segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Qual é a parte que nos cabe?

Por: Rita de Cássia de A. Almeida

Ao final de cada eleição toma conta de nós uma grata sensação de dever cumprido, no entanto, é preciso que tenhamos cuidado para não confundir “dever cumprido” com “lavar as mãos”. Lavamos as mãos quando acreditamos que votar é simplesmente passar adiante a responsabilidade do cuidado de nossa cidade para os eleitos: prefeito, vice-prefeito, vereadoras e vereadores. Lavamos as mãos quando votamos no intento de escolher algumas pessoas que resolverão por nós os problemas de nossa cidade, de nossa comunidade ou, o que é ainda pior, nossos problemas pessoais. Lavamos as mãos quando nos damos o direito de “deitar em berço esplendido” e dormir até as próximas eleições, apenas esperando que “os eleitos” exerçam competente e eticamente suas funções. Lavamos as mãos quando criticamos os atos do prefeito eleito com as sábias palavras: “-Ainda bem que eu não votei nele!”, como se isso fizesse diferença.
A nossa ex-ministra do meio-ambiente Marina Silva, em entrevista coletiva após pedir demissão do cargo, disse uma coisa que me ensinou muito sobre a democracia. Ela disse que em qualquer sistema de gestão, seja ele público ou privado, é muito fácil governar “para as pessoas” ou “pelas pessoas”, o grande desafio é, no entanto, governar “com as pessoas”. Esta experiência que ela cita qualquer pai ou mãe de família conhece muito bem, afinal é muito mais fácil e rápido resolver uma situação familiar qualquer dizendo assim: “- Vai ser deste jeito, porque eu decidi assim e pronto”. O difícil é, por outro lado, reunir a família, permitir que todos sejam ouvidos e construir coletivamente uma decisão, que ainda sim, provavelmente não agradará a todos. Aprendemos com isso que um sistema democrático não pode se pretender fácil, rápido ou isento de conflitos, o que implica em concordarmos com a nossa saudosa ex-ministra: governar “com as pessoas” é difícil, dá muito trabalho. Este tem sido o desafio dos governos democráticos, desafio que se impõe não apenas para o gestor, mas especialmente, para aqueles que estarão partilhando “com o gestor” a responsabilidade, o ônus e o bônus, de cada decisão, ou seja, cada um de nós. Sendo assim, voto não é um presente que damos a alguém, é uma aliança de compromisso que nos une por quatro anos àqueles que coletivamente elegemos.
Enfim, as eleições, ao contrário do que às vezes somos tentados a considerar, não encerram nada, elas abrem o início de um novo ciclo. Sendo assim, desejo que o pensamento que nos venha, terminado mais um pleito municipal, não seja o: “Ufa! Acabou!” mas sim o: “Que bom que poderemos recomeçar!”. Recomeçar uma nova fase, uma nova gestão municipal, que não pode de maneira nenhuma ficar nas mãos do prefeito eleito e de mais uma meia dúzia de escolhidos (e cabe a nós vigiarmos para que isso não aconteça). Ninguém foi mais perfeito para descrever este momento pós-eleição do que um amigo, nas suas sabias palavras resumiu todo este artigo me mandando um e-mail assim: “Agora é hora de segurar o andor, senão o santo cai mesmo.”

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Nota de pesar pela morte da Casa de Parto de Juiz de Fora.

Por: Rita de Cássia A Almeida
escrito em agosto de 2008

Dentre os inúmeros retrocessos que nosso município tem assistido nos últimos tempos, o fechamento da Casa de Parto da UFJF certamente merece destaque. Engana-se quem acredita que esse ato, amplamente justificado pelo Sr. pró-reitor de planejamento da UFJF, Carlos Elíseo Barral, significa apenas o que parece: a perda de um serviço de atendimento à parturientes. Ao fechar a Casa de Parto nossa política de saúde se fecha, principalmente, para propostas de atendimento que estejam preocupadas com a humanização, a integralidade no atendimento e em romper com a hierarquia dos saberes médicos, em especial com os superespecializados.
Dizer que a Casa de Parto foi fechada por falta de médicos (obstetras, neonatologistas, e outros) é um contra-senso, é o mesmo que dizer que se fechou uma padaria por falta de médico. Nas Casas de Parto são os profissionais da enfermagem, de nível superior e técnicos, os responsáveis pela condução dos trabalhos. Os assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde também podem compor a equipe. Esqueceram de dizer que a grande inovação que as Casas de Parto oferecem é exatamente a de prescindirem da intervenção do médico, pois pretendem resgatar o parto natural, assistido pela família, sem procedimentos invasivos e cirúrgicos.
Há bem pouco tempo eram as mulheres que detinham o saber sobre a gravidez, o parto e a maternidade. Eram as parteiras e não os médicos que sabiam o segredo de fazer uma criança vir ao mundo. Aos poucos, tais saberes foram expropriados pela medicina a ponto de hoje, para a grande maioria, ser inconcebível um parto sem a presença de um médico, o que não é verdade. Não se pode questionar que os saberes médicos são importantes e em alguns casos, imprescindíveis para que criança e mãe tenham o menor risco, mas isso não é a regra geral. Para a grande maioria dos casos (85% deles segundo a OMS) o parto pode acontecer de maneira natural, sem as intervenções medico-cirúgicas que hoje predominam, especialmente no Brasil.
O que a Casa de Parto viabilizava, e ainda viabiliza nos municípios onde puderam continuar seu trabalho, é algo muito caro para nós mulheres: a possibilidade de recuperarmos alguns saberes que tínhamos sobre a gravidez, o parto e a maternidade. Saberes que fomos perdendo para a medicina superespecializada que hoje se acha a única sabedora dos mistérios da vida e da morte. Não é! Se não resgatarmos este saber perdido, é bem possível que num futuro próximo, nós mulheres comecemos a acreditar que essa idéia de gerar uma criança no próprio ventre seja ultrapassada, arriscada demais para nós e os bebês.
Instituições como as Casas de Parto, que entendem as mulheres como seres humanos integrais, ativas, desejantes, que tem seus próprios saberes e concepções sobre a maternidade, e não como meras “pacientes”, são instituições extremamente subversivas e de difícil aceitação. Não tem sido diferente para aquelas que conseguiram sobreviver aos bombardeios do poder da medicina. Lamentavelmente a nossa sucumbiu.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Nossa imperfeita e impura democracia

