Por Rita de Cássia A Almeida
psicanalista
(para ler esse texto é necessário antes assistir o vídeo: Os dez mandamentos do rei do camarote)
Na última semana, a mídia e as redes sociais, se dedicaram a noticiar o chamado “rei do camarote” com seus bizarros 10 mandamentos. Alguns saíram em sua defesa, outros o satanizaram, mas grande maioria o transformou em alvo de piada e chacota. Se alguém ainda não tinha entendido o que significa ser trollado nas redes sociais, com certeza, agora já sabe. Acho até que Alexander Almeida, o tal rei do camarote, deve ter se tornado também, o rei da trollagem.
Minha primeira sensação ao ver o vídeo foi de indignação: como alguém pode afirmar que gasta “de R$ 50.000,00 ao infinito” numa noitada, quando tantas pessoas no mundo não chegarão a ter essa quantia nem numa vida inteira? E não venham me dizer que o dinheiro é dele e que, por isso, pode gastá-lo como quiser. Para usar apenas de um racionalismo matemático básico, a minha opinião é a de que se alguém tem o suficiente para esbanjar em “bebida que pisca” é porque outros estão sendo privados de uma vida razoavelmente confortável.
Mas esse meu texto não tratará de fazer uma crítica ao modelo capitalista, apesar de fazê-la sempre que posso, trata, na verdade, de explorar minha segunda sensação ao ver o vídeo: a de que estava assistindo a uma caricatura dos homens e mulheres que se multiplicam nesse nosso século. Um amigo me disse que o vídeo lhe pareceu um documentário do Discovery Chanel, daqueles que mostram as estranhezas e peculiaridades de culturas e tribos estranhas e distantes. Concordo. Depois de assistir algumas vezes o vídeo, fiquei pensando que se um alienígena ou algum membro de uma cultura muito diversa da nossa quisesse entender o tipo de pessoa que nos tornamos, valorizamos ou desejamos ser, “o rei do camarote” cumpriria muito bem a função de nos explicar. Obviamente que Alexander é uma versão exagerada e caricata, tão caricata que alcançou, com sucesso, a comicidade.
Entretanto sabemos desde Freud que o chiste, o cômico, é uma das formas que encontramos para lidar com aquilo que nos causa mal-estar. Na fissura da linguagem que não dá conta de representar tudo, irrompe a piada. E Alexander é uma excelente piada. Mas, para a psicanálise, toda piada carrega também, muitas verdades veladas, ou seja, o cômico é somente uma versão do trágico. E é assim que Alexander, num determinado momento, perde a graça e começa a ser alvo de nossa piedade, torna-se um retrato vivo do ditado “seria cômico se não fosse trágico”.
E a tragédia de Alexander é a mesma de Narciso. Narciso é um personagem da mitologia que apaixonado por si mesmo, se desliga do mundo real e acaba por se afogar, absorto e deslumbrado que está com sua própria imagem refletida no lago.
Nessa nossa cultura do individualismo competitivo, do imediatismo e do desejo desenfreado pela felicidade em forma de gozo, a eliminação do outro tem se tornado um caminho comum. No mundo de Narciso, o outro só serve para lhe “agregar valor” ou para “sentir inveja”, ou seja, em ambos os casos sua posição narcisista se mantém. E a tragédia de Narciso é que sua busca de sucesso, reconhecimento e aprovação do outro, apenas para manter-se enamorado de si, o leva paradoxalmente a intensificar o isolamento do eu. Ou seja, no final das contas, Narciso é um deprimido solitário, que afogado em si mesmo, desistiu de investir em laços reais com os outros e com o mundo.
Sendo assim, a tragédia pessoal de Alexander é também a tragédia de nossa época. Sem os exageros do rei do camarote, certamente inflados pelas suas posses econômicas, multiplicam-se os sujeitos que só enxergam o mundo através do seu próprio umbigo, que só percebem o outro como alimento para seu ego. O núcleo da nossa sociedade narcisista é, sobretudo, a necessidade das imagens. Não importa ser ou ter, se isso não se torna visível para os outros, e esse é claramente o objetivo do vídeo produzido por Alexander. O sujeito que emerge da cultura do narcisismo é aquele que depende dos outros para validar sua precária autoestima, ele precisa de plateia e admiração, sem isso, cresce sua insegurança e seu vazio, que, invariavelmente, irrompe em forma de depressão. Ou seja, não é por acaso que a depressão se tornou um mal do nosso século.
E por fim nos chama a atenção a ingenuidade e a infantilidade de Alexander, desconsiderando quão despropositada e desvinculada da realidade ficaria sua performance. Resta constatarmos que somente um sujeito mergulhado num delírio de encantamento consigo mesmo, seria capaz de se expor a tamanho ridículo. Um ridículo que o levou, afinal, a uma espécie de morte virtual e social. Sim, assistimos a um documentário a cores e com trilha sonora, de Narciso mergulhando para dentro do lago. Deslumbrado consigo mesmo, não conseguiu ver o que estava à sua volta. Se ele conseguir emergir, tomara que tenha aprendido a lição... Tomara que todos nós tenhamos aprendido a lição.
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
sábado, 28 de setembro de 2013
Democracia não é opinião pública ou sobre as implicações éticas de curtir e compartilhar nas redes sociais.
por: Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista real e virtual
A palavra DEMOCRACIA anda um tanto quanto desgastada. E em tempo de redes sociais então, esse desgaste tem produzido uma confusão terrível; a confusão entre democracia e opinião pública. O perigo desse tipo de confusão é o processo de simplificação e empobrecimento do discurso democrático. Nas redes sociais todos sentem necessidade de se apropriarem de uma posição política que, em geral, se resume em ser contra ou a favor, criando um terreno fértil para a banalização do maniqueísmo. Sem espaço para discussão, o aprofundamento dos temas e o debate de ideias – tão fundamentais para o fortalecimento da democracia – a “manifestação democrática” nas redes se faz num clique: curtir e compartilhar.
Obviamente que, numa sociedade democrática, é esperado e louvável que as pessoas se manifestem e opinem, todavia, é preocupante quando percebemos que tais opiniões são, muitas vezes, exploradas pelas redes sociais de maneira tendenciosa, parcial e até com certa dose de má fé, com o objetivo claro e explícito de manipular e distorcer uma informação e influenciar a tomada de posição das pessoas.
A grande febre do feicebuque, por exemplo, são as postagens com uma foto e uma frase pequena, de fácil entendimento. São postagens que se multiplicam diariamente, minuto a minuto na linha do tempo virtual, com a função precípua de seduzir os navegantes virtuais e receberem um curtir e um compartilhar (quanto mais, melhor). Tais publicações não têm a menor intenção de levar o interlocutor a pensar, a pesquisar, compreender ou questionar o tema em questão e, muitas vezes, o induzem ao erro. Além disso, produzem e reforçam a ideia de que um mero curtir e compartilhar possam ser formas efetivas e contundentes de participação democrática, quando na verdade o que elas mais fazem é influenciar a opinião pública.
Vou citar um exemplo aqui, mas poderia enumerar centenas deles. Cito esse exemplo porque se trata de um tema presente na minha vida acadêmica e profissional, e sobre o qual acredito ter certa autoridade para defender uma posição, que é técnica e política.
