soquei na mesa do atendente a bolsa que estava no meu colo. Diante das categorias, luta ou fuga, escolhi a luta.
O problema de ser metida a intelectual é que até pra fazer um barraco a gente faz citação. Perguntei, então, ao atendente:

- Você assistiu Relatos Selvagens?

Ele não respondeu. É possível que não tenha assistido o filme, mas, com certeza, já assistiu os indícios de uma mulher prestes a enlouquecer. Eu sentia meu sangue queimando os olhos. Encarei-o, aproximando meu rosto em direção a ele e continuei na toada do filme:

- Pois eu estou com o humor da noiva que descobriu a traição na noite do casamento e a disposição do engenheiro “bombinha” pra explodir essa porra toda. Ou você resolve isso pra mim agora ou vamos ter problema.

Ele não teve outra opção. Disse a senha: “vou-ver-o-que-posso-fazer” e saiu com o rabo entre as pernas. Voltou em alguns minutos com outro homem que se apresentou como o “meu gerente” - ao que parece, este voltou do almoço milagrosamente. Pensei em fazer um discurso filosófico/analítico pra dizer que àquela altura da vida não precisava de nenhum gerente, já que me interessava mais o inesperado, as contingências e surpresas da vida, mas decidi me calar e resolver logo o problema que me faria ir embora daquele lugar. “Meu gerente” me convidou, delicadamente, para outra mesa e fez tudo que eu precisava, me ofereceu até café – que eu nunca rejeito.

Confesso que, naquele dia, saí da agência bancária mais satisfeita do que entrei. Pensei que devia ter aproveitado minha ira pra gritar a plenos pulmões:

-Malditos capitalistas financeiros devoradores de gente e humanidade!!

Mas logo percebi que estes não estariam ali para ouvir. Na agência, tanto na categoria clientes quanto na de empregados, só havia trabalhadores como eu. Tive pena do rapaz que teve que se haver com meu barraco à luz de Relatos Selvagens. Da próxima vez me desculpo e faço a indicação educada do filme.

Rita Almeida

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário.