O Brasil viveu nesta semana um episódio inacreditável. Uma passeata em São Paulo que carregava, dentre outras bandeiras, o pedido de intervenção e golpe militar, ou seja, a reedição de um dos períodos mais sombrios da nossa história.
Pasma com a tal passeata, postei algo no feicebuque sobre a necessidade dos professores brasileiros pararem tudo que programaram durante a semana para se dedicarem a discutir em suas salas de aula os anos de ditadura militar no Brasil, a fim de conscientizar e alertar nossos jovens. Pois mais pasma ainda fiquei com um comentário ao meu post que pedia para que os professores trabalhassem o tema de forma neutra, a fim de que os alunos tirassem suas próprias conclusões sobre o episódio, além de salientar a importância das obras públicas feitas na época da ditadura e destacar que as organizações de esquerda também tiveram sua parcela de responsabilidade no episódio. E o mais triste: o comentário tem, até o momento, uma defesa e 22 curtidas.
Esse tipo de passeata que ocorreu em São Paulo, assim como o comentário que apareceu no meu post - e que ouvimos por aí toda hora - é um sintoma da falta que fez não termos acertado as contas com esse pedaço da nossa história, tal como souberam fazer nossos vizinhos Argentinos e Uruguaios, por exemplo. Precisamos urgentemente rasgar essas cicatrizes que ainda não se fecharam a fim de fazer com que a ditadura militar brasileira seja, irremediavelmente, tratada como aquilo que realmente foi: um crime bárbaro.
Não há nenhuma obra construída, nenhuma justificativa, nenhuma versão, nenhum romantismo, nenhuma suposta neutralidade que seja capaz de fazer com que tiremos outra conclusão sobre esse período que não seja: crime e barbárie. Se existe uma versão dos militares para o que ocorreu nos porões da ditadura ela é criminosa e, assim sendo, não pode ser considerada como possível ou plausível. Assim como, se existe uma versão dos brancos sobre a escravidão imposta aos negros ela é criminosa; se existe uma versão nazista para o genocídio dos judeus, ela é criminosa; se existe uma versão europeia para o que se fez com os povos que viviam nas Américas, ela é criminosa; e ponto final, nada mais.
Mas o fato de não termos passado a limpo esse nosso passado sombrio é que exatamente abre a possibilidade de que alguém diga: "A ditadura militar também não foi tão ruim assim como dizem!" Este tipo de discurso sustenta argumentos do tipo: “A ditadura militar foi terrível, mas, e as obras que foram feitas nesta época, não valeram?” Isso seria o mesmo que dizer: “A escravidão a que foram submetidos os negros no Brasil foi terrível sim, mas e a nossa produção de cana-de-açúcar e café no século XVII, não conta?” Ou: “Os povos nativos nas Américas foram dizimados sim, mas e os países Americanos que daí surgiram, não fizeram tudo valer a pena?”
Este tipo de desmemoria, misturada com ignorância histórica ou até má fé, também produz argumentos desse tipo: “Eu concordo que os militares foram horríveis, mas os militantes de esquerda também não eram flor-que-se-cheira não é?”. Isso seria o mesmo que dizer: “As torturas e castigos a que foram submetidos os negros na escravidão foram um horror, mas os negros também não colaboravam: fugiam, resistiam, desobedeciam...” Ou: “Tá certo que os nazistas perseguiam e matavam os judeus, mas esses também não facilitavam não é? Mudavam de nomes, se escondiam, escondiam seus bens...”
Outra forma de tentar camuflar a realidade terrível do que foi o período de ditadura no Brasil, também é utilizada para justificar outras atrocidades ao longo da história. É a velha justificativa: “Fizemos o mal, mas foi para o bem”. Esta é a forma mais perversa de impingir mal ao outro, tentando convencê-lo de que foi o melhor que se pôde fazer por ele. Assim, os portugueses dizimaram os índios que aqui viviam para lhes salvar a alma. Assim os EUA matam milhares em guerras estúpidas e desumanas com a desculpa de que estão promovendo a paz. No caso do golpe militar, a justificativa era nos salvar do comunismo.
Desarquivar a ditadura brasileira é urgente!