Meses atrás, apareceram várias publicações no feicebuque nos alertando que o governo federal pretendia fechar as APAES. Algumas chegavam a acusar diretamente a presidenta Dilma ou seu partido pelo fim dessas associações. Uma dessas publicações, a que me chamou mais atenção, trazia a foto de uma criança portadora de síndrome de down com uma pergunta: Você quer que as crianças especiais fiquem sem educação e tratamento? Se sua resposta é NÃO, então curta e compartilhe, para que o Governo Federal não feche as APAES.
A postagem em questão foi baseada no temor relacionado ao relatório do senador José Pimentel (PT-CE) referente ao Plano Nacional da Educação (PLC 103/2012), aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos. Segundo o relatório, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou superdotação deve ser universalizado na rede regular de ensino. Sendo assim, a meta é que até 2018, a escolaridade de crianças especiais seja feita integralmente e obrigatoriamente no ensino regular, reforçando a diretriz de uma política de educação que seja inclusiva, ou seja, que garanta o direito de acesso de TODAS as crianças na escola regular, sem nenhuma distinção. Fala a favor dessa proposta a promoção de uma política de educação universal, não excludente, que respeite e acolha as diversidades dos alunos. Fala a favor dessa proposta a construção de uma diretriz pedagógica que trabalhe contra noções preconceituosas e equivocadas de que a criança especial seria apenas mais um peso ou problema para escola ou educadores, quando na verdade, poderia ser - se assim permitíssemos - uma oportunidade única e rica de humanizarmos nossas escolas, torna-las mais democráticas, acessíveis, sensíveis às diferenças e tolerantes com aquilo que diverge de nós ou que nos cause estranheza.
Sendo assim, essa diretriz política, retiraria de entidades como Apaes e Pestalozzis a necessidade de oferecer uma escolarização especial que substitua a educação regular, como pode ser feito hoje em dia. Além disso, como se sabe, Apaes e Pestalozzis não são instituições públicas, mas pelo fato de hoje substituírem a escola publica para muitas crianças, fazem jus o recebimento de recursos e repasses do governo, fundamentais para a sua manutenção e sobrevivência. Obviamente que, na medida em que a escola pública assume as crianças especiais, poderá também se desobrigar do envio de recursos públicos para essas associações. Mas ainda que a federação se esquive do repasse financeiro a essas instituições – o que ainda não está definido – e que isso signifique o enfraquecimento ou até a extinção das mesmas, não se pode dizer que o governo irá fechar Apaes e Pestallozzis, simplesmente pelo fato delas serem organizações da sociedade civil, não submetidas a uma intervenção da União.
Depois desses esclarecimentos, somos capazes de enxergar com alguma crítica a postagem que eu citei sobre as Apaes. Em primeiro lugar podemos analisar melhor a pergunta que é feita, e ela é feita para seduzir emocionalmente o interlocutor, afinal, quem em sã consciência será capaz de se colocar contrário ao atendimento e escolarização de crianças especiais? Todavia, em nenhum momento é dito que a proposta não é retirar o atendimento a essas crianças, mas sim, propor um outro tipo de atendimento; teoricamente mais inclusivo, menos excludente. A segunda indução ao erro é dizer que o governo tem como proposta fechar as Apaes, quando na verdade, ele não tem nenhuma ingerência para fazê-lo.
Isso não quer dizer que todas as pessoas que leram este meu texto devem, a partir de agora, concordar com a proposta inclusiva do Plano Nacional de Educação. Muitas podem defender que deva mesmo haver escolas especiais para crianças especiais, podem argumentar que as escolas regulares não têm condições de receber alunos diferentes, que os professores não têm preparo para este tipo de trabalho, que o governo deve continuar mantendo essas instituições, sob o risco de que elas sucumbam por falta de recursos, ou podem defender que tais instituições mereçam recurso público para que possam fazer um trabalho paralelo à escolarização regular. Todas essas argumentações, e outras, podem ser usadas em defesa das Apaes, mas é importante que elas sejam sustentadas por uma discussão que realmente enriqueça o debate sobre o tema e não no parco resultado de uma curtida no feicebuque.
Por meio dessas postagens toscas e de fácil manipulação, associou-se a famosa PEC 37 à impunidade dos nossos políticos. Se manifestar contra a PEC 37 virou sinônimo de acabar com a corrupção, mesmo quando a própria OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) denunciava o falso debate sobre tal proposta, fazendo, inclusive, a defesa da mesma. PEC que, no final, diante da pressão das ruas, foi derrotada. Mais recentemente os tais “embargos infringentes” (que a maioria da população, assim como eu, não tem a menor noção do que seja) caíram na rede e foram execrados. Todo mundo se sentiu impelido a ser contra, e muitos se manifestaram de luto pelas redes sociais quando foram mantidos. Eu não tenho duvidas de que muitas dessas manifestações ocorreram porque a sobrevivência dos tais embargos ficou vinculada exclusivamente à possível absolvição dos chamados “mensaleiros”, que já foram condenados pela opinião pública mesmo sem terem sidos condenados definitivamente pela justiça.
As redes sociais são capazes dos entrelaçamentos mais incríveis e improváveis, porque superam as barreiras do tempo, do espaço, da distância, das limitações físicas e até sensoriais. Assim como esses enlaçamentos abrem possibilidades ricas e infinitas de articulação, organização, aprendizado, afetividade, mobilização, empoderamento, participação, abrem na mesma proporção uma fenda que, esvaziada de sabedoria, de crítica, de conteúdo, de sentido e/ou de ética, torna-se um espaço fecundo para abrigar o “estouro da boiada”; quando todos seguem cegamente uma direção sem questionamento, embalados pela maioria.
Entendo que seja urgente compreendermos a distância que existe entre opinião pública e debate democrático. Precisamos fortalecer as instancias de participação social, os conselhos, os partidos, as organizações civis, os movimentos sociais e de classe, se quisermos uma democracia robusta e viva. Plebiscitos, pesquisas de opinião, consultas públicas, curtidas no feicebuque têm sim sua função, mas, em geral, servem mais para polarizar e empobrecer a discussão do que para favorecer tomadas de posição maduras que realmente demonstrem a necessidade e o desejo da população.
Também é urgente que vejamos com mais responsabilidade uma atitude aparentemente inofensiva, de curtir e compartilhar uma postagem. Vejo todo dia nas redes sociais, temas importantes sendo simplificados, pessoas e instituições sofrendo linchamento público e informações sendo distorcidas ou até mesmo inventadas, e o que é pior, vejo pessoas curtindo e compartilhando tais postagens sem a menor crítica. Me assusta muito, por exemplo, quando vejo publicadas fotos de pessoas com uma frase do tipo: esta pessoa maltrata idosos ou é estupradora ou ladra ou assassina: quem encontrá-la denuncie. Será que não devemos considerar a hipótese de uma postagem dessas ser falsa ou equivocada?
