terça-feira, 13 de setembro de 2011

O Horror Capitalista

Por Rita de Cássia de Araújo Almeida
Psicanalista

Já faz algum tempo que o capitalismo é mais lucrativo nas cirandas financeiras do que na produção de bens ou serviços. Os grandes lucros do capitalismo atual não são gerados pela exploração do trabalhador, aquela denunciada por Marx, mas de um modo bem mais silencioso e eficiente: na especulação financeira.

A especulação, como o próprio nome já diz, consiste basicamente em: comprar e vender coisas que não existem por meio de apostas em negócios que também não existem, que poderão existir se muita gente apostar neles, mas que podem quebrar se muitos deixarem de apostar, mesmo sem nunca terem existido. Isso é, resumidamente, o que aconteceu na crise americana de 2008. O chamado “estouro da bolha”.

Viviane Forrester em seu livro “O Horror Econômico” de 1997 (talvez mais atual hoje do que quando foi publicado) afirma que nesta nova roupagem do capitalismo, consumir seria nosso último recurso, nossa última utilidade. Já que trabalho e produção não geram mais riqueza, seríamos apenas clientes necessários ao tão esperado “crescimento econômico”, prometido para acabar com todos os nossos males e aflições. Assim seguimos consumindo e consumindo, cumprindo religiosa e subservientemente nossa função neste sistema.

Entretanto, aumento de consumo anda sempre de mãos dadas com o aumento do endividamento e da inadimplência. Especula-se que cada lar americano, por exemplo, deva em média US$ 10.000,00, só no cartão de crédito. No Brasil entramos neste "boom" de consumo mais recentemente. O crescimento econômico da Era Lula, permitiu a entrada de 40 milhões de pessoas no mercado consumidor, e a reboque disso aumentou também o número de endividados. Sendo assim, dá pra compreender porque além de “dicas de moda”, “dicas de saúde”, “dicas de alimentação saudável” os programas de TV, de olho no endividamento e na inadimplência dos brasileiros, têm oferecido também programas e reportagens com “dicas para o consumo consciente”, que consistem, basicamente, em culpabilizar o devedor pelo seu endividamento. Esquecem de mencionar que a condição que o capitalismo atual nos impõe é mais ou menos a seguinte: consuma, consuma e consuma, porque disso depende o humor do mercado e, consequentemente, o sucesso do capitalismo (e o sucesso de todos nós). Mas, se isso que esperamos e desejamos que você faça te levar a falência ou ao desespero total, não culpe o sistema, foi apenas um erro seu. Então, sem tocar na contradição imposta pelo próprio sistema capitalista, o que vemos nesses programas são orientações para nos fazer acreditar que se nos endividamos ou nos tornamos inadimplentes é, simplesmente, porque não consumimos de maneira educada ou consciente. É o mesmo que prometer a felicidade plena para aquele que comer o maior número possível de jacas e depois responsabilizar o comedor de jacas pela indigestão causada pela sua falta de educação ou consciência para comer jacas.

Ninguém definiu melhor o capitalismo especulativo que Slavo Zizek: “é um ato de pedir emprestado ao futuro”. E na verdade é o que temos feito, entrando nessa ciranda de dívidas, empréstimos e prestações, pedindo emprestado ao futuro para vivermos felizes hoje. Afinal, como diria o slogan de um certo cartão de crédito, “a vida acontece agora”, não é mesmo? Então compramos hoje para pagar amanhã. E amanhã pagamos o que compramos ontem. Depois pegamos emprestado do amanhã para pagar o ontem e o hoje, e pegamos emprestado ao depois de amanhã para pagar o empréstimo que fizemos ontem e para comprar o que precisamos hoje. Assim nos tornamos reféns deste círculo vicioso que não pode mais parar, porque se parar chegaremos à conclusão que ontem, já estávamos quebrados.

Mas a questão é que, apesar das tais “dicas para o consumo consciente” tratarem essa “bola de neve” financeira como uma falha no sistema capitalista ou pior, como uma falha sua ou minha em lidar com o sistema, a verdade é que este é o eixo de sustentação sobre o qual gira o capitalismo; é sua característica. O endividamento para o consumo não é uma falha do sistema, é exatamente a sua força, é nessa ciranda de dívidas que o capitalismo de hoje se sustenta, se retro alimenta e se perpetua. Tanto é assim que não somos apenas nós, pessoas comuns, que entramos nessa ciranda. As grandes corporações financeiras e os grandes bancos também operam desta maneira e não é incomum que cheguem à bancarrota. Mas a diferença é que, para eles, a salvação virá; e não serão culpabilizados, mas premiados. Com a justificativa de que se quebrarem promoverão uma quebradeira geral mais danosa ainda para o restante da população, as grandes corporações são enxertadas com dinheiro dos governos; dinheiro público, obviamente. Zizek chama este tipo de intervenção de “capitalismo socialista”. Um tipo peculiar de medida “socialista”, cuja meta principal é ajudar os ricos e não os pobres. Ironicamente, socializamos o prejuízo, e é claro, com a justificativa de que é para o bem estar de todos. Socialismo que, neste caso, não é ruim, já que serve para estabilizar o capitalismo.

Não sabemos até quando o futuro será complacente com o capitalismo. Tomara que não muito mais. E espero que possamos mudar o rumo das coisas antes que seja tarde. Enquanto isso, a pergunta que não quer calar é a seguinte: se o Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos não consegue pagar suas dívidas, porque eu ou você deveríamos conseguir?