Por Rita de Cássia A. Almeida
O JN já foi palco de inúmeras ‘babaquices’, especialmente quando a intenção era privilegiar candidatos e partidos políticos de sua preferência, mas essa semana o programa se superou ao tentar provar que o que atingiu o candidato Serra numa caminhada de campanha não foi uma inocente bolinha de papel, mas um perigosíssimo rolo de durex. Repetindo o mantra do nosso presidente, nunca na história deste país eu assisti a tamanha bizarrice em um telejornal. Foi no mínimo lamentável, para não utilizar outros adjetivos impublicáveis. O JN pareceu, na verdade, uma continuação do programa eleitoral de Serra, ao tentar de toda maneira justificar o fato do referido candidato ter cancelado todos os seus compromissos de campanha do dia e de se submeter a uma tomografia computadorizada para avaliar os danos prováveis causados por uma bolinha de papel calibre A4 ou um rolo de durex de calibre incerto. Mais lamentável ainda é o fato da grande mídia brasileira chamar esse tipo de reportagem de garantia à liberdade de imprensa. Liberdade é claro desde que seja para defender seus interesses políticos, corporativos e econômicos. Liberdade para dar destaque para as notícias que lhe interessam e ocultar outras que consideram menos importantes. Liberdade para publicar inverdades e criar factóides, que tomam uma importância que jamais deveriam tomar. Liberdade para transformar uma disputa presidencial numa discussão rasteira e perversa sobre quem é ou não a favor do aborto, por exemplo, mesmo sabendo que legalizar ou não o aborto não é mérito do Presidente da Republica, mas sim de legislações sujeitas a discussão entre deputados e senadores e participação ampla da sociedade.
Mas a firula plantada e excessivamente valorizada pela direção de campanha de Serra e a peripécia jornalística do casal Bonner reforçando o evento, não contavam com a potência subversiva da internet. Enquanto a TV é capaz de direcionar nossos olhos e ouvidos decidindo por nós o que é a verdade, a internet nos oferece inúmeras verdades possíveis, nos possibilitando escolher.
Quem não ficou somente com a versão da Globo, ouviu o presidente Lula, em mais uma de suas brilhantes tiradas, comparar o Serra com o goleiro Roberto Rojas, que simulou ter sido atingido por um rojão num jogo do Brasil contra o Chile no Maracanã, em 1989, válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1990. Rojas chegou a fazer um corte em sua própria testa para valorizar a farsa. Depois disso a Seleção Chilena foi suspensa por quatro anos e Rojas foi banido do esporte.
Inspirada por esta comparação os ‘twitteiros’ de plantão criaram a tag #serrarojas que chegou ao primeiro lugar em acessos no twitter mundial e varou a madrugada dos últimos dias como tema de discussão, crítica e deboche dos internautas. O comentário que eu mais gostei dizia que o médico de Serra, após o resultado da tal tomografia, sugeriu que ele ficasse em repouso durante os próximos quatro anos. Creio que depois deste vexame, o digníssimo candidato não terá mesmo outra escolha.
O JN, por sua vez, deveria ser processado por agressão violenta à inteligência de seus telespectadores. Contratar um perito pra provar se o ‘projétil’ desferido contra o Serra foi bolinha de papel ou rolo de durex foi realmente ridículo. Pra finalizar, vou repetir um dos comentários postados no twitter: ‘Acabei de assistir o JN e minha inteligência foi agredida violentamente. Vocês me dão licença, mas eu vou fazer uma tomografia pra ver a gravidade da lesão’.
22 de outubro de 2010
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
A eleição do palhaço Tiririca
por Rita de Cássia de Araújo Almeida
eleitora
Para fazermos um diagnóstico das eleições do último dia 3 de outubro, talvez o melhor “sintoma” a ser avaliado seja eleição do palhaço Tiririca como Deputado Federal em São Paulo. O fato tem sido lamentado por muitos, especialmente pela classe política, que se sente obviamente, desqualificada e achincalhada, mas, definitivamente, não se pode desprezar um milhão e trezentos mil votos, certamente, eles querem nos dizer alguma coisa.
É fácil atribuir a eleição de Tiririca a um oportunismo individualista, à suposta ignorância do seu eleitorado ou a um mero deboche das urnas. Também é fácil desqualificar o Deputado eleito, fazendo observações preconceituosas a respeito de sua profissão ou sobre o fato de, supostamente, ser analfabeto. Eu prefiro entender o acontecido como um recado da população à nossa classe política, que quer dizer mais ou menos assim: “Já que a política nacional virou palhaçada, então aí está um palhaço de verdade!”
Assim, espero que na presença de um palhaço de profissão, nossos políticos de profissão entendam que nosso povo não quer mais saber de “circo” e “palhaçada” dentro das Assembléias e do Senado. Espero que se envergonhem de si mesmos e se esforcem por fazer de suas legislaturas motivo de orgulho e respeito para nós brasileiras e brasileiros. Quem sabe a presença de Tiririca denuncie diariamente aos demais eleitos, que política deve ser tratada com seriedade, com seriedade suficiente para deixar qualquer palhaço sem graça.