É famosa uma fotografia que circula pelas redes sociais de uma mulher com uma criança no colo do lado esquerdo e uma arma na mão direita apontando para a criança. No entanto, trata-se de uma montagem. Na foto original a mulher segura um pássaro e não uma arma. Então devemos perguntar: Que tipo de consequência essa foto pode ou poderá trazer para essa mulher? E será que uma possível reparação poderá ser feita na mesma medida do estrago? São questionamentos que, no meu entendimento, precisamos fazer antes de mostrarmos nosso polegar para cima, concordando com alguma postagem e fazendo-a se multiplicar por aí, acreditando que estamos, com isso, exercitando nossa liberdade de expressão ou a veia democrática da nossa sociedade. Democracia sem ética também pode produzir distorções e barbárie. Sim, a simplicidade deste ato de clicar o polegar para cima, especialmente quando feito coletivamente, me parece, às vezes, tão bárbaro e cruel como aquele utilizado nas arenas romanas no início da era cristã, quando o povo presente era conclamado a mostrar o polegar para cima ou para baixo para absolver ou condenar os julgados. Apesar de ser uma forma que os Imperadores Romanos utilizavam para acolher a decisão da maioria, isso não me parece em nada com o que poderíamos chamar de uma decisão democrática.
Mas alguém pode argumentar ingenuamente que é exagero comparar um linchamento ou execução real de um linchamento ou execução na esfera virtual. Para mim, quem diz isso não entendeu nada do mundo virtual, ou nunca assistiu Matrix. O mundo virtual não é um mundo de mentirinha ou de fantasia. Real e virtual apesar de serem universos distintos, participam de uma mesma realidade, se entrelaçam e se influenciam o tempo todo. Assim como em Matrix, morrer no mundo virtual pode significar a morte no mundo real. Por isso, devemos exercitar mais nossa ética e nossa responsabilidade ao curtir e compartilhar no mundo virtual. E pensando bem, agora eu entendo porque Mark Zuckerberg – criador do feicebuque – não instituiu por lá o polegar para baixo. Melhor não.
Minha humilde sugestão é que a gente se preocupe, pelo menos, em se informar um pouco mais antes de curtir e compartilhar uma notícia, especialmente quando ela vier simplificada demais. Na dúvida, prefira curtir e compartilhar fotos de animais fofos. Eu prefiro as de gatinhos.
psicanalista real e virtual
A palavra DEMOCRACIA anda um tanto quanto desgastada. E em tempo de redes sociais então, esse desgaste tem produzido uma confusão terrível; a confusão entre democracia e opinião pública. O perigo desse tipo de confusão é o processo de simplificação e empobrecimento do discurso democrático. Nas redes sociais todos sentem necessidade de se apropriarem de uma posição política que, em geral, se resume em ser contra ou a favor, criando um terreno fértil para a banalização do maniqueísmo. Sem espaço para discussão, o aprofundamento dos temas e o debate de ideias – tão fundamentais para o fortalecimento da democracia – a “manifestação democrática” nas redes se faz num clique: curtir e compartilhar.
Obviamente que, numa sociedade democrática, é esperado e louvável que as pessoas se manifestem e opinem, todavia, é preocupante quando percebemos que tais opiniões são, muitas vezes, exploradas pelas redes sociais de maneira tendenciosa, parcial e até com certa dose de má fé, com o objetivo claro e explícito de manipular e distorcer uma informação e influenciar a tomada de posição das pessoas.
A grande febre do feicebuque, por exemplo, são as postagens com uma foto e uma frase pequena, de fácil entendimento. São postagens que se multiplicam diariamente, minuto a minuto na linha do tempo virtual, com a função precípua de seduzir os navegantes virtuais e receberem um curtir e um compartilhar (quanto mais, melhor). Tais publicações não têm a menor intenção de levar o interlocutor a pensar, a pesquisar, compreender ou questionar o tema em questão e, muitas vezes, o induzem ao erro. Além disso, produzem e reforçam a ideia de que um mero curtir e compartilhar possam ser formas efetivas e contundentes de participação democrática, quando na verdade o que elas mais fazem é influenciar a opinião pública.
Vou citar um exemplo aqui, mas poderia enumerar centenas deles. Cito esse exemplo porque se trata de um tema presente na minha vida acadêmica e profissional, e sobre o qual acredito ter certa autoridade para defender uma posição, que é técnica e política.
Meses atrás, apareceram várias publicações no feicebuque nos alertando que o governo federal pretendia fechar as APAES. Algumas chegavam a acusar diretamente a presidenta Dilma ou seu partido pelo fim dessas associações. Uma dessas publicações, a que me chamou mais atenção, trazia a foto de uma criança portadora de síndrome de down com uma pergunta: Você quer que as crianças especiais fiquem sem educação e tratamento? Se sua resposta é NÃO, então curta e compartilhe, para que o Governo Federal não feche as APAES.
A postagem em questão foi baseada no temor relacionado ao relatório do senador José Pimentel (PT-CE) referente ao Plano Nacional da Educação (PLC 103/2012), aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos. Segundo o relatório, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou superdotação deve ser universalizado na rede regular de ensino. Sendo assim, a meta é que até 2018, a escolaridade de crianças especiais seja feita integralmente e obrigatoriamente no ensino regular, reforçando a diretriz de uma política de educação que seja inclusiva, ou seja, que garanta o direito de acesso de TODAS as crianças na escola regular, sem nenhuma distinção. Fala a favor dessa proposta a promoção de uma política de educação universal, não excludente, que respeite e acolha as diversidades dos alunos. Fala a favor dessa proposta a construção de uma diretriz pedagógica que trabalhe contra noções preconceituosas e equivocadas de que a criança especial seria apenas mais um peso ou problema para escola ou educadores, quando na verdade, poderia ser - se assim permitíssemos - uma oportunidade única e rica de humanizarmos nossas escolas, torna-las mais democráticas, acessíveis, sensíveis às diferenças e tolerantes com aquilo que diverge de nós ou que nos cause estranheza.
Sendo assim, essa diretriz política, retiraria de entidades como Apaes e Pestalozzis a necessidade de oferecer uma escolarização especial que substitua a educação regular, como pode ser feito hoje em dia. Além disso, como se sabe, Apaes e Pestalozzis não são instituições públicas, mas pelo fato de hoje substituírem a escola publica para muitas crianças, fazem jus o recebimento de recursos e repasses do governo, fundamentais para a sua manutenção e sobrevivência. Obviamente que, na medida em que a escola pública assume as crianças especiais, poderá também se desobrigar do envio de recursos públicos para essas associações. Mas ainda que a federação se esquive do repasse financeiro a essas instituições – o que ainda não está definido – e que isso signifique o enfraquecimento ou até a extinção das mesmas, não se pode dizer que o governo irá fechar Apaes e Pestallozzis, simplesmente pelo fato delas serem organizações da sociedade civil, não submetidas a uma intervenção da União.
Depois desses esclarecimentos, somos capazes de enxergar com alguma crítica a postagem que eu citei sobre as Apaes. Em primeiro lugar podemos analisar melhor a pergunta que é feita, e ela é feita para seduzir emocionalmente o interlocutor, afinal, quem em sã consciência será capaz de se colocar contrário ao atendimento e escolarização de crianças especiais? Todavia, em nenhum momento é dito que a proposta não é retirar o atendimento a essas crianças, mas sim, propor um outro tipo de atendimento; teoricamente mais inclusivo, menos excludente. A segunda indução ao erro é dizer que o governo tem como proposta fechar as Apaes, quando na verdade, ele não tem nenhuma ingerência para fazê-lo.
