por Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista
Zapeando com o controle da TV, passei por um canal no qual um garoto propaganda apresentava seu produto e fazia a seguinte afirmação: “- Garantimos sua satisfação”. Num primeiro momento, achei graça da pretensão do fabricante do produto ou do idealizador da propaganda em garantir a satisfação do cliente, mas depois fiquei pensando que o ideal dessa nossa sociedade de consumo é mesmo esse: satisfação garantida. Nosso projeto de consumo é adquirir objetos, saberes ou bens que nos completem; que nos satisfaçam plenamente.
A economia marxiana se baseia na teoria da mais-valia, que diz mais ou menos o seguinte: No sistema capitalista, o trabalhador vende sua força de trabalho para o capitalista, entretanto, existe um quanto de trabalho que jamais será remunerado, ou seja, a força de trabalho despedida pelo trabalhador nunca será totalmente paga por meio do seu salário; a isso Marx chamou de mais-valia (o que ficará para sempre impagável). Estender o conceito de mais-valia na economia de nossas relações com as pessoas ou com os objetos-mercadoria é compreender que a tal satisfação garantida é algo que não se pode prometer.
Freud também dizia algo semelhante em sua teoria psicológica. Nesse caso, utilizou o conceito de impossibilidade para traduzir a economia das relações humanas. Freud afirmou certa vez que educar, governar, psicanalisar são tarefas impossíveis. O que ele quis dizer com essa afirmação é que mesmo com todos os nossos esforços e tentativas de obter pleno sucesso, ou satisfação garantida nessas tarefas, ainda sim, haverá algo que nunca ficará plenamente satisfeito; que é ineducável, ingovernável ou inanalisável.
Tanto Marx quanto Freud nos avisavam que essa idéia de satisfação garantida é um engodo. A sociedade de consumo, no entanto tenta nos vender, a todo tempo, esse engano; de que a satisfação garantida pode ser comprada e tem um preço e se ainda não a conquistamos é, tão somente, porque ainda não pudemos pagar por ela.
Assim, seguimos nesse ideal da sociedade de consumo, almejando-o em todos os campos. Exigimos satisfação garantida nas nossas relações familiares, amorosas, e sociais. Exigimos satisfação garantida em nosso trabalho e na nossa vida escolar ou de nossos filhos. Esperamos satisfação garantida até mesmo em situações de doença, separação e perda, ainda que a tal garantia de satisfação signifique assegurar alguma indenização em espécie. Seguimos acreditando que não há nada que não possa ser remendado, reparado, medicalizado, solucionado ou curado. Perdemos cada vez mais a capacidade de lidar com nossas insatisfações; tanto as pequenas e quanto as grandes.
Depois nos queixamos da incapacidade de nossas crianças e jovens em lidar com frustrações e fracassos. Estranhamos porque são violentos e impulsivos quando recebem um não. Não percebemos o quanto prometemos a eles um mundo de satisfação garantida, ou seja, que não os educamos para lidarem com seus fracassos e limitações, com as impossibilidades nossas de cada dia.
E ainda nos perguntamos: porque o uso de drogas se tornou tão problemático atualmente? Se em décadas anteriores tal comportamento tinha uma conotação revolucionária, de crítica social, hoje se tornou basicamente, um modo de responder a esse imperativo que nos governa. O uso de drogas dos nossos tempos, não é um ato rebelde, de busca de novas experiências ou transcendência psíquica, mas principalmente, uma busca desenfreada por satisfação garantida, transformando tal comportamento, não por acaso, num dos mais bem adaptados à sociedade de consumo. As drogas de hoje prometem: satisfação garantida e, além de tudo, imediata.