Aliado a isso, desejo sinceramente que o Sr. Deputado, Francisco Everardo Oliveira Silva, se sensibilize e se responsabilize pela sua expressiva votação e cumpra sua promessa de campanha. Pra quem não sabe, Tiririca, em sua propaganda eleitoral, assumia não saber o que faz e para que serve um Deputado, mas prometia que quando eleito fosse, diria a todos o que aprendeu sobre sua experiência. Se o ilustre Deputado usar sua legislatura para conscientizar o povo sobre a importância e os deveres éticos de um Deputado e não permitir que seus colegas de legislatura se esqueçam de tal importância e deveres, já terá prestado um enorme serviço a esta nação.
A piada, o chiste são formas interessantes de denunciar e apontar falhas. O que nos faz rir no final de uma piada é a mudança brusca que ela provoca em nosso pensamento, o sobressalto, o engano. Deste modo, não lamento pela eleição de Tiririca, esta piada poderá servir de denuncia para as falhas do nosso sistema político, provocar sobressaltos interessantes. Por outro lado, espero que durante os próximos quatro anos, o palhaço não se sinta em casa.
eleitora
Para fazermos um diagnóstico das eleições do último dia 3 de outubro, talvez o melhor “sintoma” a ser avaliado seja eleição do palhaço Tiririca como Deputado Federal em São Paulo. O fato tem sido lamentado por muitos, especialmente pela classe política, que se sente obviamente, desqualificada e achincalhada, mas, definitivamente, não se pode desprezar um milhão e trezentos mil votos, certamente, eles querem nos dizer alguma coisa.
É fácil atribuir a eleição de Tiririca a um oportunismo individualista, à suposta ignorância do seu eleitorado ou a um mero deboche das urnas. Também é fácil desqualificar o Deputado eleito, fazendo observações preconceituosas a respeito de sua profissão ou sobre o fato de, supostamente, ser analfabeto. Eu prefiro entender o acontecido como um recado da população à nossa classe política, que quer dizer mais ou menos assim: “Já que a política nacional virou palhaçada, então aí está um palhaço de verdade!”
Assim, espero que na presença de um palhaço de profissão, nossos políticos de profissão entendam que nosso povo não quer mais saber de “circo” e “palhaçada” dentro das Assembléias e do Senado. Espero que se envergonhem de si mesmos e se esforcem por fazer de suas legislaturas motivo de orgulho e respeito para nós brasileiras e brasileiros. Quem sabe a presença de Tiririca denuncie diariamente aos demais eleitos, que política deve ser tratada com seriedade, com seriedade suficiente para deixar qualquer palhaço sem graça.
Aliado a isso, desejo sinceramente que o Sr. Deputado, Francisco Everardo Oliveira Silva, se sensibilize e se responsabilize pela sua expressiva votação e cumpra sua promessa de campanha. Pra quem não sabe, Tiririca, em sua propaganda eleitoral, assumia não saber o que faz e para que serve um Deputado, mas prometia que quando eleito fosse, diria a todos o que aprendeu sobre sua experiência. Se o ilustre Deputado usar sua legislatura para conscientizar o povo sobre a importância e os deveres éticos de um Deputado e não permitir que seus colegas de legislatura se esqueçam de tal importância e deveres, já terá prestado um enorme serviço a esta nação.
A piada, o chiste são formas interessantes de denunciar e apontar falhas. O que nos faz rir no final de uma piada é a mudança brusca que ela provoca em nosso pensamento, o sobressalto, o engano. Deste modo, não lamento pela eleição de Tiririca, esta piada poderá servir de denuncia para as falhas do nosso sistema político, provocar sobressaltos interessantes. Por outro lado, espero que durante os próximos quatro anos, o palhaço não se sinta em casa.
terça-feira, 13 de julho de 2010
Quando a guerra é a pior estratégia
Rita de Cássia de Araújo Almeida
trabalhadora da rede de saúde mental do SUS
Não faz muito tempo que a questão do abuso ou dependência de drogas ilícitas deixou de ser “caso de polícia”, pelo menos no âmbito legal. Para sermos mais específicos é a partir da lei n° 11.343/2006 que traficante e usuário de substâncias ilícitas são colocados em territórios distintos. Enquanto o primeiro continua sendo problema de segurança pública, o último passa a ser preocupação das políticas de saúde.
Lamentavelmente, apesar de contarmos com esse avanço legal importante, que descriminaliza o usuário ou dependente, o uso de drogas ilícitas ainda permanece envolto em uma nuvem de preconceitos e mitos, que contaminam nossa forma de abordar o tema, em especial quando o assunto é tratamento. Infelizmente, ainda enxergamos uma associação direta entre o uso de drogas e delinqüência ou criminalidade, visão exaustivamente reforçada pela mídia.
Isso tem gerado uma certa confusão quando o assunto é oferecer tratamento para o sujeito que se encontra adoecido pelo uso de drogas. Além de vítima da doença, ele se torna também vítima do preconceito e da retaliação da sociedade, o que intensifica os danos, ainda mais quando o sujeito já se encontra em estado de vulnerabilidade social.