Isso não quer dizer que todas as pessoas que leram este meu texto devem, a partir de agora, concordar com a proposta inclusiva do Plano Nacional de Educação. Muitas podem defender que deva mesmo haver escolas especiais para crianças especiais, podem argumentar que as escolas regulares não têm condições de receber alunos diferentes, que os professores não têm preparo para este tipo de trabalho, que o governo deve continuar mantendo essas instituições, sob o risco de que elas sucumbam por falta de recursos, ou podem defender que tais instituições mereçam recurso público para que possam fazer um trabalho paralelo à escolarização regular. Todas essas argumentações, e outras, podem ser usadas em defesa das Apaes, mas é importante que elas sejam sustentadas por uma discussão que realmente enriqueça o debate sobre o tema e não no parco resultado de uma curtida no feicebuque.
Por meio dessas postagens toscas e de fácil manipulação, associou-se a famosa PEC 37 à impunidade dos nossos políticos. Se manifestar contra a PEC 37 virou sinônimo de acabar com a corrupção, mesmo quando a própria OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) denunciava o falso debate sobre tal proposta, fazendo, inclusive, a defesa da mesma. PEC que, no final, diante da pressão das ruas, foi derrotada. Mais recentemente os tais “embargos infringentes” (que a maioria da população, assim como eu, não tem a menor noção do que seja) caíram na rede e foram execrados. Todo mundo se sentiu impelido a ser contra, e muitos se manifestaram de luto pelas redes sociais quando foram mantidos. Eu não tenho duvidas de que muitas dessas manifestações ocorreram porque a sobrevivência dos tais embargos ficou vinculada exclusivamente à possível absolvição dos chamados “mensaleiros”, que já foram condenados pela opinião pública mesmo sem terem sidos condenados definitivamente pela justiça.
As redes sociais são capazes dos entrelaçamentos mais incríveis e improváveis, porque superam as barreiras do tempo, do espaço, da distância, das limitações físicas e até sensoriais. Assim como esses enlaçamentos abrem possibilidades ricas e infinitas de articulação, organização, aprendizado, afetividade, mobilização, empoderamento, participação, abrem na mesma proporção uma fenda que, esvaziada de sabedoria, de crítica, de conteúdo, de sentido e/ou de ética, torna-se um espaço fecundo para abrigar o “estouro da boiada”; quando todos seguem cegamente uma direção sem questionamento, embalados pela maioria.
Entendo que seja urgente compreendermos a distância que existe entre opinião pública e debate democrático. Precisamos fortalecer as instancias de participação social, os conselhos, os partidos, as organizações civis, os movimentos sociais e de classe, se quisermos uma democracia robusta e viva. Plebiscitos, pesquisas de opinião, consultas públicas, curtidas no feicebuque têm sim sua função, mas, em geral, servem mais para polarizar e empobrecer a discussão do que para favorecer tomadas de posição maduras que realmente demonstrem a necessidade e o desejo da população.
Também é urgente que vejamos com mais responsabilidade uma atitude aparentemente inofensiva, de curtir e compartilhar uma postagem. Vejo todo dia nas redes sociais, temas importantes sendo simplificados, pessoas e instituições sofrendo linchamento público e informações sendo distorcidas ou até mesmo inventadas, e o que é pior, vejo pessoas curtindo e compartilhando tais postagens sem a menor crítica. Me assusta muito, por exemplo, quando vejo publicadas fotos de pessoas com uma frase do tipo: esta pessoa maltrata idosos ou é estupradora ou ladra ou assassina: quem encontrá-la denuncie. Será que não devemos considerar a hipótese de uma postagem dessas ser falsa ou equivocada?
É famosa uma fotografia que circula pelas redes sociais de uma mulher com uma criança no colo do lado esquerdo e uma arma na mão direita apontando para a criança. No entanto, trata-se de uma montagem. Na foto original a mulher segura um pássaro e não uma arma. Então devemos perguntar: Que tipo de consequência essa foto pode ou poderá trazer para essa mulher? E será que uma possível reparação poderá ser feita na mesma medida do estrago? São questionamentos que, no meu entendimento, precisamos fazer antes de mostrarmos nosso polegar para cima, concordando com alguma postagem e fazendo-a se multiplicar por aí, acreditando que estamos, com isso, exercitando nossa liberdade de expressão ou a veia democrática da nossa sociedade. Democracia sem ética também pode produzir distorções e barbárie. Sim, a simplicidade deste ato de clicar o polegar para cima, especialmente quando feito coletivamente, me parece, às vezes, tão bárbaro e cruel como aquele utilizado nas arenas romanas no início da era cristã, quando o povo presente era conclamado a mostrar o polegar para cima ou para baixo para absolver ou condenar os julgados. Apesar de ser uma forma que os Imperadores Romanos utilizavam para acolher a decisão da maioria, isso não me parece em nada com o que poderíamos chamar de uma decisão democrática.
Mas alguém pode argumentar ingenuamente que é exagero comparar um linchamento ou execução real de um linchamento ou execução na esfera virtual. Para mim, quem diz isso não entendeu nada do mundo virtual, ou nunca assistiu Matrix. O mundo virtual não é um mundo de mentirinha ou de fantasia. Real e virtual apesar de serem universos distintos, participam de uma mesma realidade, se entrelaçam e se influenciam o tempo todo. Assim como em Matrix, morrer no mundo virtual pode significar a morte no mundo real. Por isso, devemos exercitar mais nossa ética e nossa responsabilidade ao curtir e compartilhar no mundo virtual. E pensando bem, agora eu entendo porque Mark Zuckerberg – criador do feicebuque – não instituiu por lá o polegar para baixo. Melhor não.
Minha humilde sugestão é que a gente se preocupe, pelo menos, em se informar um pouco mais antes de curtir e compartilhar uma notícia, especialmente quando ela vier simplificada demais. Na dúvida, prefira curtir e compartilhar fotos de animais fofos. Eu prefiro as de gatinhos.
domingo, 1 de setembro de 2013
Delirar é fundamental!
Delirar é fundamental! Tão fundamental que se eu fosse uma filósofa importante mudaria a máxima cartesiana para: "Deliro, logo existo". É comum que se diga que só os loucos deliram, mas isso não é verdade. Todos nós deliramos. Quem não delira ou é pedra ou é planta. Todas as pequenas e grandes realizações humanas iniciaram com um delírio, ou seja, numa invenção da cabeça de alguém.
Quando começamos a trabalhar na saúde mental, temos muito medo do delírio. Mas depois de um tempo, entendemos que o que difere uns delírios de outros, é o simples fato de alguns deles conseguirem nos convencer de que são uma verdade possível e outros não. Ou seja, tememos o delírio quando acontece de não conseguirmos compartilhar de sua verdade. É um medo do desconhecido, apenas.
Portanto, o grande desafio enfrentado pelo delírio, ou por quem delira, é conseguir convencer outras pessoas da verdade daquele delírio. Assim também deve ter sido para Copérnico no século XV, quando afirmou que o Sol, e não a Terra, seria o centro do nosso Universo. Também foi considerado delírio quando alguns disseram ser possível tratar da loucura entre nós: sem muros, sem trancas, sem isolamento, sem exclusão. Hoje vemos que isso é totalmente possível. Isso quer dizer que um delírio é capaz de se tornar uma verdade quando, e se, tem a chance de ser compartilhado por um determinado número de pessoas; quando consegue fazer laço e lastro.