Mas porque será então que nunca estivemos tão insatisfeitos? Porque a promessa de satisfação garantida carrega consigo um paradoxo. Como se imagina que ela pode ser alcançada, o que é um engano, ficamos sempre com essa sensação de insatisfação, numa busca frenética por mais e mais. Consumir cada vez mais, objetos, bens, drogas ou saberes, na busca do tão sonhado ideal que garantiria plenamente nossa satisfação
Proponho que inauguremos uma nova ética, que eu chamaria de ética da satisfação contingente. Entenderíamos com essa nova ética que qualquer satisfação nunca poderá ser plenamente garantida, o que não quer dizer que ela não possa ser perseguida ou desejada, mas dessa vez com a consciência de que sempre será contingente, ou seja, duvidosa, eventual e incerta. Compreender que toda satisfação é apenas contingente, nos libertaria do mundo idealizado que perseguimos e abriria nossos olhos para aquelas satisfações que geralmente não nos contentam - imperfeitas, fugazes, às vezes estranhas – mas, dessa vez, repletas do mundo real, de possibilidades reais e, sobretudo, de pessoas reais.
domingo, 5 de junho de 2011
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Bullying e judicialização das relações pessoais
por Rita de Cássia de A Almeida
psicanalista
Bullying é o tema do momento. A palavra é inglesa e originária da palavra bully cuja tradução é valentão. Naturalmente que valentões e valentonas sempre existiram. E acredito que todos nós pelo menos em algum momento na vida fomos vítimas de algum valentão e/ou já nos comportamos como um. Mas porque será que o bullying se tornou um problema com tanto destaque nos últimos tempos, a ponto de parecer que ele só surgiu recentemente? Não tenho respostas formuladas para esta questão, mas acredito que haja um caldeirão favorável que faz com que o bullying esteja tão em voga.
Freud dizia que a fonte de maior sofrimento para nós é resultante de nossas relações com os outros já que, inevitavelmente e invariavelmente elas produzem alguma espécie de fracasso ou mal-estar. Vivemos, no entanto, numa era onde fracassos e mal-estares são completamente abominados. Então, se não há espaço para os mal-entendidos tudo precisa ficar sempre bem-entendido e, uma das formas que encontramos para aplacar os mal-entendidos da atualidade tem sido convocar rotineiramente o discurso judiciário para mediar nossas relações. A isso chamamos judicialização das relações pessoais. Mas, o perigo de sempre recorrer a este tipo de discurso para solucionar nossos problemas interpessoais é o de nos colocarmos sempre em lugares estanques e cristalizados; ou somos as vítimas ou somos seus algozes.
Permeado por um discurso fortemente judicializado torna-se preocupante a maneira como tem sido tratada a questão do que aprendemos a chamar de bullying. A exploração do tema tem se ocupado em dar voz a um exército infindável de pessoas que afirmam sofrerem ou terem sofrido esta forma de violência e que não se cansam de reafirmarem o lugar que foi definido para elas; o de vítimas. Os algozes por sua vez são os demônios do momento, execrados em suas condutas violentas e opressoras, mas que, afinal, apenas reproduzem as relações de poder que nossa sociedade semeia e reforça.
Tenho um filho adolescente. Certa vez, quando ele contava com uns 8 anos de idade, me relatou que havia um garoto em sua sala que o intimidava constantemente, com palavras e pequenas agressões. A meu pedido, ele me apontou o garoto na saída da escola que, como eu já suspeitava, tinha o dobro seu do tamanho. Me lembro que na hora em que vi o garoto, tive ímpetos de abordá-lo e tirar satisfações ou procurar os pais dele ou ainda me reportar à direção da escola. Ao contrário do que a grande maioria das pessoas pensa, mães psicólogas ou psicanalistas não pautam suas intervenções em teorias e fórmulas científicas. Educam como a maioria dos pais, baseados em seus saberes inconscientes, ou seja, saberes não teorizáveis e que foram adquiridos ao longo da vida. Sendo assim, com meu coração apertado e sem saber se estava tomando a melhor decisão, apenas disse ao meu filho algo mais ou menos assim: – Sei que este garoto tem o dobro do seu tamanho e sei que você está com medo dele, eu também teria se estivesse no seu lugar, mas também sei que você é muito mais inteligente que ele e vai saber resolver este problema. Passaram-se os dias e meu filho não se queixou mais do valentão. Certo dia, perguntei a ele se o garoto ainda o importunava e ele me disse: - Tudo bem, mãe. Eu já resolvi. Agora somos amigos. Perguntei como isso tinha acontecido e ele me disse com simplicidade: - Eu perguntei se ele queria ser meu amigo e ele aceitou.