O SUS tem sido convocado a dar respostas para tal problemática, que cada vez mais é colocada como evidente e urgente, especialmente com a chamada “epidemia do crack”. Entretanto, a nuvem de preconceitos que envolve o tema precisa ser dissipada, para que não façamos política de saúde utilizando estratégias de guerra. Sabemos que as guerras produzem sempre muitas vítimas e muito poucas soluções, e nesse caso, as vítimas tem sido aqueles para os quais as políticas deveriam oferecer cuidado: os drogadictos.
É importante reiterar: não se faz política de saúde utilizando estratégias de guerra, pelo menos, não quando a intenção é democratizar, humanizar e promover a inserção social, diretrizes fundamentais da política de saúde mental que o SUS vem implementando. Por isso, precisamos abolir formas de tratamento que se utilizem de verbos do tipo: combater, reprimir, tutelar, capturar, aprisionar, perseguir, ameaçar, cercear, coibir, atacar ou amedrontar. Técnicas muito úteis quando se está numa frente de batalha. Por outro lado, precisamos reforçar estratégias de tratamento que façam uso dos verbos: cuidar, acolher, compreender, abrigar, escutar, oferecer, apaziguar, esperar, confiar, apoiar e possibilitar, essas sim, fortalecedoras de laço e produtoras de vida.
Muito se fala sobre a morte como destino do sujeito adoecido pelo uso de drogas, mas o que não se diz é que a morte que realmente ameaça esse sujeito é a “morte social”. Esta sim é a mais perigosa, a que chega primeiro e a que, se não cuidada em tempo, pode provocar a morte do corpo. Isso nos indica que em se tratando de política de saúde não estamos, ou pelo menos não deveríamos estar, em guerra contra as drogas ou contra aqueles que as utilizam, já que esse é o caminho mais rápido para acelerarmos tal “morte social”.
Concluindo, fazer alguma coisa em política de saúde não significa fazer qualquer coisa. Sendo assim, para propormos formas de cuidado e tratamento aos sujeitos adoecidos pelo uso de drogas é fundamental que não esqueçamos que nosso compromisso é com as pessoas e com a vida, coisas que numa guerra possuem o valor de quase nada.
trabalhadora da rede de saúde mental do SUS
Não faz muito tempo que a questão do abuso ou dependência de drogas ilícitas deixou de ser “caso de polícia”, pelo menos no âmbito legal. Para sermos mais específicos é a partir da lei n° 11.343/2006 que traficante e usuário de substâncias ilícitas são colocados em territórios distintos. Enquanto o primeiro continua sendo problema de segurança pública, o último passa a ser preocupação das políticas de saúde.
Lamentavelmente, apesar de contarmos com esse avanço legal importante, que descriminaliza o usuário ou dependente, o uso de drogas ilícitas ainda permanece envolto em uma nuvem de preconceitos e mitos, que contaminam nossa forma de abordar o tema, em especial quando o assunto é tratamento. Infelizmente, ainda enxergamos uma associação direta entre o uso de drogas e delinqüência ou criminalidade, visão exaustivamente reforçada pela mídia.
Isso tem gerado uma certa confusão quando o assunto é oferecer tratamento para o sujeito que se encontra adoecido pelo uso de drogas. Além de vítima da doença, ele se torna também vítima do preconceito e da retaliação da sociedade, o que intensifica os danos, ainda mais quando o sujeito já se encontra em estado de vulnerabilidade social.
O SUS tem sido convocado a dar respostas para tal problemática, que cada vez mais é colocada como evidente e urgente, especialmente com a chamada “epidemia do crack”. Entretanto, a nuvem de preconceitos que envolve o tema precisa ser dissipada, para que não façamos política de saúde utilizando estratégias de guerra. Sabemos que as guerras produzem sempre muitas vítimas e muito poucas soluções, e nesse caso, as vítimas tem sido aqueles para os quais as políticas deveriam oferecer cuidado: os drogadictos.
É importante reiterar: não se faz política de saúde utilizando estratégias de guerra, pelo menos, não quando a intenção é democratizar, humanizar e promover a inserção social, diretrizes fundamentais da política de saúde mental que o SUS vem implementando. Por isso, precisamos abolir formas de tratamento que se utilizem de verbos do tipo: combater, reprimir, tutelar, capturar, aprisionar, perseguir, ameaçar, cercear, coibir, atacar ou amedrontar. Técnicas muito úteis quando se está numa frente de batalha. Por outro lado, precisamos reforçar estratégias de tratamento que façam uso dos verbos: cuidar, acolher, compreender, abrigar, escutar, oferecer, apaziguar, esperar, confiar, apoiar e possibilitar, essas sim, fortalecedoras de laço e produtoras de vida.
Muito se fala sobre a morte como destino do sujeito adoecido pelo uso de drogas, mas o que não se diz é que a morte que realmente ameaça esse sujeito é a “morte social”. Esta sim é a mais perigosa, a que chega primeiro e a que, se não cuidada em tempo, pode provocar a morte do corpo. Isso nos indica que em se tratando de política de saúde não estamos, ou pelo menos não deveríamos estar, em guerra contra as drogas ou contra aqueles que as utilizam, já que esse é o caminho mais rápido para acelerarmos tal “morte social”.