Por: Rita de Cássia A Almeida


As eleições municipais se avizinham e já tenho ouvido muita gente praguejando pelo fato de ter que comparecer às urnas novamente. O discurso da desilusão com nossos representantes tem sustentado uma conclusão muito recorrente: a de que não vale a pena votar. Tudo bem que nós brasileiros temos experimentado uma relação, digamos, “traumática” com a democracia, mas como se diz por aí: “é preciso ter cuidado para não jogar fora o bebê junto com a água suja da bacia”.

É atribuída a Winston Churchill, estadista inglês, a seguinte frase: “A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos". Então concordamos que a democracia seja mesmo imperfeita, tenha suas limitações e muitos problemas, mas de fato, ainda não se inventou nada melhor. Um destes problemas se deve ao fato da tão vangloriada “escolha da maioria” poder se transformar numa “bomba relógio” que mais adiante vai cair no nosso colo. No entanto, isso não é justificativa para cuspirmos nas urnas. Cuspir nas urnas é cuspir na história, é cuspir na dedicação e no trabalho daqueles que lutaram, muitas vezes com suas vidas, para que pudéssemos fazer nossas próprias escolhas, ainda que, por vezes, atrapalhadas.

Então façamos nossas escolhas mais uma vez, e com orgulho, mas não sem uma certa dose de indignação, que se faz bastante saudável para que tenhamos critérios cada vez melhores, que reduzam cada vez mais nossa margem de erro. Eu tenho algumas sugestões a dar:
Primeiramente se dedique realmente à escolha de seu candidato: se informe, troque opiniões com seus pares, pesquise, desconfie, observe e se for possível converse com seus pretendentes. Não decida rápido demais e nem deixe pra última hora, em qualquer decisão apressada o risco de se equivocar é muito maior. Outra dica importante: não troque seu voto por nada. Seja por promessa de emprego, por saco de cimento, bolsa de estudos ou qualquer outra suposta benesse individual. Você pode ter certeza que o cidadão que é capaz de comprar seu voto, também será capaz de vendê-lo na próxima esquina, por qualquer oferta que ele considere melhor.

Mas ainda sim, com todo este cuidado, é inevitável que cometamos erros, mas aí vem o lado bom da democracia, a cada quatro anos temos a oportunidade de tentar repará-los e cada vez com mais experiência e conhecimento de causa. Ulysses Guimarães, um dos ferrenhos defensores da nossa democracia dizia o seguinte: "A grande força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes." Então, vamos lá! Sacudir a poeira e exercitar mais uma vez nossa imperfeita e impura democracia.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A sociedade dos excessos