Obviamente que ao fazer esta intervenção com meu filho eu jamais poderia imaginar o seu desdobramento, ainda mais um tão inusitado. Minha fantasia de solução transitava entre o final do filme Karatê-kid (onde o menino franzino finalmente dá uma surra no valentão) e uma revolução coletiva dos magrelos contra os fortões, liderada pelo meu filho, é claro. Hoje eu sei que a maneira que ele encontrou para resolver sua diferença com o valentão da sala foi invenção dele, mas também sei que ela só pôde acontecer porque eu, mesmo sem saber, permiti com minha maneira de intervir, que ele deixasse de ser apenas uma vítima dessa cena para também protagonizá-la. Se eu tivesse abordado o tal valentão, por exemplo, poderia até conseguir que ele deixasse de ser o algoz do meu filho, mas este jamais deixaria de ser a vítima.
Este é o problema das intervenções baseadas no discurso judicializado, elas apenas reforçam os papéis que já foram estabelecidos, sendo assim, as mudanças só ocorrem numa provável inversão de posições – como aconteceu no caso de Casey Haynes o menino gordinho que se tornou febre na internet depois de cansar de ser saco de pancadas e revidar em seu agressor – o que não modifica em nada o produto da relação, neste caso, violência.
Não pretendo de maneira nenhuma fazer deste relato uma receita para lidar com o bullying, pois, não acredito em receitas para educar e muito menos em receitas para resolver nossos mal-estares quotidianos. Mas, creio que devemos evitar intervenções que sirvam apenas para cristalizar e reforçar as pessoas em determinados lugares, dando a falsa impressão de que estamos tratando do problema. Sendo assim, coibir e punir os agressores pode até inibi-los em determinadas situações, mas não os fará questionar suas atitudes e sua posição perante o outro. Da mesma maneira, ter piedade e proteger as vítimas, não as fará experimentar posições subjetivas mais potentes e proativas.
Meu filho me ensinou muito em nossa experiência com o tal bullying, que na época nem tinha esse nome. Aprendi que muito além de agressores e agredidos, de vítimas e algozes, esta forma de mal-estar pode produzir algo muito mais interessante e positivo: amigos. E porque não? Sem esquecer que mesmo os amigos às vezes se desentendem.
psicanalista
Bullying é o tema do momento. A palavra é inglesa e originária da palavra bully cuja tradução é valentão. Naturalmente que valentões e valentonas sempre existiram. E acredito que todos nós pelo menos em algum momento na vida fomos vítimas de algum valentão e/ou já nos comportamos como um. Mas porque será que o bullying se tornou um problema com tanto destaque nos últimos tempos, a ponto de parecer que ele só surgiu recentemente? Não tenho respostas formuladas para esta questão, mas acredito que haja um caldeirão favorável que faz com que o bullying esteja tão em voga.
Freud dizia que a fonte de maior sofrimento para nós é resultante de nossas relações com os outros já que, inevitavelmente e invariavelmente elas produzem alguma espécie de fracasso ou mal-estar. Vivemos, no entanto, numa era onde fracassos e mal-estares são completamente abominados. Então, se não há espaço para os mal-entendidos tudo precisa ficar sempre bem-entendido e, uma das formas que encontramos para aplacar os mal-entendidos da atualidade tem sido convocar rotineiramente o discurso judiciário para mediar nossas relações. A isso chamamos judicialização das relações pessoais. Mas, o perigo de sempre recorrer a este tipo de discurso para solucionar nossos problemas interpessoais é o de nos colocarmos sempre em lugares estanques e cristalizados; ou somos as vítimas ou somos seus algozes.
Permeado por um discurso fortemente judicializado torna-se preocupante a maneira como tem sido tratada a questão do que aprendemos a chamar de bullying. A exploração do tema tem se ocupado em dar voz a um exército infindável de pessoas que afirmam sofrerem ou terem sofrido esta forma de violência e que não se cansam de reafirmarem o lugar que foi definido para elas; o de vítimas. Os algozes por sua vez são os demônios do momento, execrados em suas condutas violentas e opressoras, mas que, afinal, apenas reproduzem as relações de poder que nossa sociedade semeia e reforça.