Concluindo, fazer alguma coisa em política de saúde não significa fazer qualquer coisa. Sendo assim, para propormos formas de cuidado e tratamento aos sujeitos adoecidos pelo uso de drogas é fundamental que não esqueçamos que nosso compromisso é com as pessoas e com a vida, coisas que numa guerra possuem o valor de quase nada.
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Diretas já!
por Rita de Cássia A Almeida
torcedora brasileira, amante de futebol
Sou a favor de eleições diretas para técnico da Seleção Brasileira de Futebol. Seria o auge da nossa democracia. As plataformas dos candidatos seriam do tipo: “Se eu for eleito, convocarei o Ganso e o Neimar”. “Sob meu comando, os treinos serão abertos e todas as redes de TV terão igualdade de oportunidade na cobertura dos bastidores dos campeonatos”. “Eu prometo nunca mais permitir que elejam Fátima Bernardes como musa da Copa”. E outras promessas desse tipo. Tenho pra mim que a campanha dessa eleição seria sucesso de participação e dedicação do povo brasileiro em escolher o melhor candidato. Imagine se entregaríamos nossa amada seleção na mão de um aventureiro qualquer? O passado dos candidatos seria investigado a exaustão. Discutiríamos seus métodos de trabalho, suas preferências, seus esquemas táticos e disciplinares na condução dos trabalhos.
Dizem que brasileiro não tem memória. Isso não é verdade! Pelo menos, não quando falamos de futebol. Alguém se esquece da escalação da “seleção dos sonhos” de 82, que acabou tropeçando na Itália? E do nome dos nossos maiores carrascos? Rossi, Zidane, Thierry Henry - só pra citar os mais recentes. E da “arrumadinha no meião” do Roberto Carlos, retrato do vexame de 2006? Eu tenho lembranças da copa de 70, só de ouvir meu pai contar e assistindo as reprises na TV, já que tinha apenas 1 ano de idade na ocasião. E se memória nos torna capazes de não cometermos erros repetidos, nossa capacidade de escolher o melhor técnico para a seleção, então, aumenta muito.
Seguindo o estilo Macunaíma também temos fama de sermos um povo moralmente flexível. Tudo é perdoável: traição, corrupção e safadezas das mais diversas. Só não arredamos o pé de nossas convicções morais em certas situações: jogo feio, passe errado, gol perdido e falta de raça. Ah, não! Isso é imperdoável!
Sendo assim, continuo na defesa da consulta popular para escolher o técnico da Seleção. Encerrada a Copa do Mundo, daríamos o pontapé inicial da campanha para as eleições do comandante do nosso exército de chuteiras pelos próximos quatro anos. Ou dois, caso a coisa desande demais. Poderíamos até aproveitar a organização já montada para as eleições de outubro, sempre coincidentes com o ano da Copa do Mundo. A cédula eletrônica ficaria nesta ordem: Técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Presidente, Senador, Deputado, e assim por diante. A partir deste dia as eleições poderiam deixar de ser obrigatórias. Quem vai ser o doido ou alienado de não defender suas convicções futebolísticas nas urnas? E depois deste primeiro ensaio verdadeiramente democrático, receio que o povo, consolidando de vez nossa jovem democracia, também exigiria ser consultado para escalar a seleção. Cada um teria a oportunidade de votar em seu time de preferência para nos representar diante do mundo. Seria a gloria! Eu já tenho a minha seleção na ponta da língua. E você?
torcedora brasileira, amante de futebol
Sou a favor de eleições diretas para técnico da Seleção Brasileira de Futebol. Seria o auge da nossa democracia. As plataformas dos candidatos seriam do tipo: “Se eu for eleito, convocarei o Ganso e o Neimar”. “Sob meu comando, os treinos serão abertos e todas as redes de TV terão igualdade de oportunidade na cobertura dos bastidores dos campeonatos”. “Eu prometo nunca mais permitir que elejam Fátima Bernardes como musa da Copa”. E outras promessas desse tipo. Tenho pra mim que a campanha dessa eleição seria sucesso de participação e dedicação do povo brasileiro em escolher o melhor candidato. Imagine se entregaríamos nossa amada seleção na mão de um aventureiro qualquer? O passado dos candidatos seria investigado a exaustão. Discutiríamos seus métodos de trabalho, suas preferências, seus esquemas táticos e disciplinares na condução dos trabalhos.
Dizem que brasileiro não tem memória. Isso não é verdade! Pelo menos, não quando falamos de futebol. Alguém se esquece da escalação da “seleção dos sonhos” de 82, que acabou tropeçando na Itália? E do nome dos nossos maiores carrascos? Rossi, Zidane, Thierry Henry - só pra citar os mais recentes. E da “arrumadinha no meião” do Roberto Carlos, retrato do vexame de 2006? Eu tenho lembranças da copa de 70, só de ouvir meu pai contar e assistindo as reprises na TV, já que tinha apenas 1 ano de idade na ocasião. E se memória nos torna capazes de não cometermos erros repetidos, nossa capacidade de escolher o melhor técnico para a seleção, então, aumenta muito.