Não podemos mais aceitar que ela seja romantizada pelo efeito, supostamente positivo, das obras feitas na época. Se não podemos demolir o que foi construído tendo como matéria prima a humilhação, o sangue e a dor de muitos brasileiros, então que, pelo menos, nada do que foi construído na ocasião nos seja motivo de orgulho.
Não podemos mais aceitar que os que bravamente lutaram - muitos deles com suas vidas - para tentar resistir a essa barbárie, sejam responsabilizados por não se curvarem ao desmando e a opressão. E sabemos que não era preciso uma bomba ou um revólver para ser considerado um subversivo. A arma poderia ser apenas uma caneta e o território de ocupação uma folha de papel.
Não podemos mais aceitar que se justifique todo o horror que foi produzido nesta época como um bem para o Brasil e os brasileiros, ou como algo inevitável.
Sendo assim, os anos de ditadura do Brasil não podem estar sujeitos a uma espécie de interpretação pessoal de quem lê a história. Alguém teria, hoje, coragem de dar outra interpretação para o genocídio dos judeus que não a de um crime bárbaro? Alguém teria coragem de dar outra interpretação para a escravidão dos povos africanos, que não a de um crime bárbaro? Do mesmo modo, a ditadura brasileira, precisa se tornar urgentemente aquilo que realmente foi: um crime bárbaro, sem possibilidade de outra interpretação. Foi humilhação, cerceamento, censura, prisão, desespero, dor, silêncio imposto, abandono, exclusão, perda, desumanidade, desamor, ignorância, tristeza, depressão, alienação, emburrecimento, embrutecimento, doença, tortura e morte. Nada que tenha acontecido de bom nesta época pode mudar ou romantizar isso. Nenhuma opinião pessoal que se tenha sobre esta passagem da nossa história pode mudar tal realidade! E nenhuma estupidez ou alienação pode permitir que alguém possa desejar ou clamar por ela novamente!
O genocídio do povo judeu foi um crime, portanto, clamar pelo seu retorno não é uma questão de opinião é crime também.
A escravidão dos negros foi um crime, portanto, clamar pela sua volta não é uma questão de opinião, é crime também.
Então é preciso que fique muito bem claro: A ditadura militar no Brasil foi criminosa, portanto, clamar por ela não é uma questão de opinião, é crime também. Simples assim.
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
domingo, 19 de outubro de 2014
Para debater o bom debate
por Rita Almeida
Quem me conhece sabe que eu não fujo de um bom debate. E gosto especialmente de discutir os três temas que muitos acreditam que se deva evitar: religião, futebol e política. Mas o exercício que eu mais prezo em um bom debate é o uso da razão, do intelecto; argumentar racionalmente é o que me move numa discussão. Admito que seja bem difícil fazer isso quando é a seleção ou o flamengo que estão em campo, mas, eu juro que me esforço.
Nesse segundo turno das eleições presidenciais sinto muita falta de um bom debate, aquele travado no campo das ideias. Sinto falta de argumentos elaborados no cérebro e não no fígado. O discurso de ódio ao PT, infelizmente colou e o PSDB está deitando e rolando nele para tentar eleger Aécio. Então, todo argumento que escuto para votar no Aécio se resume ao #foraPT.
Na verdade tive apenas um bom debate nesse segundo turno, e foi com um amigo que sempre foi eleitor do PSDB. A coerência do seu discurso e de seus argumentos me fez respeitar sua escolha e apertar sua mão. Resumidamente o que ele me disse foi: “Tudo bem! Nós tivemos por 12 anos governos que se dedicaram aos pobres, investindo em políticas públicas e programas sociais, mas agora é hora de fazer a economia crescer!”
