por: Rita de Cássia A. Almeida
Meu pai gostava de contar histórias, mas também protagonizou muitas delas. Quem conviveu com ele entende o que vou dizer agora. Muito mais do que um homem, meu pai foi um personagem. E cada vez mais me convenço que ele se dedicava muito a esse ofício: de inventar personagens para fazer uma história acontecer, mesmo a mais singela delas. Quem dera tivéssemos a sabedoria de entender que a vida é simplesmente isso!
Possivelmente essa não foi a última história que o “Seu” Messias protagonizou, mas é a última que ficou comigo e que, afinal, me arrastou para seu enredo. Pouco mais de um mês depois da morte dele, por amor, fui capaz de criar um personagem para continuar essa história que ele tinha começado.
Há cerca de um ano (talvez mais) abriram uma nova padaria na região central do nosso bairro. Uma padaria cuidadosamente arquitetada e decorada com estilo rústico de interior mineiro. Belíssima! Com destaque para dois vasos com plantas que ficavam na frente do estabelecimento, contornando o balcão de madeira de demolição onde se instalava o caixa. Mas as duas plantas que surgiram verdes e frondosas na inauguração, logo perderam o viço, e dia após dia foram amarelando e secando, notadamente por falta de cuidado. Eu que passava em frente a tal padaria quase todos os dias, observava, com pesar, a morte lenta daquelas duas folhagens e me incomodei, silenciosamente, com aquela contradição: uma padaria tão linda emoldurada por duas plantas mortas.
Um dia, fazendo o mesmo trajeto diário, observei que tinham trocado as plantas do vaso por espécies mais resistentes à falta de cuidados: sabiamente – pensei eu.
Quase sempre cruzava com meu pai na avenida onde fica a tal padaria. Eu, indo para o trabalho e ele, voltando da sua caminhada matinal. Numa dessas vezes observei que ele aguou os dois vasos de frente a padaria e seguiu seu caminho. Curiosa, perguntei a ele, dias depois, porque estava molhando aquelas plantas e ele, então, me contou essa história.
Me disse que passava todos os dias ali em frente e assim como eu, assistiu a morte lenta e triste das plantas colocadas na decoração original do estabelecimento. Um dia, cansado do incômodo e do próprio silêncio, entrou na padaria e pediu pra “falar com o responsável”. Uma jovem senhora se apresentou como “a dona” e ele então revelou a ela o seu incômodo. Disse que aquela era a padaria mais bonita da região, muito bem decorada e que, por isso, não poderia jamais manter dois vasos de planta mortos na entrada. Se ofereceu, então, para trocar as plantas por outras, o que a jovem senhora aceitou com boa vontade e simpatia. E foi assim que meu pai arranjou duas novas espécies mais resistentes à falta de cuidados (sabiamente, como eu já havia notado), plantou-as e desde então passou a agua-las. Para não vê-las morrer também – concluiu – optou por cuidar daquelas que plantou.
Era típico do “Seu” Messias esses gestos singelos que produziam laços por onde ele passava. Meu pai tinha o dom de criar histórias e cativar pessoas.
Entretanto, ele partiu há dois meses. Eu, na minha rotina diária, continuo passando em frente à padaria e tendo a certeza que aquelas plantinhas só estavam sobrevivendo por causa dos cuidados dele. Enfim, para não vê-las sucumbir, decidi me vestir de um personagem e continuar essa história. Há cerca de um mês entrei na padaria e me identifiquei, disse que meu pai - o que plantou e aguava aquelas plantas - tinha morrido, e que, agora, elas precisavam de alguém que cuidasse delas. Percebi, portanto que meu apelo não surtiu efeito, por isso decidi, eu mesma, manter a rotina do meu pai. Pelo menos duas vezes por semana interrompo meu percurso e molho aqueles vasos.
Suponho que a missão dos pais seja essa de deixar alguns jardins plantados para que os filhos se incumbam de cuidar. Uma ilusão boba, mas necessária, de imortalidade. E suponho que a angustia dos filhos seja a de decidir se vão ou não cuidar dos jardins que lhes foram deixados por herança. Alguns jardins herdados se tornam um peso para os filhos, outros uma missão de vida e outros uma honra. Bons pais são aqueles que deixam jardins que mereçam ser cuidados com honra e felizes dos filhos que escolhem cuidar apenas da herança que os honra.
Desejaria que meu pai soubesse que tem sido uma honra cuidar do jardim que ele deixou.
Já pensou em publicar um livro de crônicas - Você escreve MUITO bem, de forma que TOCA as pessoas e com bastante conteúdo. Abs
ResponderExcluirobrigada Claudio! quem sabe?
ResponderExcluirVc escreve linnndo!
ResponderExcluirObrigada Maria!! um abraço
Excluir