Seguindo o estilo Macunaíma também temos fama de sermos um povo moralmente flexível. Tudo é perdoável: traição, corrupção e safadezas das mais diversas. Só não arredamos o pé de nossas convicções morais em certas situações: jogo feio, passe errado, gol perdido e falta de raça. Ah, não! Isso é imperdoável!
Sendo assim, continuo na defesa da consulta popular para escolher o técnico da Seleção. Encerrada a Copa do Mundo, daríamos o pontapé inicial da campanha para as eleições do comandante do nosso exército de chuteiras pelos próximos quatro anos. Ou dois, caso a coisa desande demais. Poderíamos até aproveitar a organização já montada para as eleições de outubro, sempre coincidentes com o ano da Copa do Mundo. A cédula eletrônica ficaria nesta ordem: Técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Presidente, Senador, Deputado, e assim por diante. A partir deste dia as eleições poderiam deixar de ser obrigatórias. Quem vai ser o doido ou alienado de não defender suas convicções futebolísticas nas urnas? E depois deste primeiro ensaio verdadeiramente democrático, receio que o povo, consolidando de vez nossa jovem democracia, também exigiria ser consultado para escalar a seleção. Cada um teria a oportunidade de votar em seu time de preferência para nos representar diante do mundo. Seria a gloria! Eu já tenho a minha seleção na ponta da língua. E você?
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Não se educa sem traumatizar.
Por: Rita de Cássia de A. Almeida
Psicanalista
Dedico este texto em homenagem e em gratidão à Irmã Estefânia, saudosa diretora do Colégio Santa Catarina de Juiz de Fora/MG.
Cursei o segundo grau em um tradicional colégio de freiras, de 1983 a 1985 e essa semana andei lutando com algumas lembranças daquela época. Lembrei-me especialmente de uma das freiras, a que ocupava o cargo de diretora na ocasião: Irmã Estefânia. Irmã Estefânia era o verdadeiro terror da escola, a quem temíamos e odiávamos. Nosso pior pesadelo era ser alvo de suas repreensões ou mesmo cruzar o seu caminho por algum motivo. Mas na verdade, Irmã Estefânia, era praticamente uma sombra, quase nunca a víamos, não circulava nos corredores, falava pouco e nem era acessível aos pais ou professores. Sua presença só era convocada em situações extremas.
Mergulhada nessas lembranças recordei de uma vez, a única vez na qual eu e minha turma fomos o alvo da ira e rabugice daquela mulher. Alguém da turma – que não me lembro quem – inventara uma tal de “bolinha espacial”. Uma bolinha de papel um pouco mais sofisticada, feita de papel alumínio (reutilizado para tal fim após cumprir a função de embalar um sanduíche para a merenda). O fato é que essa “bolinha espacial” era extremamente poderosa, fazia um estrago quando arremessada na cabeça de alguém (e o propósito era exatamente esse). Portanto, quem se apoderava da tal bolinha, já que todas as outras eram de papel comum, era temido e respeitado pelos demais alunos e podia experimentar, ainda que por alguns instantes, a sensação de ter o poder nas mãos e de expressar sua agressividade contra alguém que elegesse como alvo. Essa brincadeira durou várias semanas, sem grandes contratempos: ninguém reclamou de levar bolada na testa ou no olho, ninguém se sentiu vítima de nenhuma violência ou bullying (como nomeiam agora), ninguém reclamou pra nenhum professor, pro pai, pra mãe e ninguém foi encaminhado ao psicólogo ou psiquiatra. Mas, um belo dia... Alguém errou a pontaria e ao invés acertar um colega, acertou a lâmpada fluorescente da sala, que estourou e se desfez sobre nossas cabeças em mil pedaços. Um silêncio sepulcral tomou conta da sala e a frase que todos nós temíamos foi dita minutos depois: - Chamem a Irmã Estefânia!
O tempo que se passou entre essa frase e a chegada da nossa inquisidora foi um dos piores que talvez eu tenha passado até então, e certamente, por isso, jamais me esqueci. Lembro-me do medo que senti, da dor de barriga e do gosto amargo que me vinha na boca só de pensar que meus pais saberiam do ocorrido. Também me lembro da chegada triunfante de Irmã Estefânia, dos berros que ela dava e de sua feição cruel e ameaçadora. Não me lembro do castigo que com certeza nos foi imposto, me lembro apenas que recebemos uma punição coletiva, porque nos recusamos a acusar o autor da façanha. Ah! E depois, meu castigo em casa foi dobrado porque minha mãe teve que comparecer na escola, para dar explicações... Enfim diria que o episódio da “bolinha espacial” foi um trauma em minha vida.