Tenho um filho adolescente. Certa vez, quando ele contava com uns 8 anos de idade, me relatou que havia um garoto em sua sala que o intimidava constantemente, com palavras e pequenas agressões. A meu pedido, ele me apontou o garoto na saída da escola que, como eu já suspeitava, tinha o dobro seu do tamanho. Me lembro que na hora em que vi o garoto, tive ímpetos de abordá-lo e tirar satisfações ou procurar os pais dele ou ainda me reportar à direção da escola. Ao contrário do que a grande maioria das pessoas pensa, mães psicólogas ou psicanalistas não pautam suas intervenções em teorias e fórmulas científicas. Educam como a maioria dos pais, baseados em seus saberes inconscientes, ou seja, saberes não teorizáveis e que foram adquiridos ao longo da vida. Sendo assim, com meu coração apertado e sem saber se estava tomando a melhor decisão, apenas disse ao meu filho algo mais ou menos assim: – Sei que este garoto tem o dobro do seu tamanho e sei que você está com medo dele, eu também teria se estivesse no seu lugar, mas também sei que você é muito mais inteligente que ele e vai saber resolver este problema. Passaram-se os dias e meu filho não se queixou mais do valentão. Certo dia, perguntei a ele se o garoto ainda o importunava e ele me disse: - Tudo bem, mãe. Eu já resolvi. Agora somos amigos. Perguntei como isso tinha acontecido e ele me disse com simplicidade: - Eu perguntei se ele queria ser meu amigo e ele aceitou.
Obviamente que ao fazer esta intervenção com meu filho eu jamais poderia imaginar o seu desdobramento, ainda mais um tão inusitado. Minha fantasia de solução transitava entre o final do filme Karatê-kid (onde o menino franzino finalmente dá uma surra no valentão) e uma revolução coletiva dos magrelos contra os fortões, liderada pelo meu filho, é claro. Hoje eu sei que a maneira que ele encontrou para resolver sua diferença com o valentão da sala foi invenção dele, mas também sei que ela só pôde acontecer porque eu, mesmo sem saber, permiti com minha maneira de intervir, que ele deixasse de ser apenas uma vítima dessa cena para também protagonizá-la. Se eu tivesse abordado o tal valentão, por exemplo, poderia até conseguir que ele deixasse de ser o algoz do meu filho, mas este jamais deixaria de ser a vítima.
Este é o problema das intervenções baseadas no discurso judicializado, elas apenas reforçam os papéis que já foram estabelecidos, sendo assim, as mudanças só ocorrem numa provável inversão de posições – como aconteceu no caso de Casey Haynes o menino gordinho que se tornou febre na internet depois de cansar de ser saco de pancadas e revidar em seu agressor – o que não modifica em nada o produto da relação, neste caso, violência.
Não pretendo de maneira nenhuma fazer deste relato uma receita para lidar com o bullying, pois, não acredito em receitas para educar e muito menos em receitas para resolver nossos mal-estares quotidianos. Mas, creio que devemos evitar intervenções que sirvam apenas para cristalizar e reforçar as pessoas em determinados lugares, dando a falsa impressão de que estamos tratando do problema. Sendo assim, coibir e punir os agressores pode até inibi-los em determinadas situações, mas não os fará questionar suas atitudes e sua posição perante o outro. Da mesma maneira, ter piedade e proteger as vítimas, não as fará experimentar posições subjetivas mais potentes e proativas.
Meu filho me ensinou muito em nossa experiência com o tal bullying, que na época nem tinha esse nome. Aprendi que muito além de agressores e agredidos, de vítimas e algozes, esta forma de mal-estar pode produzir algo muito mais interessante e positivo: amigos. E porque não? Sem esquecer que mesmo os amigos às vezes se desentendem.
quinta-feira, 21 de abril de 2011
“O SUS que não se vê”
por Rita de Cássia de Araújo Almeida
trabalhadora e usuária do SUS
Este mês a Revista Radis da Fiocruz publicou excelente matéria intitulada: “O SUS que não se vê” que trata de mostrar o real tamanho e abrangência do Sistema Único de Saúde. O ensaio se baseia em dados colhidos por pesquisa do IPEA, publicados em fevereiro. Segundo tais dados cerca de 34% da população afirma nunca ter utilizado o SUS e também revelam um dado curioso: o sistema de saúde brasileiro é mais bem avaliado por aqueles que costumam utilizá-lo. Partindo de tais dados a publicação propõe algumas discussões interessantes que desmistificam equívocos e preconceitos relacionados à idéia que a maioria de nós faz do nosso sistema público de saúde.