Mas ai daquele que não consegue compartilhar seu delírio! Ai daquele que não consegue fazer laço com seu delírio! Assim sendo, a missão dos novos serviços de saúde mental não manicomiais, inventados pela Reforma Psiquiátrica, tem sido, exatamente, tornar possível o delírio de muitas pessoas, aquelas que tinham seu delírio silenciado, desvalorizado e desacreditado.
E assim se resume o meu trabalho nos últimos anos: eu acredito nos delírios que ouço. Em todos eles. Porque o que aprendi nesses meus 17 anos de trabalho na saúde mental, nos vários CAPS que já trabalhei e com os inúmeros delírios que ouvi é que: não existe delírio que não possa se tornar uma verdade. Todo e qualquer delírio pode adquirir valor de verdade quando compartilhado por outras pessoas, afinal o que distingue a verdade do delírio é que a verdade é o delírio que a gente acredita e compartilha.
Então, deliremos! E botemos fé no delírio!
Rita de Cássia de A Almeida
Coordenadora do CAPS CasAberta de Lima Duarte MG
Texto em comemoração aos 10 anos do CAPS CasAberta.
30 de agosto de 2013
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Quando as Feras Selvagens chegam...
Por Rita de Cássia de A Almeida
psicanalista e mãe de três filhos
“Deixa eu lhe dizer uma coisa. Quando somos crianças as pessoas dizem que nossa vida será feliz, que será maravilhosa e tal. Mas fique sabendo que não é assim. Então, tire isso da cabeça agora. Porque a vida pode ser um banquete, mas você poderá ser apenas uma garçonete idiota. Um dia, a comida do seu prato vai cair no chão e ninguém vai estar lá para pegá-la para você. Um dia você vai ter que se virar sozinha. Entende o que eu estou dizendo? Então, sorria garota. Sorria. Porque ninguém gosta de uma mulher que vive se lamentando.”.
Este trecho é parte do diálogo entre uma (provável) mãe e sua filha de seis anos, que compõe uma, entre muitas outras cenas belas e inesquecíveis, do filme: Indomável Sonhadora (péssima tradução para o original Beasts of the Southern Wild). A primeira vista, especialmente pra quem não assistiu ao filme, trata-se apenas de uma fala cruel, cruel demais para uma garotinha. No entanto, a avaliação a ser feita da cena não pode ser tão simples, quando vista dentro de todo o contexto narrativo.
Eu traduziria o título do filme como “As Feras Selvagens que chegam do Sul”, já que a grande questão suscitada pelo filme é aquela que persegue cotidianamente a todos nós, pais e mães: devemos proteger nossos filhos das feras selvagens ou ensiná-los a enfrentar tais feras selvagens?
O mundo idealizado pelo cineasta e no qual Hushpuppy, a garotinha que protagoniza a história, vive, é demasiadamente bruto e atroz, e as feras que ela precisa enfrentar são grandes, feias e cruéis. Os adultos dessa história sabem disso, e parecem não fazer questão de esconder tal realidade das crianças, especialmente o pai de Hushpuppy, que dedica seus últimos dias a ensinar a filha a sobreviver sozinha, já que ele é vítima de uma doença terminal e a mãe os abandonou há alguns anos.
No nosso mundo real, no entanto, sinto que cada vez menos educamos nossos filhos para lidar e enfrentar as feras selvagens que invariavelmente virão. Percebo um demasiado exagero na proteção de nossas crianças, que nos parecem cada dia mais frágeis e indefesas, incapazes de lidar com qualquer pequena frustração, com um minúsculo não, um desagrado, uma rejeição. Vejo jovens imaturos e inseguros, que enxergam uma besta fera horrenda, onde muitas vezes, existe apenas um pequeno inseto esquisito e fedorento. E para lidar com tal inseto demandam um arsenal de guerra, quando lhes bastaria apenas, tapar o nariz. Ao contrário do mundo de Hushpuppy, o nosso, acredita ser capaz de evitar todas as feras selvagens que porventura virão. Mas a tragédia que se abate sobre nós é que não podemos evitá-las completamente. E jamais poderemos.
Hushpuppy, por sua vez, apesar dos seus parcos seis anos, é capaz de encarar as feras que lhe perseguem olho no olho, e no fim, as chama de “quase amigas”. Na sua jovem sabedoria, e posto que seu pai soube cumprir devidamente a missão de educá-la para suportar as adversidades do seu mundo, Hushpuppy sabe que as feras que precisou enfrentar também se tornaram parte de quem ela é. Ela já compreendeu que as feras nos atemorizam e podem até nos devorar se não formos fortes, espertos ou sábios o suficiente, mas ela também entendeu que somente as feras, sobretudo as grande e feias, são capazes de extrair de nós, o melhor que podemos ser.
Por isso, eu lamento muito quando vejo pais e mães galgando esforços sobre-humanos para evitar que seus filhos enfrentem e encarem as feras que habitam nosso mundo. Não percebem que estão criando louças frágeis que vão se quebrar ao menor arranhão. Não compreendem que os demasiadamente frágeis, os vitimados, os higienizados, os mimados e os melindrados terão muito mais dificuldade em lidar com as feras; as que vêm do norte, do sul ou as que vêm de dentro. Vejo pais e mães que se desdobram com a pretensão de “dar tudo de bom para os filhos” ou “dar tudo aquilo que não tiveram”, por não entenderem que o grande desafio de educar talvez seja, exatamente, resistir à tentação de dar, e não dar, mesmo tendo condições de fazê-lo.
Na teoria psicanalítica de Winnicott, uma mãe deve ser suficientemente boa, ou seja, suficientemente boa para amar seu bebê e possibilitar seu desenvolvimento. Mas o que nos interessa na teoria winicotiana é que ser boa apenas o suficiente, também implica em ser necessariamente má. E assim eu descreveria os pais que sabem cumprir sua missão de educadores: suficientemente bons e necessariamente maus.
Numa leitura psicanalítica, as feras selvagens que aparecem no filme representam o real. O real é aquilo que se impõe sobre nós e sobre o qual não temos nenhum controle; é o inominável, o indecifrável, o indizível. O real, portanto, é o que nos causa desespero, espanto ou horror. A psicanálise acredita que existem inúmeras formas de lidar com o real que não seja padecendo dele, mas em todas elas é necessário que o sujeito assuma a existência do real, e também sua própria limitação diante dele. Fica paralisado diante do real quem insiste em acreditar que seja possível um mundo ou uma vida sem ele.
Talvez seja isso que a (provável) mãe de Hushpuppy tenta lhe dizer: que as feras selvagens existem e podem, sim, ser tão horrendas quanto más, mas ficar apenas lamentando o fato delas existirem não vai adiantar nada, o melhor é enfrentá-las e seguir sorrindo.
psicanalista e mãe de três filhos
“Deixa eu lhe dizer uma coisa. Quando somos crianças as pessoas dizem que nossa vida será feliz, que será maravilhosa e tal. Mas fique sabendo que não é assim. Então, tire isso da cabeça agora. Porque a vida pode ser um banquete, mas você poderá ser apenas uma garçonete idiota. Um dia, a comida do seu prato vai cair no chão e ninguém vai estar lá para pegá-la para você. Um dia você vai ter que se virar sozinha. Entende o que eu estou dizendo? Então, sorria garota. Sorria. Porque ninguém gosta de uma mulher que vive se lamentando.”.