Antônio Prata outro dia em sua coluna na Folha, “O chapeiro e o dono da padaria”, usou uma metáfora muito interessante para falar das diferenças entre o Governo Dilma e um provável Governo Aécio, partindo do discurso dos seus respectivos economistas: Guido Mantega e Armínio Fraga. Me apropriando de tal metáfora eu diria o seguinte: Os governos Lula e Dilma melhoraram muito a vida do chapeiro (trabalhador da padaria). Seu salário teve aumento real, ele passou a ter mais acesso a políticas públicas, conseguiu credito para adquirir sua casa própria ou até um carro. O poder de compra do chapeiro aumentou tanto que ele, possivelmente, tem hoje uma TV de tela plana igualzinha à do dono da padaria. Além disso, seus filhos terão, pela primeira vez, a oportunidade de quebrar o ciclo de chapeiros da família pois, sendo mais escolarizados que o pai e com chances até de entrar até no curso superior, poderão escolher uma outra profissão. Mas o problema é que o dono da padaria está preocupado. Com o aumento do poder de compra dos assalariados ele até tinha aumentado as vendas e, por isso, ampliou a padaria e abriu novas filiais. Mas nos últimos tempos ele está percebendo que este crescimento esgotou e ele precisa de um governo que o socorra, ainda que isso implique em interromper ou reduzir os benefícios dirigidos aos chapeiros. Até porque ele acredita que se sua padaria minguar o chapeiro poderá ficar desempregado.
Diante do argumento feito pelo viés dos donos de padaria, eu não posso deixar de respeitar a justificativa do meu amigo em votar no Aécio, mesmo não concordando com ela. Isso sim é um argumento plausível, racional, coerente e corretíssimo visto por esse ângulo. E sua argumentação me ajudou ainda mais a reafirmar minha posição, pois, por mais que eu compreenda a preocupação do dono da padaria e do meu amigo, eu ainda voto em nome do chapeiro, é com ele que me preocupo mais. Até porque eu não acredito que uma melhoria nas finanças na padaria vá refletir automaticamente na melhoria das condições de vida do chapeiro sem que o Estado e as leis intervenham.
Então, meus caros, se alguém vai votar no Aécio pensando no dono da padaria, tem todo o meu respeito, aceito e vou adorar travar um bom debate. Mas quando o argumento é apenas precisamos tirar o PT para acabar com a corrupção, para afastar o comunismo ou o risco de nos tornarmos uma Venezuela (!), porque azul é mais bonito que vermelho ou porque a Dilma é uma vaca estúpida e o Lula um analfabeto, esqueça, não vou me dignar em discutir. Também não concordo quando o argumento em favor de Aécio é que ele irá governar para o chapeiro. É mentira! Basta assistir o debate entre Fraga e Mantega, lá está muito claro quem governa pra quem e por que. E eu até conheço chapeiros que estão votando pelo dono da padaria, se estão cientes disso também respeito, é uma escolha.
Resumindo, meu voto é pelo chapeiro! Quem quiser votar pelo dono da padaria que vote, mas que pelo menos tenha a honestidade de assumir isso. Ah! E não me venha com esse papinho mole que o Brasil é um só e que, portanto, os interesses do dono da padaria são iguais aos do chapeiro! Como disse Antônio Prata: você não precisa ser marxista-leninista pra saber que as necessidades do dono da padaria não são as mesmas do chapeiro, né?
Quem me conhece sabe que eu não fujo de um bom debate. E gosto especialmente de discutir os três temas que muitos acreditam que se deva evitar: religião, futebol e política. Mas o exercício que eu mais prezo em um bom debate é o uso da razão, do intelecto; argumentar racionalmente é o que me move numa discussão. Admito que seja bem difícil fazer isso quando é a seleção ou o flamengo que estão em campo, mas, eu juro que me esforço.
Nesse segundo turno das eleições presidenciais sinto muita falta de um bom debate, aquele travado no campo das ideias. Sinto falta de argumentos elaborados no cérebro e não no fígado. O discurso de ódio ao PT, infelizmente colou e o PSDB está deitando e rolando nele para tentar eleger Aécio. Então, todo argumento que escuto para votar no Aécio se resume ao #foraPT.
Na verdade tive apenas um bom debate nesse segundo turno, e foi com um amigo que sempre foi eleitor do PSDB. A coerência do seu discurso e de seus argumentos me fez respeitar sua escolha e apertar sua mão. Resumidamente o que ele me disse foi: “Tudo bem! Nós tivemos por 12 anos governos que se dedicaram aos pobres, investindo em políticas públicas e programas sociais, mas agora é hora de fazer a economia crescer!”