Numa visada superficial, ou talvez numa visada atual, Irmã Estefânia seria apenas uma mulher cruel, prepotente e mandona, que exercia sua sede de poder e seu sadismo sobre pobres e inocentes adolescentes. Mas, avaliando mais profundamente, a função que ela cumpria foi fundamental para nós. Hoje entendo que Irmã Estefânia, na verdade, não era tão somente uma castradora, mas, sobretudo, uma possibilitadora. Como tínhamos uma figura definida a quem dirigir nosso ódio, nossa repulsa, nosso temor, já que podíamos elegê-la a bruxa ou o demônio que infernizaria nossas vidas – a perseguidora responsável por nossos maiores infortúnios – podíamos, por outro lado viver numa relação de harmonia e irmandade com todos os demais membros da escola, professores, funcionários e alunos. O que ficava claro sem precisar ser dito era: todos submetidos à Irmã Estefânia e todos contra a Irmã Estefânia.
Apesar de citar apenas esse exemplo me recordo de muitas outras figuras da minha infância e juventude que cumpriram função semelhante à de Irmã Estefânia. Figuras temidas, respeitadas e odiadas que invariavelmente nos traumatizavam, facilitando bastante as coisas para nós. De fato, nossos pais também ocupavam em maior ou menor medida tal função, suportavam nossa raiva e não tinham medo de nos traumatizar com suas atitudes ou palavras. Eram também castradores-possibilitadores.
Sou mãe de dois adolescentes e vejo que eles não tem tido a mesma sorte que eu tive, afinal, figuras como Irmã Estefânia não existem mais, já que ninguém mais está autorizado assumir tal função, ou melhor, ninguém mais suporta ocupar essa função. Nós, pais e mães, temos medo de despertar a rebeldia de nossos filhos, professores temem ser alvo da ira de seus alunos e assim por diante. Isso faz com que a necessidade de nossos jovens de serem traumatizados, de terem medo, de sentirem ódio ou repulsa por alguém sem precisar de nenhum fato real para tal, tenha ficado completamente prejudicada. Sim, porque avaliando melhor agora, percebo que Irmã Estefânia na verdade, não fez nada de real que merecesse nosso temor e ódio, ela apenas representava um papel, assumia uma figura simbólica traumática extremamente facilitadora.
No entanto, os manuais de educação atuais dizem que devemos ter muito cuidado para não traumatizar nossos filhos ou alunos. Manuais que nos prometem um mundo totalmente higienizado, livre de todo e qualquer mal-estar. Mas o que tais manuais se esquecem de dizer é que, em última instância, nenhuma educação é feita sem traumas, ou seja, educar é invariavelmente traumático, violento, uma forma de impor os preceitos e normas de uma sociedade a um sujeito que quer apenas e tão somente, fazer o que quer, como quer e na hora que bem entender (todos já devem ter convivido com uma criança de 3 anos). Sendo assim, não é possível educar sem traumas, sem violentar de alguma maneira o querer do outro, assim como também não é possível crescer sem se rebelar contra alguém ou alguma coisa, mostrando assim seu próprio querer.
E foi assim que Irmã Estefânia cumpriu sua função de traumatizar e violentar toda uma geração de crianças e jovens sem precisar lançar mão de artifícios cruéis de verdade, nos possibilitando ainda, que soubéssemos exatamente contra o que ou contra quem nos rebelar. Isso nos permitia um certo bussolamento, pois, nossos “algozes” estavam definidos e os preceitos também definidos, sendo que, era a partir de tais referenciais que nos rebelávamos. E para sermos rebeldes precisávamos de muito pouco, bastava quebrar por acidente a lâmpada da sala de aula. Já meus filhos precisam de muita criatividade e esperteza para serem considerados rebeldes. Dependendo do que fizerem, podem ser considerados as vítimas do episódio (o que de longe é a intenção deles), ou pior, podem ser imediatamente encaminhados para o psicólogo ou psiquiatra. O fato é que se tornou uma tarefa muito difícil ser considerado rebelde hoje em dia, o mais comum é ser considerado vítima de algum tipo de abuso físico ou psicológico, ou portador de algum transtorno psíquico, psiquiátrico ou neurológico. Curiosamente, ao desbancar Irmã Estefânia de sua função – com a justificativa de defender os direitos de crianças e jovens e de impedir que passassem por situações de possível violência e constrangimento – nossa sociedade, ao mesmo tempo, vitimizou excessivamente esses jovens, foi progressivamente, minando a potência e a capacidade deles para lidar e superar traumas e subtraindo deles a capacidade de temer e respeitar, mas também a possibilidade de odiar e de se rebelar.