Este trecho é parte do diálogo entre uma (provável) mãe e sua filha de seis anos, que compõe uma, entre muitas outras cenas belas e inesquecíveis, do filme: Indomável Sonhadora (péssima tradução para o original Beasts of the Southern Wild). A primeira vista, especialmente pra quem não assistiu ao filme, trata-se apenas de uma fala cruel, cruel demais para uma garotinha. No entanto, a avaliação a ser feita da cena não pode ser tão simples, quando vista dentro de todo o contexto narrativo.
Eu traduziria o título do filme como “As Feras Selvagens que chegam do Sul”, já que a grande questão suscitada pelo filme é aquela que persegue cotidianamente a todos nós, pais e mães: devemos proteger nossos filhos das feras selvagens ou ensiná-los a enfrentar tais feras selvagens?
O mundo idealizado pelo cineasta e no qual Hushpuppy, a garotinha que protagoniza a história, vive, é demasiadamente bruto e atroz, e as feras que ela precisa enfrentar são grandes, feias e cruéis. Os adultos dessa história sabem disso, e parecem não fazer questão de esconder tal realidade das crianças, especialmente o pai de Hushpuppy, que dedica seus últimos dias a ensinar a filha a sobreviver sozinha, já que ele é vítima de uma doença terminal e a mãe os abandonou há alguns anos.
No nosso mundo real, no entanto, sinto que cada vez menos educamos nossos filhos para lidar e enfrentar as feras selvagens que invariavelmente virão. Percebo um demasiado exagero na proteção de nossas crianças, que nos parecem cada dia mais frágeis e indefesas, incapazes de lidar com qualquer pequena frustração, com um minúsculo não, um desagrado, uma rejeição. Vejo jovens imaturos e inseguros, que enxergam uma besta fera horrenda, onde muitas vezes, existe apenas um pequeno inseto esquisito e fedorento. E para lidar com tal inseto demandam um arsenal de guerra, quando lhes bastaria apenas, tapar o nariz. Ao contrário do mundo de Hushpuppy, o nosso, acredita ser capaz de evitar todas as feras selvagens que porventura virão. Mas a tragédia que se abate sobre nós é que não podemos evitá-las completamente. E jamais poderemos.
Hushpuppy, por sua vez, apesar dos seus parcos seis anos, é capaz de encarar as feras que lhe perseguem olho no olho, e no fim, as chama de “quase amigas”. Na sua jovem sabedoria, e posto que seu pai soube cumprir devidamente a missão de educá-la para suportar as adversidades do seu mundo, Hushpuppy sabe que as feras que precisou enfrentar também se tornaram parte de quem ela é. Ela já compreendeu que as feras nos atemorizam e podem até nos devorar se não formos fortes, espertos ou sábios o suficiente, mas ela também entendeu que somente as feras, sobretudo as grande e feias, são capazes de extrair de nós, o melhor que podemos ser.
Por isso, eu lamento muito quando vejo pais e mães galgando esforços sobre-humanos para evitar que seus filhos enfrentem e encarem as feras que habitam nosso mundo. Não percebem que estão criando louças frágeis que vão se quebrar ao menor arranhão. Não compreendem que os demasiadamente frágeis, os vitimados, os higienizados, os mimados e os melindrados terão muito mais dificuldade em lidar com as feras; as que vêm do norte, do sul ou as que vêm de dentro. Vejo pais e mães que se desdobram com a pretensão de “dar tudo de bom para os filhos” ou “dar tudo aquilo que não tiveram”, por não entenderem que o grande desafio de educar talvez seja, exatamente, resistir à tentação de dar, e não dar, mesmo tendo condições de fazê-lo.
Na teoria psicanalítica de Winnicott, uma mãe deve ser suficientemente boa, ou seja, suficientemente boa para amar seu bebê e possibilitar seu desenvolvimento. Mas o que nos interessa na teoria winicotiana é que ser boa apenas o suficiente, também implica em ser necessariamente má. E assim eu descreveria os pais que sabem cumprir sua missão de educadores: suficientemente bons e necessariamente maus.
Numa leitura psicanalítica, as feras selvagens que aparecem no filme representam o real. O real é aquilo que se impõe sobre nós e sobre o qual não temos nenhum controle; é o inominável, o indecifrável, o indizível. O real, portanto, é o que nos causa desespero, espanto ou horror. A psicanálise acredita que existem inúmeras formas de lidar com o real que não seja padecendo dele, mas em todas elas é necessário que o sujeito assuma a existência do real, e também sua própria limitação diante dele. Fica paralisado diante do real quem insiste em acreditar que seja possível um mundo ou uma vida sem ele.
Talvez seja isso que a (provável) mãe de Hushpuppy tenta lhe dizer: que as feras selvagens existem e podem, sim, ser tão horrendas quanto más, mas ficar apenas lamentando o fato delas existirem não vai adiantar nada, o melhor é enfrentá-las e seguir sorrindo.
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Sobre macumbas, marchas, santos, anéis e muros e sobre a força dos símbolos
por Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista
Dias atrás ouvi a explicação de um militante do movimento negro - e, diga-se de passagem, uma belíssima explicação – sobre o sentido original das oferendas que as religiões afro-brasileiras utilizam em seus rituais, as que vulgarmente chamamos de macumbas. Ele explicou que, na época da escravidão, muitos negros fugiam para o mato na tentativa de se libertarem do jugo dos seus senhores e, antes de conseguirem fugir para algum Quilombo, ficavam próximos às fazendas, escondidos no meio da mata por dias e até semanas. As mulheres negras, na tentativa de auxiliar esses fugitivos a se manterem vivos até que pudessem partir definitivamente, deixavam tais oferendas pelas margens do caminho ou em locais combinados previamente (em baixo de um cruzeiro, numa encruzilhada, em baixo de uma árvore), oferendas que não eram nada mais do que comida e bebida preparadas para saciar a fome e a sede dos seus entes queridos. No entanto, para disfarçar sua atitude, diziam que os quitutes eram oferendas para os Santos ou Orixás, inventavam rituais e acendiam velas, um modo de sinalizar o local do alimento, especialmente à noite. E por meio dessa estratégia elas sabiam também, se os fugitivos já tinham seguido caminho ou se ainda estavam por ali, bastava observar no dia seguinte como estava o alimento que tinham deixado. O fato é que o que, inicialmente, foi uma estratégia de resistência dos negros escravizados, acabou sendo incorporado pelas religiões afro-brasileiras como ritual.
Eu nunca tinha ouvido essa história e achei de uma poesia infinita. Antes de tal explicação as macumbas não faziam nenhum sentido para mim, não continham nenhum significado, a não ser o de saber que eram significativas para a religião de alguns, o que sempre me impediu de ser desrespeitosa ou intolerante com elas. Mas agora, eu vejo as macumbas de um modo completamente novo. Passei a vê-las com grande respeito e até com reverência, porque agora elas me remetem à sabedoria e ao poder de invenção e resistência dos negros escravizados. As macumbas fazem todo o sentido para mim agora.