Antônio Prata outro dia em sua coluna na Folha, “O chapeiro e o dono da padaria”, usou uma metáfora muito interessante para falar das diferenças entre o Governo Dilma e um provável Governo Aécio, partindo do discurso dos seus respectivos economistas: Guido Mantega e Armínio Fraga. Me apropriando de tal metáfora eu diria o seguinte: Os governos Lula e Dilma melhoraram muito a vida do chapeiro (trabalhador da padaria). Seu salário teve aumento real, ele passou a ter mais acesso a políticas públicas, conseguiu credito para adquirir sua casa própria ou até um carro. O poder de compra do chapeiro aumentou tanto que ele, possivelmente, tem hoje uma TV de tela plana igualzinha à do dono da padaria. Além disso, seus filhos terão, pela primeira vez, a oportunidade de quebrar o ciclo de chapeiros da família pois, sendo mais escolarizados que o pai e com chances até de entrar até no curso superior, poderão escolher uma outra profissão. Mas o problema é que o dono da padaria está preocupado. Com o aumento do poder de compra dos assalariados ele até tinha aumentado as vendas e, por isso, ampliou a padaria e abriu novas filiais. Mas nos últimos tempos ele está percebendo que este crescimento esgotou e ele precisa de um governo que o socorra, ainda que isso implique em interromper ou reduzir os benefícios dirigidos aos chapeiros. Até porque ele acredita que se sua padaria minguar o chapeiro poderá ficar desempregado.
Diante do argumento feito pelo viés dos donos de padaria, eu não posso deixar de respeitar a justificativa do meu amigo em votar no Aécio, mesmo não concordando com ela. Isso sim é um argumento plausível, racional, coerente e corretíssimo visto por esse ângulo. E sua argumentação me ajudou ainda mais a reafirmar minha posição, pois, por mais que eu compreenda a preocupação do dono da padaria e do meu amigo, eu ainda voto em nome do chapeiro, é com ele que me preocupo mais. Até porque eu não acredito que uma melhoria nas finanças na padaria vá refletir automaticamente na melhoria das condições de vida do chapeiro sem que o Estado e as leis intervenham.
Então, meus caros, se alguém vai votar no Aécio pensando no dono da padaria, tem todo o meu respeito, aceito e vou adorar travar um bom debate. Mas quando o argumento é apenas precisamos tirar o PT para acabar com a corrupção, para afastar o comunismo ou o risco de nos tornarmos uma Venezuela (!), porque azul é mais bonito que vermelho ou porque a Dilma é uma vaca estúpida e o Lula um analfabeto, esqueça, não vou me dignar em discutir. Também não concordo quando o argumento em favor de Aécio é que ele irá governar para o chapeiro. É mentira! Basta assistir o debate entre Fraga e Mantega, lá está muito claro quem governa pra quem e por que. E eu até conheço chapeiros que estão votando pelo dono da padaria, se estão cientes disso também respeito, é uma escolha.
Resumindo, meu voto é pelo chapeiro! Quem quiser votar pelo dono da padaria que vote, mas que pelo menos tenha a honestidade de assumir isso. Ah! E não me venha com esse papinho mole que o Brasil é um só e que, portanto, os interesses do dono da padaria são iguais aos do chapeiro! Como disse Antônio Prata: você não precisa ser marxista-leninista pra saber que as necessidades do dono da padaria não são as mesmas do chapeiro, né?
sábado, 4 de outubro de 2014
Sobre o debate presidencial na rede Globo: O que já foi dito e o que foi dito de novo?
por Rita Almeida
O último debate presidencial na TV Globo foi, na maior parte do tempo, mais do mesmo. Pouca discussão política e muitos ataques de todas as partes. E quando o debate era político se arrastava por discussões inúteis, porque levantavam temas que não faziam parte das atribuições de um Presidente da República, afinal, não elegeremos uma rainha ou um rei, mas um líder que dependerá das forças que se apresentarem nas Assembleias Legislativas e no Senado ou do que for executado pelos Estados e Municípios.
Mas também tivemos alguns momentos impagáveis, como a entrada fenomenal da Luciana Genro com uma voadora na cara da Rede Globo - e pelo lado de dentro - e a cena épica do Eduardo Jorge orientando o Bonner, todo atrapalhado, que já não sabia se era réplica ou tréplica. Além disso, as redes sociais, como sempre, fizeram tudo valer a pena.