Enfim, tenho percebido que crescer e adolescer tem sido muito mais difícil e penoso para meus filhos do que foi pra mim. Não costumo ser nostálgica, nem sou das que pensam que “naquele tempo” foi sempre melhor que “hoje em dia”. Também não acredito que seja possível resgatar Irmã Estefânia. Meu texto é apenas um alerta para os que acreditam que seja possível educar sem traumas. Um alerta para os pais que acham que estão facilitando as coisas para os filhos ao dizerem sempre “sim” e ao tratá-los sempre como vítimas de um mundo cruel. Um chamado aos que não dizem “não” para crianças e jovens por temerem ser chamados de castradores por não entenderem que, na verdade, a castração é, ao contrário do que se imagina, uma grande possibilitadora. O fato é que sem a ajuda de Irmã Estefânia, precisamos inventar e reinventar outras estratégias para auxiliar nossos filhos ou alunos a delimitarem esse nosso mundo e o mundo para eles. A promessa de uma vida “sem limites” nos parece bastante sedutora, nos remete à noção de liberdade, tão cara para o mundo moderno ocidental. Todavia, ter liberdade de escolha não é o mesmo que escolher tudo, e sim, conseguir dizer “não” para algumas coisas. Mas, quem não reconhece o “não”, como será capaz de dizê-lo? Sendo assim, especialmente para os jovens, uma existência “sem limites” não tem sido e jamais será vivenciada como uma benção libertadora – podem estar certos – mas sim, como uma maldição, que inviabiliza qualquer escolha desejante.
Psicanalista
Dedico este texto em homenagem e em gratidão à Irmã Estefânia, saudosa diretora do Colégio Santa Catarina de Juiz de Fora/MG.
Cursei o segundo grau em um tradicional colégio de freiras, de 1983 a 1985 e essa semana andei lutando com algumas lembranças daquela época. Lembrei-me especialmente de uma das freiras, a que ocupava o cargo de diretora na ocasião: Irmã Estefânia. Irmã Estefânia era o verdadeiro terror da escola, a quem temíamos e odiávamos. Nosso pior pesadelo era ser alvo de suas repreensões ou mesmo cruzar o seu caminho por algum motivo. Mas na verdade, Irmã Estefânia, era praticamente uma sombra, quase nunca a víamos, não circulava nos corredores, falava pouco e nem era acessível aos pais ou professores. Sua presença só era convocada em situações extremas.
Mergulhada nessas lembranças recordei de uma vez, a única vez na qual eu e minha turma fomos o alvo da ira e rabugice daquela mulher. Alguém da turma – que não me lembro quem – inventara uma tal de “bolinha espacial”. Uma bolinha de papel um pouco mais sofisticada, feita de papel alumínio (reutilizado para tal fim após cumprir a função de embalar um sanduíche para a merenda). O fato é que essa “bolinha espacial” era extremamente poderosa, fazia um estrago quando arremessada na cabeça de alguém (e o propósito era exatamente esse). Portanto, quem se apoderava da tal bolinha, já que todas as outras eram de papel comum, era temido e respeitado pelos demais alunos e podia experimentar, ainda que por alguns instantes, a sensação de ter o poder nas mãos e de expressar sua agressividade contra alguém que elegesse como alvo. Essa brincadeira durou várias semanas, sem grandes contratempos: ninguém reclamou de levar bolada na testa ou no olho, ninguém se sentiu vítima de nenhuma violência ou bullying (como nomeiam agora), ninguém reclamou pra nenhum professor, pro pai, pra mãe e ninguém foi encaminhado ao psicólogo ou psiquiatra. Mas, um belo dia... Alguém errou a pontaria e ao invés acertar um colega, acertou a lâmpada fluorescente da sala, que estourou e se desfez sobre nossas cabeças em mil pedaços. Um silêncio sepulcral tomou conta da sala e a frase que todos nós temíamos foi dita minutos depois: - Chamem a Irmã Estefânia!
O tempo que se passou entre essa frase e a chegada da nossa inquisidora foi um dos piores que talvez eu tenha passado até então, e certamente, por isso, jamais me esqueci. Lembro-me do medo que senti, da dor de barriga e do gosto amargo que me vinha na boca só de pensar que meus pais saberiam do ocorrido. Também me lembro da chegada triunfante de Irmã Estefânia, dos berros que ela dava e de sua feição cruel e ameaçadora. Não me lembro do castigo que com certeza nos foi imposto, me lembro apenas que recebemos uma punição coletiva, porque nos recusamos a acusar o autor da façanha. Ah! E depois, meu castigo em casa foi dobrado porque minha mãe teve que comparecer na escola, para dar explicações... Enfim diria que o episódio da “bolinha espacial” foi um trauma em minha vida.
Numa visada superficial, ou talvez numa visada atual, Irmã Estefânia seria apenas uma mulher cruel, prepotente e mandona, que exercia sua sede de poder e seu sadismo sobre pobres e inocentes adolescentes. Mas, avaliando mais profundamente, a função que ela cumpria foi fundamental para nós. Hoje entendo que Irmã Estefânia, na verdade, não era tão somente uma castradora, mas, sobretudo, uma possibilitadora. Como tínhamos uma figura definida a quem dirigir nosso ódio, nossa repulsa, nosso temor, já que podíamos elegê-la a bruxa ou o demônio que infernizaria nossas vidas – a perseguidora responsável por nossos maiores infortúnios – podíamos, por outro lado viver numa relação de harmonia e irmandade com todos os demais membros da escola, professores, funcionários e alunos. O que ficava claro sem precisar ser dito era: todos submetidos à Irmã Estefânia e todos contra a Irmã Estefânia.