E é assim que os símbolos funcionam para nós, humanos. Objetos, palavras, cores, músicas, letras, desenhos, ou seja, qualquer coisa, acrescida de um significado cultural compartilhado, pode se tornar um símbolo para um determinado grupo de pessoas.
A psicanálise entende que o homem, uma vez atravessado pelo inconsciente – que é a linguagem ou o corpo social que se inscreve em nós à revelia de nós mesmos – nunca mais poderá ter acesso à coisa em si; a das ding, para usar o termo freudiano, ou ao real, para usar um termo lacaniano. Ou seja, para nós, seres falantes, a coisa em si nunca poderá ser apreendida, o real nunca poderá ser acessado na medida em que estará sempre configurado pelo sentido e significado que damos a ele.
Fiz essa introdução para tratar do tema que dividiu opiniões na última semana: a quebra e manipulação de imagens de santos católicos por algumas militantes da Marcha das Vadias. Chamou minha atenção a tentativa de alguns em reduzir o peso do impacto que o ato causou em muitas pessoas, buscando descolar das imagens a simbologia que lhes é inerente. O argumento utilizado era que se tratava apenas de pedaços de cerâmica e que, em um local não sacralizado – a rua – perderiam seu significado religioso. Obviamente que, dentro da perspectiva que adotamos aqui, esse argumento carece de fundamento, até porque, se as manifestantes se dispuseram a realizar aquela performance com as imagens, é exatamente por saberem o simbolismo e o sentido que elas carregam. Caso fossem pedaços de cerâmica, o ato delas também não teria sentido algum.
Quem assistiu a queda do Muro de Berlim na década de 80, não duvida do impacto simbólico que foi ver centenas de alemães quebrando aqueles tijolos, simplesmente porque, todos sabíamos que não eram apenas tijolos que estavam sendo quebrados. Foi pelo mesmo motivo que as Torres Gêmeas do World Trade Center foram escolhidas para ser alvo dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, porque eram o símbolo do poderio econômico americano. Em todo mundo, são comuns manifestações em que se queimam bandeiras, que podem ser de países, partidos ou simplesmente de times de futebol. E as mulheres também já queimaram sutiãs, num ato simbólico contra a repressão feminina. Ou seja, a destruição ou profanação de símbolos sempre foi, e é, muito utilizada para desconstruir, questionar, protestar, demonstrar insatisfação e rebeldia, podemos citar um zilhão de exemplos ao longo da história, e não há dúvidas de que tais atos cumprem sua função que também nunca é real, mas sobretudo simbólica.
Num outro sentido de desconstrução de símbolos, nesse caso de uma forma, digamos, pacífica, está a postura do Papa Francisco e que assistimos de perto, também na última semana. Sem entrar no mérito da intenção do Papa, não pretende ser destituído de sentido que o líder máximo da Igreja Católica rejeite a cadeira, o manto, o anel, os sapatos, o tapete vermelho, o carro, a segurança, e todos os aparatos que estavam associados ao status, poderio e riqueza da Igreja e do Vaticano. Por mais que possamos duvidar das reais mudanças que possam ocorrer a partir disso, não dá pra negar a força desse ato simbólico e da sua repercussão.
Sendo assim, o que pretendo dizer é que da mesma maneira que os símbolos são criados, inventados e construídos, também podem – e invariavelmente até devem – ser quebrados, desinventados e destruídos. Então, a meu ver, nossa rejeição ou indignação quando se quebra um símbolo não deveria ser moral, mas estética. Ou seja, o problema não é que se quebrem certos símbolos, mas como isso é feito e por quem.
Por exemplo, imaginemos que o Wold Trade Center não tivesse sido destruído em 2001 e que em 2008 os milhares de americanos, vítimas da chamada bolha imobiliária, que tiveram suas casas hipotecadas tomadas pelos bancos, decidissem invadir o coração financeiro daquele país, ocupá-lo e quebrá-lo, assim como fizeram os franceses na “Tomada da Bastilha” no século XVIII. Obviamente que, esteticamente, esse ato teria um sentido totalmente diverso do que teve os atentados de 11 de setembro. Nesse caso, teria o mesmo sentido estético que teve a derrubada do Muro de Berlim, este porque foi feito por alemães e aquele porque foi feito por americanos. Do mesmo modo, a recusa dos símbolos tradicionais do Papa só tem valor estético porque são feitos por ele mesmo, estética que se perderia caso tais símbolos fossem roubados ou vandalizados por manifestantes de outra religião A queima de sutiãs pelas feministas da década de 60 foi um ato político belíssimo, porque tratava-se de um apetrecho feminino, queimado por mulheres.
Resumindo, entendo que são belos, mesmo os mais violentos atos de destruição de símbolos, desde que aconteçam de dentro para fora e não pela via da intervenção de outrem. Se conseguirmos nos livrar de moralismos tolos, entenderemos a beleza da nudez das mulheres na Marcha das Vadias com seus corpos cheios de inscrições, afinal são mulheres desnudando e escrevendo em seus próprios corpos, estética que se perderia se por acaso se tratasse mulheres obrigadas por outrem a andarem pelas ruas, nuas e pintadas. Sendo assim, caso um dia os católicos desejem questionar a função dos Santos dentro da sua fé religiosa e num ato de rebeldia façam uma procissão em que imagens sejam quebradas e profanadas, teremos um outro padrão estético de violência simbólica. No entanto,a performance das ativistas com os símbolos católicos foi, para mim, um desastre estético. Tão feio quanto o desempenho teatral daquele pastor que chutou a Santa num programa de TV há alguns anos atrás. Tão feia quanto a invasão de Terreiros de Candomblé por alguns evangélicos em Olinda, no ano passado.
Então, é importante, sim, que nós quebremos e queimemos nossos próprios símbolos e com eles os paradigmas e as verdades que precisem ser superadas a fim de fazermos desse mundo um lugar melhor para vivermos. Mas profanar e destruir símbolos alheios, ainda que se cumpra uma função de rebeldia, é de um mau-gosto colossal. E no meu entendimento, todo ato político que perde sua beleza estética perde com ela, muito de sua potência revolucionária.
psicanalista
Dias atrás ouvi a explicação de um militante do movimento negro - e, diga-se de passagem, uma belíssima explicação – sobre o sentido original das oferendas que as religiões afro-brasileiras utilizam em seus rituais, as que vulgarmente chamamos de macumbas. Ele explicou que, na época da escravidão, muitos negros fugiam para o mato na tentativa de se libertarem do jugo dos seus senhores e, antes de conseguirem fugir para algum Quilombo, ficavam próximos às fazendas, escondidos no meio da mata por dias e até semanas. As mulheres negras, na tentativa de auxiliar esses fugitivos a se manterem vivos até que pudessem partir definitivamente, deixavam tais oferendas pelas margens do caminho ou em locais combinados previamente (em baixo de um cruzeiro, numa encruzilhada, em baixo de uma árvore), oferendas que não eram nada mais do que comida e bebida preparadas para saciar a fome e a sede dos seus entes queridos. No entanto, para disfarçar sua atitude, diziam que os quitutes eram oferendas para os Santos ou Orixás, inventavam rituais e acendiam velas, um modo de sinalizar o local do alimento, especialmente à noite. E por meio dessa estratégia elas sabiam também, se os fugitivos já tinham seguido caminho ou se ainda estavam por ali, bastava observar no dia seguinte como estava o alimento que tinham deixado. O fato é que o que, inicialmente, foi uma estratégia de resistência dos negros escravizados, acabou sendo incorporado pelas religiões afro-brasileiras como ritual.