No mais, o que vimos foi pura repetição regada a clichês; clichês de direita, clichês de esquerda, clichês machistas e homofóbicos. Diante de tanta repetição, uma das poucas novidades, a meu ver, foi uma das falas de Dilma quando o tema era, de novo, a corrupção. Disse ela:
- Não acredito que ninguém esteja acima de corrupção. Acho que todo mundo pode cometer corrupção. As instituições é que precisam ser virtuosas e investigar.
Esta é uma fala freudiana. E é preciso muita coragem para dizê-la. Porque é uma fala que foge da mesmice e que pode nos ajudar a pensar a corrupção para além do senso comum. O senso comum acredita que, para combatermos a corrupção, basta não votarmos em corruptos. Só que existe um problema grave nessa premissa: não existe corrupto até que ele cometa um ato de corrupção ou, pelo menos, até que ele seja flagrado em tal ato.
Rousseau dizia que todo homem nasce bom, a sociedade é que o perverte. Ao contrário de Rousseau, Freud afirmava que o ser humano ao chegar ao mundo é um tirano perverso, exige que satisfaçam todas as suas necessidades e pulsões. Todavia, todo o processo civilizatório se sustenta na repressão daquilo que há de mais sombrio em nós: a vontade de realizarmos todos os nossos desejos e vontades à revelia do prejuízo, da dor ou do sofrimento alheio. E a educação (ética, moral ou religiosa) e a lei foram as principais maneiras que a humanidade encontrou para barrar seus impulsos egoístas em favor dos laços sociais.
Meu pai dizia que se você é capaz de roubar R$ 0,50 é capaz de roubar R$ 1.000.000,00. Eu sempre interpretei isso como: “nunca roube, nem mesmo R$ 0,50!”. Mas hoje interpreto tal ensinamento de outro modo: “se é muito simples roubar R$ 0,50, então é igualmente simples roubar R$ 1.000.000,00”. Sei que alguns vão dizer: “eu não” ou “comigo não”, mas para esses eu lanço um desafio: Quem de vocês nunca furou uma fila? Quem nunca colou ou tentou saber o gabarito de uma prova? Quem nunca se favoreceu da ajuda de um amigo influente para resolver um problema? Quem nunca tentou negociar com o policial após cometer uma infração de trânsito? Quem nunca comprou um remédio que precisava de receita, sem a receita? Quem nunca pagou um despachante sabendo que metade do dinheiro era pra facilitar a liberação do alvará ou do documento do carro? Quem nunca evitou emitir uma nota fiscal? Quem nunca fez gato na TV por assinatura? Quem nunca bateu o ponto para o colega de trabalho? Quem nunca comprou pirataria? Quem nunca tentou entrar de graça num evento pago? Quem nunca tentou malabarismos para reduzir o imposto de renda? Quem nunca carregou um souvenir do hotel?
Se você tropeçou em pelo menos uma dessas perguntas então, sinto muito lhe informar, mas você é totalmente capaz de cometer qualquer ato de corrupção. O que quero dizer é que não existe uma vacina, um gene ou uma aura virtuosa que o deixe imune à corrupção. Assim sendo teremos que, humildemente, concordar com Dilma: Ninguém está acima da corrupção!
Ah sim, claro! Não podemos comparar comprar pirataria com roubar dinheiro público, não é? Será? Segundo informações do Senado Federal a pirataria desvia dos cofres públicos, todo ano, cerca de R$ 250 milhões em impostos. E, segundo a Revista Valor nos primeiros 100 dias deste ano, o Brasil perdeu mais de R$ 106 bilhões com a sonegação de impostos.
Isso quer dizer, então, que “o fim está próximo” ou que somos todos canalhas e que, portanto, não adianta combater a corrupção? Não! De maneira nenhuma! Mas precisamos entender que corrupção não se combate como no filme Minority Report, onde seremos capazes de reconhecer os políticos corruptos no seu berço e, tirando-os de circulação, teremos resolvido o problema.