Por: Rita de Cássia de Araújo Almeida


Em entrevista recente, o juiz Fausto De Sanctis da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, responsável pela prisão de Daniel Dantas, Celso Pitta e de Naji Nahas, ao comentar resultados de estudos sobre a criminalidade afirmou o seguinte: “...o crime realmente é elevado por conta do excesso das pessoas, não das carências. Quanto mais têm, mais querem. O crime em geral se dá pelo excesso, porque as pessoas que têm menos têm tido postura mais digna que as que têm mais”.
Não me surpreendi com a afirmação deste ilustre Juiz. Estamos mesmo na era dos excessos e são estes excessos que ameaçam a vida em sociedade e nossa existência neste planeta. A sociedade dos excessos é o reflexo de nossa economia de mercado, cujo imperativo que ecoa em uníssono é: consuma! Consuma muito, qualquer coisa e a todo tempo! Alimentos, remédios e bebidas alcoólicas. Imagens, modas e informações. Cursos, capacitações e especializações. Drogas, cirurgias plásticas, felicidade e dietas. Sexo, prazer e extravagâncias. Eletrodomésticos, tecnologias, comodidades e luxo. Enfim, consuma qualquer coisa e, principalmente, consuma em excesso!
Muito me preocupa essa nossa vida de excessos, dos excessos nos quais estão mergulhados os nossos filhos. Eu tenho três e tenho tentado ir, o tanto quanto possível, na contramão destes excessos, tentando educá-los de modo que possam suportar as privações sem grandes angústias. Adio e, sempre que posso, resisto à tentação de comprar o que me pedem, mesmo podendo. Procuro educá-los longe das preocupações com moda e beleza e prefiro os bens duráveis aos descartáveis. Não permito que a TV determine nossa rotina familiar. Nos finais de semana e feriados, quase sempre vamos pra “roça” ou para outros lugares de contato maior com a natureza e onde as privações também são maiores. Evito os shoppings e os restaurantes. Sempre que eles me dizem que precisam de alguma coisa, eu intervenho, e os levo a pensar se realmente precisam daquilo ou se na verdade querem aquilo. Se avaliam que não precisam da tal coisa, então combino que podemos planejar e adiar a compra, e o que acontece, geralmente, é que, na semana seguinte, o querer já é outro.
Também vejo com reserva esta filosofia, muito útil ao consumismo desenfreado, de que o importante é viver o momento. Não é por acaso que o slogan da propaganda de certo cartão de crédito é: “porque a vida é agora”. A mensagem é clara: Compre agora! Não importa o que passou, nem como você fará para pagar a conta depois. O risco é grande de cultivarmos um imediatismo superficial por ser carente de passado, e também irresponsável, por não ter compromisso com o futuro.
O fato é que tenho sido uma “mãe má”, capaz de privar meus filhos daquilo que querem para possibilitar que eles desejem. Ah sim! Desejar é muito diferente de querer! Só desejamos o que não podemos comprar. Espero assim, estar contribuindo com este nosso mundo formando seres humanos e não consumidores, sujeitos menos escravos do querer e mais livres para desejar.

domingo, 27 de julho de 2008

Ética na publicidade

Por: Rita de Cássia de A Almeida

Assisti, estarrecida, à cobertura da imprensa televisiva ao IV Congresso Brasileiro de Publicidade, ocorrido na semana passada. Foi lamentável escutar o posicionamento dos nossos publicitários, figurados dentre os mais competentes e inteligentes do mundo, de que regulamentar a publicidade é afrontar os princípios do Estado Democrático. A mim não conseguiram vender este discurso. Estabelecer regras, não coloca em risco a democracia, como tentaram nos fazer crer os publicitários. É preciso dizer, em alto e bom tom, que o que distingue a democracia de outras formas de governo não é a ausência de regras, mas sim quem as estabelece.
Num Estado Totalitário, por exemplo, uma pessoa ou um grupo de pessoas define as regras às quais os demais deverão se submeter. Num Estado Democrático, as regras continuam a existir, no entanto, é a sociedade, através dos instrumentos democráticos, que define estas regras, ou seja, é o interesse coletivo e não o individual que é levado em questão. Outra particularidade da democracia é que tais regras não são perenes ou imutáveis, podem e devem ser modificadas, de acordo com a época, a situação e os interesses da sociedade.
Se o mercado publicitário brasileiro quer mesmo defender a democracia, que então escute a sociedade, ao invés de defender apenas seus próprios interesses corporativos. Façam uma pesquisa, sei que são muito bons nisso! Perguntem aos pais e mães de família se eles gostariam que seus filhos pudessem ter acesso a qualquer tipo de programa na TV, em qualquer horário, sem nenhuma preocupação com o conteúdo exibido? Perguntem aos que lutam para abandonar o vício do álcool se eles não gostariam que seus entes queridos tivessem a oportunidade de serem mais críticos ao assistirem um “inofensivo” comercial de cerveja? Perguntem aos defensores das causas ambientais o que eles acham das propagandas que nos dizem o tempo todo: consumam, consumam e entupam o planeta com seu lixo, mas sejam felizes agora? Perguntem às entidades de vítimas do fumo se eles não aplaudiram as restrições feitas às propagandas de cigarro? Perguntem aos especialistas em saúde pública o que eles acham das propagandas de remédio que estimulam a auto-medicação? Perguntem aos endividados dos cartões de crédito, se eles não gostariam de terem sido melhor informados sobre os perigos do crédito fácil?
Se os publicitários realmente defendem a democracia, que escutem a sociedade, certamente ela terá razões éticas irrefutáveis para defender certas regras, saudáveis e necessárias a toda e qualquer civilização, sociedade, instituição, profissão e por aí vai... O nosso desejo mais primário e íntimo é viver sem regras, satisfazer aos nossos impulsos e os outros que se danem. Mas como diria o velho Freud (infelizmente denegrido pela má publicidade) o homem só foi capaz de fundar a civilização quando foi capaz de renunciar aos próprios instintos em favor da coletividade. Meu pai diria assim: _ Minha filha, o fato de você poder dizer tudo o que quer, não lhe dá o direito de dizer tudo o que quer.