Apesar de citar apenas esse exemplo me recordo de muitas outras figuras da minha infância e juventude que cumpriram função semelhante à de Irmã Estefânia. Figuras temidas, respeitadas e odiadas que invariavelmente nos traumatizavam, facilitando bastante as coisas para nós. De fato, nossos pais também ocupavam em maior ou menor medida tal função, suportavam nossa raiva e não tinham medo de nos traumatizar com suas atitudes ou palavras. Eram também castradores-possibilitadores.
Sou mãe de dois adolescentes e vejo que eles não tem tido a mesma sorte que eu tive, afinal, figuras como Irmã Estefânia não existem mais, já que ninguém mais está autorizado assumir tal função, ou melhor, ninguém mais suporta ocupar essa função. Nós, pais e mães, temos medo de despertar a rebeldia de nossos filhos, professores temem ser alvo da ira de seus alunos e assim por diante. Isso faz com que a necessidade de nossos jovens de serem traumatizados, de terem medo, de sentirem ódio ou repulsa por alguém sem precisar de nenhum fato real para tal, tenha ficado completamente prejudicada. Sim, porque avaliando melhor agora, percebo que Irmã Estefânia na verdade, não fez nada de real que merecesse nosso temor e ódio, ela apenas representava um papel, assumia uma figura simbólica traumática extremamente facilitadora.
No entanto, os manuais de educação atuais dizem que devemos ter muito cuidado para não traumatizar nossos filhos ou alunos. Manuais que nos prometem um mundo totalmente higienizado, livre de todo e qualquer mal-estar. Mas o que tais manuais se esquecem de dizer é que, em última instância, nenhuma educação é feita sem traumas, ou seja, educar é invariavelmente traumático, violento, uma forma de impor os preceitos e normas de uma sociedade a um sujeito que quer apenas e tão somente, fazer o que quer, como quer e na hora que bem entender (todos já devem ter convivido com uma criança de 3 anos). Sendo assim, não é possível educar sem traumas, sem violentar de alguma maneira o querer do outro, assim como também não é possível crescer sem se rebelar contra alguém ou alguma coisa, mostrando assim seu próprio querer.
E foi assim que Irmã Estefânia cumpriu sua função de traumatizar e violentar toda uma geração de crianças e jovens sem precisar lançar mão de artifícios cruéis de verdade, nos possibilitando ainda, que soubéssemos exatamente contra o que ou contra quem nos rebelar. Isso nos permitia um certo bussolamento, pois, nossos “algozes” estavam definidos e os preceitos também definidos, sendo que, era a partir de tais referenciais que nos rebelávamos. E para sermos rebeldes precisávamos de muito pouco, bastava quebrar por acidente a lâmpada da sala de aula. Já meus filhos precisam de muita criatividade e esperteza para serem considerados rebeldes. Dependendo do que fizerem, podem ser considerados as vítimas do episódio (o que de longe é a intenção deles), ou pior, podem ser imediatamente encaminhados para o psicólogo ou psiquiatra. O fato é que se tornou uma tarefa muito difícil ser considerado rebelde hoje em dia, o mais comum é ser considerado vítima de algum tipo de abuso físico ou psicológico, ou portador de algum transtorno psíquico, psiquiátrico ou neurológico. Curiosamente, ao desbancar Irmã Estefânia de sua função – com a justificativa de defender os direitos de crianças e jovens e de impedir que passassem por situações de possível violência e constrangimento – nossa sociedade, ao mesmo tempo, vitimizou excessivamente esses jovens, foi progressivamente, minando a potência e a capacidade deles para lidar e superar traumas e subtraindo deles a capacidade de temer e respeitar, mas também a possibilidade de odiar e de se rebelar.
Enfim, tenho percebido que crescer e adolescer tem sido muito mais difícil e penoso para meus filhos do que foi pra mim. Não costumo ser nostálgica, nem sou das que pensam que “naquele tempo” foi sempre melhor que “hoje em dia”. Também não acredito que seja possível resgatar Irmã Estefânia. Meu texto é apenas um alerta para os que acreditam que seja possível educar sem traumas. Um alerta para os pais que acham que estão facilitando as coisas para os filhos ao dizerem sempre “sim” e ao tratá-los sempre como vítimas de um mundo cruel. Um chamado aos que não dizem “não” para crianças e jovens por temerem ser chamados de castradores por não entenderem que, na verdade, a castração é, ao contrário do que se imagina, uma grande possibilitadora. O fato é que sem a ajuda de Irmã Estefânia, precisamos inventar e reinventar outras estratégias para auxiliar nossos filhos ou alunos a delimitarem esse nosso mundo e o mundo para eles. A promessa de uma vida “sem limites” nos parece bastante sedutora, nos remete à noção de liberdade, tão cara para o mundo moderno ocidental. Todavia, ter liberdade de escolha não é o mesmo que escolher tudo, e sim, conseguir dizer “não” para algumas coisas. Mas, quem não reconhece o “não”, como será capaz de dizê-lo? Sendo assim, especialmente para os jovens, uma existência “sem limites” não tem sido e jamais será vivenciada como uma benção libertadora – podem estar certos – mas sim, como uma maldição, que inviabiliza qualquer escolha desejante.
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