Obviamente que existem os canalhas. Aqueles que rejeitaram participar da partilha do bem comum e se ocupam apenas em satisfazer suas vontades e seu narcisismo. Para o canalha verdadeiro, o outro é um mero degrau para atingir seus objetivos egoístas. Mas, ao contrário do que dizem por aí, os canalhas são raros e, possivelmente, dada sua meticulosidade e racionalização, muito mais difíceis de serem desmascarados. E é obvio que eles se aproximam da política já com a intensão de tirar dela algum proveito próprio. Em que lugar melhor eles poderiam ir? Todavia, grande parte dos corruptos não é necessariamente um canalha stricto sensu. Na imensa maioria das vezes, o corrupto é um sujeito comum. É aquele que um dia falsificou a carteirinha de estudante para pagar meia num espetáculo, mais tarde vendeu um recibo falso para que outro burlasse o Imposto de Renda, depois, como candidato a vereador, recebeu dinheiro não declarado de amigos para ajudar na sua campanha, isso foi um passo para achar natural que seu partido também recebesse dinheiro não declarado, daí entendeu perfeitamente as manobras contábeis do tesoureiro do partido para maquiar dinheiro vindo sabe-se lá de onde. E por aí vai...
Por isso, independente se Dilma tem ou não o seu voto, é preciso compreender o que ela teve coragem de dizer. Não podemos combater a corrupção acreditando que vamos conseguir nos cercar de pessoas incorruptíveis já que, como vimos, isso não está exatamente nos planos da humanidade. Não é possível acreditar que conseguiremos identificar os tais “homens bons” (alguns candidatos afirmam conhecê-los) que nos livrarão de todo o mal, amém. Combate-se a corrupção, primeiro, com uma educação para a ética (a de minha preferência, mas há também a educação religiosa e a moral que, de toda forma, também funcionam). Combate-se a corrupção com leis claras, justas e simples. Leis muito complicadas acabam abrindo margem para que sejam novamente burladas, corrompidas. A burocracia também é utilizada para combater a corrupção, mas quando é exagerada acaba por reeditar e reforçar a corrupção. É a corrupção como saída para burlar o excesso de burocracia. Enfim, concordando mais uma vez com Dilma, combatemos a corrupção com instituições fortes e virtuosas, instituições capazes de coibir, educar e também punir atos de corrupção.
Enfim, lamento se fiz o leitor perder um pouco mais a fé na humanidade, atributo já tão escasso, mas admitir nossas limitações e ter humildade para perceber que não somos tão diferentes uns dos outros, nos faz seguir caminhos mais realistas e, portanto, mais acertados. É preciso admitir que, afinal, o demônio não está alhures.
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
Eu também amo a Luciana Genro e o Eduardo Jorge!
Eu também amo a Luciana Genro e o Eduardo Jorge! Adoraria viver num Brasil onde o discurso deles não fosse possível apenas porque sabem que não tem chance de ganhar. Ou seja, adoraria que suas propostas representassem a realidade do pensamento de uma fatia grande de brasileiros. O discurso de Luciana e Eduardo habitam o meu ideal de Brasil.
Todavia, não se faz política com o ideal, mas com o real. Também não se faz política apenas com os iguais, os que pensam ou tem direções semelhantes. A política nasceu exatamente para evitar a guerra, para negociar acordos diante de posições divergentes, para tentar um caminho comum possível diante da diversidade de interesses e opiniões. A política está para a linguagem assim como a guerra está para a passagem ao ato. Fazemos uso da linguagem para não partirmos para as "vias de fato" e fazemos uso da política para não partirmos pra guerra.
Sendo assim, Luciana e Eduardo são fundamentais para o debate político, mas precisamos ter clareza de que só podem ser tão originais porque são feitos para provocar e levantar os temas polêmicos e não necessariamente para possibilitar uma via política possível dentro da nossa realidade brasileira atual. Para dar um exemplo, segundo uma pesquisa recente do Ibope, quase 80% da população é contrária à legalização do aborto ou das drogas e a favor da redução da maioridade penal e 53% não apoiam as bandeiras do movimento gay. Ou seja, se Luciana e Eduardo quisessem mesmo serem eleitos, infelizmente, não poderiam ser tão claros e diretos em suas convicções e teriam, sim que negociar apoio e parcerias com os que têm pensamentos divergentes deles o que, certamente, contaminaria suas propostas e projetos. E entendam, isso não seria necessariamente uma traição ou canalhice, mas simplesmente modos de alcançar o que é possível dentro daquilo que se pensa ser o ideal; é dessa matéria prima que se faz a política.