Eu nunca tinha ouvido essa história e achei de uma poesia infinita. Antes de tal explicação as macumbas não faziam nenhum sentido para mim, não continham nenhum significado, a não ser o de saber que eram significativas para a religião de alguns, o que sempre me impediu de ser desrespeitosa ou intolerante com elas. Mas agora, eu vejo as macumbas de um modo completamente novo. Passei a vê-las com grande respeito e até com reverência, porque agora elas me remetem à sabedoria e ao poder de invenção e resistência dos negros escravizados. As macumbas fazem todo o sentido para mim agora.
E é assim que os símbolos funcionam para nós, humanos. Objetos, palavras, cores, músicas, letras, desenhos, ou seja, qualquer coisa, acrescida de um significado cultural compartilhado, pode se tornar um símbolo para um determinado grupo de pessoas.
A psicanálise entende que o homem, uma vez atravessado pelo inconsciente – que é a linguagem ou o corpo social que se inscreve em nós à revelia de nós mesmos – nunca mais poderá ter acesso à coisa em si; a das ding, para usar o termo freudiano, ou ao real, para usar um termo lacaniano. Ou seja, para nós, seres falantes, a coisa em si nunca poderá ser apreendida, o real nunca poderá ser acessado na medida em que estará sempre configurado pelo sentido e significado que damos a ele.
Fiz essa introdução para tratar do tema que dividiu opiniões na última semana: a quebra e manipulação de imagens de santos católicos por algumas militantes da Marcha das Vadias. Chamou minha atenção a tentativa de alguns em reduzir o peso do impacto que o ato causou em muitas pessoas, buscando descolar das imagens a simbologia que lhes é inerente. O argumento utilizado era que se tratava apenas de pedaços de cerâmica e que, em um local não sacralizado – a rua – perderiam seu significado religioso. Obviamente que, dentro da perspectiva que adotamos aqui, esse argumento carece de fundamento, até porque, se as manifestantes se dispuseram a realizar aquela performance com as imagens, é exatamente por saberem o simbolismo e o sentido que elas carregam. Caso fossem pedaços de cerâmica, o ato delas também não teria sentido algum.
Quem assistiu a queda do Muro de Berlim na década de 80, não duvida do impacto simbólico que foi ver centenas de alemães quebrando aqueles tijolos, simplesmente porque, todos sabíamos que não eram apenas tijolos que estavam sendo quebrados. Foi pelo mesmo motivo que as Torres Gêmeas do World Trade Center foram escolhidas para ser alvo dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, porque eram o símbolo do poderio econômico americano. Em todo mundo, são comuns manifestações em que se queimam bandeiras, que podem ser de países, partidos ou simplesmente de times de futebol. E as mulheres também já queimaram sutiãs, num ato simbólico contra a repressão feminina. Ou seja, a destruição ou profanação de símbolos sempre foi, e é, muito utilizada para desconstruir, questionar, protestar, demonstrar insatisfação e rebeldia, podemos citar um zilhão de exemplos ao longo da história, e não há dúvidas de que tais atos cumprem sua função que também nunca é real, mas sobretudo simbólica.
Num outro sentido de desconstrução de símbolos, nesse caso de uma forma, digamos, pacífica, está a postura do Papa Francisco e que assistimos de perto, também na última semana. Sem entrar no mérito da intenção do Papa, não pretende ser destituído de sentido que o líder máximo da Igreja Católica rejeite a cadeira, o manto, o anel, os sapatos, o tapete vermelho, o carro, a segurança, e todos os aparatos que estavam associados ao status, poderio e riqueza da Igreja e do Vaticano. Por mais que possamos duvidar das reais mudanças que possam ocorrer a partir disso, não dá pra negar a força desse ato simbólico e da sua repercussão.
Sendo assim, o que pretendo dizer é que da mesma maneira que os símbolos são criados, inventados e construídos, também podem – e invariavelmente até devem – ser quebrados, desinventados e destruídos. Então, a meu ver, nossa rejeição ou indignação quando se quebra um símbolo não deveria ser moral, mas estética. Ou seja, o problema não é que se quebrem certos símbolos, mas como isso é feito e por quem.
Por exemplo, imaginemos que o Wold Trade Center não tivesse sido destruído em 2001 e que em 2008 os milhares de americanos, vítimas da chamada bolha imobiliária, que tiveram suas casas hipotecadas tomadas pelos bancos, decidissem invadir o coração financeiro daquele país, ocupá-lo e quebrá-lo, assim como fizeram os franceses na “Tomada da Bastilha” no século XVIII. Obviamente que, esteticamente, esse ato teria um sentido totalmente diverso do que teve os atentados de 11 de setembro. Nesse caso, teria o mesmo sentido estético que teve a derrubada do Muro de Berlim, este porque foi feito por alemães e aquele porque foi feito por americanos. Do mesmo modo, a recusa dos símbolos tradicionais do Papa só tem valor estético porque são feitos por ele mesmo, estética que se perderia caso tais símbolos fossem roubados ou vandalizados por manifestantes de outra religião A queima de sutiãs pelas feministas da década de 60 foi um ato político belíssimo, porque tratava-se de um apetrecho feminino, queimado por mulheres.
Resumindo, entendo que são belos, mesmo os mais violentos atos de destruição de símbolos, desde que aconteçam de dentro para fora e não pela via da intervenção de outrem. Se conseguirmos nos livrar de moralismos tolos, entenderemos a beleza da nudez das mulheres na Marcha das Vadias com seus corpos cheios de inscrições, afinal são mulheres desnudando e escrevendo em seus próprios corpos, estética que se perderia se por acaso se tratasse mulheres obrigadas por outrem a andarem pelas ruas, nuas e pintadas. Sendo assim, caso um dia os católicos desejem questionar a função dos Santos dentro da sua fé religiosa e num ato de rebeldia façam uma procissão em que imagens sejam quebradas e profanadas, teremos um outro padrão estético de violência simbólica. No entanto,a performance das ativistas com os símbolos católicos foi, para mim, um desastre estético. Tão feio quanto o desempenho teatral daquele pastor que chutou a Santa num programa de TV há alguns anos atrás. Tão feia quanto a invasão de Terreiros de Candomblé por alguns evangélicos em Olinda, no ano passado.
Então, é importante, sim, que nós quebremos e queimemos nossos próprios símbolos e com eles os paradigmas e as verdades que precisem ser superadas a fim de fazermos desse mundo um lugar melhor para vivermos. Mas profanar e destruir símbolos alheios, ainda que se cumpra uma função de rebeldia, é de um mau-gosto colossal. E no meu entendimento, todo ato político que perde sua beleza estética perde com ela, muito de sua potência revolucionária.
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