Enfim, a política é pura poesia quando é feita entre iguais, mas só é mesmo fundamental quando é feita com os diferentes. E esse é o grande desafio.
Todavia, não se faz política com o ideal, mas com o real. Também não se faz política apenas com os iguais, os que pensam ou tem direções semelhantes. A política nasceu exatamente para evitar a guerra, para negociar acordos diante de posições divergentes, para tentar um caminho comum possível diante da diversidade de interesses e opiniões. A política está para a linguagem assim como a guerra está para a passagem ao ato. Fazemos uso da linguagem para não partirmos para as "vias de fato" e fazemos uso da política para não partirmos pra guerra.
Sendo assim, Luciana e Eduardo são fundamentais para o debate político, mas precisamos ter clareza de que só podem ser tão originais porque são feitos para provocar e levantar os temas polêmicos e não necessariamente para possibilitar uma via política possível dentro da nossa realidade brasileira atual. Para dar um exemplo, segundo uma pesquisa recente do Ibope, quase 80% da população é contrária à legalização do aborto ou das drogas e a favor da redução da maioridade penal e 53% não apoiam as bandeiras do movimento gay. Ou seja, se Luciana e Eduardo quisessem mesmo serem eleitos, infelizmente, não poderiam ser tão claros e diretos em suas convicções e teriam, sim que negociar apoio e parcerias com os que têm pensamentos divergentes deles o que, certamente, contaminaria suas propostas e projetos. E entendam, isso não seria necessariamente uma traição ou canalhice, mas simplesmente modos de alcançar o que é possível dentro daquilo que se pensa ser o ideal; é dessa matéria prima que se faz a política.
Enfim, a política é pura poesia quando é feita entre iguais, mas só é mesmo fundamental quando é feita com os diferentes. E esse é o grande desafio.
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
Do que eu me libertei
por Rita Almeida
A liberdade sempre foi um tema muito caro para mim. Minhas opções políticas, filosóficas e religiosas, sempre tiveram a liberdade como diretriz. Minha vida profissional é toda dedicada à liberdade. Mas apesar das grandes liberdades serem a pauta da minha vida, foi na conquista de algumas pequenas liberdades cotidianas que eu encontrei o que procurava.
Eu me libertei da culpa por sair de casa e deixar a cama desarrumada de manhã
Eu me libertei do carro para minhas tarefas do dia a dia
Eu me libertei da pressa para a chegada do final de semana
Eu me libertei do nojo de biscoito que caiu no chão e de lambida de cachorro
Eu me libertei do excesso de preocupação para lembrar de colocar a escova de dente na mala
Eu me libertei do medo de abrir as contas no final do mês
Eu me libertei do medo de sentir medo
Eu me libertei da raiva com as burocracias tolas e desnecessárias, desnecessárias até para merecerem minha raiva
Eu me libertei da necessidade de me queixar com alguém que não seja o atendente de algum SAC
Eu me libertei da vontade de conversar na cama
Eu me libertei da necessidade de falar quando não há nada a ser dito
Eu me libertei do ciúme
Eu me libertei do “espelho, espelho meu...”
Eu me libertei da obrigação de ficar feliz quando estou triste
Eu me libertei do medo de errar ao fazer uma receita pela primeira vez
Eu me libertei da culpa por cometer pequenos pecados como: tomar coca-cola, comer batatas fritas, fumar um cigarro de palha ou gastar demais com um sofá novo.
Eu me libertei da culpa por conseguir passar um dia todo dedicada ao nada
Eu me libertei da necessidade de remoer o passado e da ansiedade em saber do futuro
Eu me libertei das inibições do meu corpo
Eu me libertei da vontade de saber demais
Eu me libertei da prepotência de acreditar que posso salvar todos os cachorros e gatos abandonados da rua ou todos os abandonados do mundo
Eu me libertei da arrogância de sempre saber o que é melhor
Eu me libertei da necessidade de ter o controle sobre tudo
Eu me libertei do medo de dizer não
Eu me libertei do imperativo de ter que tirar uma teia de aranha do teto assim que a vi
Eu me libertei da necessidade de atender as expectativas dos outros ou achar que os outros devem ser como eu gostaria que fossem
Eu me libertei de ter que colocar condições para amar
Eu me libertei das tendências da moda
Eu me libertei do secador de cabelos, da escova e da chapinha
Eu me libertei da preocupação em sair estranha na foto
Eu me libertei da prisão que é se achar insubstituível
Eu me libertei da vergonha ao admitir que fui ridícula
Eu me libertei da vontade de ajeitar os quadros na parede quando estou na casa de um amigo
Eu me libertei da culpa por rejeitar uma ligação
Eu me libertei da ideia de que ficar acordada durante a noite pensando, será capaz de me ajudar a resolver um problema ou proteger meus filhos que estão na rua
Eu me libertei da necessidade de criar uma conversa mental antes que a conversa real aconteça
Eu me libertei da necessidade de ouvir desculpas
Eu me libertei do medo de perder
Eu me libertei do desejo de entender a morte
Eu me libertei do interesse em ser especial para Deus, para meus pais, para meu chefe ou para meu analista, porque viver já é especial o suficiente.
A liberdade sempre foi um tema muito caro para mim. Minhas opções políticas, filosóficas e religiosas, sempre tiveram a liberdade como diretriz. Minha vida profissional é toda dedicada à liberdade. Mas apesar das grandes liberdades serem a pauta da minha vida, foi na conquista de algumas pequenas liberdades cotidianas que eu encontrei o que procurava.
Eu me libertei da culpa por sair de casa e deixar a cama desarrumada de manhã
Eu me libertei do carro para minhas tarefas do dia a dia
Eu me libertei da pressa para a chegada do final de semana
Eu me libertei do nojo de biscoito que caiu no chão e de lambida de cachorro
Eu me libertei do excesso de preocupação para lembrar de colocar a escova de dente na mala
Eu me libertei do medo de abrir as contas no final do mês
Eu me libertei do medo de sentir medo
Eu me libertei da raiva com as burocracias tolas e desnecessárias, desnecessárias até para merecerem minha raiva
Eu me libertei da necessidade de me queixar com alguém que não seja o atendente de algum SAC
Eu me libertei da vontade de conversar na cama
Eu me libertei da necessidade de falar quando não há nada a ser dito
Eu me libertei do ciúme
Eu me libertei do “espelho, espelho meu...”
Eu me libertei da obrigação de ficar feliz quando estou triste
Eu me libertei do medo de errar ao fazer uma receita pela primeira vez
Eu me libertei da culpa por cometer pequenos pecados como: tomar coca-cola, comer batatas fritas, fumar um cigarro de palha ou gastar demais com um sofá novo.
Eu me libertei da culpa por conseguir passar um dia todo dedicada ao nada
Eu me libertei da necessidade de remoer o passado e da ansiedade em saber do futuro
Eu me libertei das inibições do meu corpo
Eu me libertei da vontade de saber demais
Eu me libertei da prepotência de acreditar que posso salvar todos os cachorros e gatos abandonados da rua ou todos os abandonados do mundo
Eu me libertei da arrogância de sempre saber o que é melhor
Eu me libertei da necessidade de ter o controle sobre tudo
Eu me libertei do medo de dizer não
Eu me libertei do imperativo de ter que tirar uma teia de aranha do teto assim que a vi
Eu me libertei da necessidade de atender as expectativas dos outros ou achar que os outros devem ser como eu gostaria que fossem
Eu me libertei de ter que colocar condições para amar
Eu me libertei das tendências da moda
Eu me libertei do secador de cabelos, da escova e da chapinha
Eu me libertei da preocupação em sair estranha na foto
Eu me libertei da prisão que é se achar insubstituível
Eu me libertei da vergonha ao admitir que fui ridícula
Eu me libertei da vontade de ajeitar os quadros na parede quando estou na casa de um amigo
Eu me libertei da culpa por rejeitar uma ligação
Eu me libertei da ideia de que ficar acordada durante a noite pensando, será capaz de me ajudar a resolver um problema ou proteger meus filhos que estão na rua
Eu me libertei da necessidade de criar uma conversa mental antes que a conversa real aconteça
Eu me libertei da necessidade de ouvir desculpas
Eu me libertei do medo de perder
Eu me libertei do desejo de entender a morte
Eu me libertei do interesse em ser especial para Deus, para meus pais, para meu chefe ou para meu analista, porque viver já é especial o suficiente.
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