O primeiro, e possivelmente o maior equívoco deles, é acreditar ser possível que algum brasileiro não seja usuário do SUS. O sistema faz parte do dia a dia de todos nós, mesmo que, às vezes, de maneira invisível. Utilizamos o SUS ao almoçarmos em um restaurante e ao adquirimos produtos alimentícios e medicamentos, por exemplo, pois todas as ações de vigilância sanitária são atribuições do SUS. As campanhas de vacinação para controle e erradicação de doenças, propagandas e campanhas educativas para prevenção de doenças e agravos à saúde, pesquisa e produção de medicamentos e terapêuticas, além de acesso a tratamentos de alta complexidade, especialmente aqueles que não interessam ao sistema privado, são algumas das ações do SUS que a maioria desconhece. Sendo assim, ao contrário do que se imagina, o SUS não se limita aos atendimentos oferecidos nos postos de saúde ou hospitais públicos, sua abrangência é de tal proporção que é impossível que algum brasileiro possa dizer que nunca tenha utilizado o sistema.
Quando discute o nível de satisfação dos brasileiros com o SUS a pesquisa é ainda mais reveladora: o índice de satisfação do brasileiro é maior entre os que se dizem usuários do sistema, enquanto que o percentual dos que o consideram ruim ou muito ruim é maior entre os que afirmam não fazerem uso dele. Partindo desta constatação a matéria abre uma discussão importante sobre a influência da mídia na opinião da população a respeito do SUS. A revista denuncia uma “má vontade” da grande imprensa para com o SUS, na medida em que se interessa preferencialmente por relatos e imagens de pessoas afetadas pelas falhas do sistema, ao mesmo tempo em que não atribui ao mesmo as ações que dão certo e os indicadores positivos resultantes de tais ações.
O SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, invejado por outros países como os EUA, por exemplo. Tem um programa de imunização de doenças que é um sucesso, sendo o responsável pela erradicação de várias delas. O impacto do SUS na redução da mortalidade infantil é indiscutível. O Brasil tem um sistema de tratamento e prevenção de HIV/aids exemplar e é o sistema público que mais faz transplantes e hemodiálises no mundo todo, incluindo a manutenção de uma rede de doadores com excelência em tecnologia. Grande parte das intervenções de alta complexidade, especialmente aquelas que não são de interesse do sistema privado, por serem muito dispendiosas, ficam a cargo do SUS. A Farmácia Popular não beneficia apenas os que têm acesso à medicação gratuita, ao impulsionar a expansão do mercado, promove também a queda dos preços para os demais consumidores. Essas são algumas das informações positivas a respeito do SUS que são pouco divulgadas na mídia, ou quando são divulgadas não são atribuídas como ações do SUS.
A matéria defende que essa propaganda negativa do SUS se deve, em parte, por uma orientação ideológica neoliberal, cujo interesse é sustentar o discurso de que o público não funciona. Seduzida por tal discurso a classe média vem cada vez mais procurando pelos planos de saúde, acreditando que desta maneira não precisará utilizar o SUS e reforçando uma idéia que precisa perder força: a de que “o SUS é para os pobres”.
Sabe-se, no entanto, que a cobertura dos planos de saúde se dedica basicamente a consultas e exames ou tratamentos de baixo custo, ou seja, aqueles procedimentos que trazem mais lucros para as seguradoras. Os demais, por necessitarem de maior abrangência ou complexidade, e que obviamente os planos não cobrem por serem muito caros, ficam a cargo do SUS. Para se ter uma idéia, segundo o Ministério da Saúde, há uma estimativa de que cerca de 20% dos usuários de planos de saúde se utilizam dos serviços hospitalares do SUS, o que equivale a um custo que pode chegar a 1 bilhão por ano, custo que não é ressarcido ao SUS pelas seguradoras.
A idealização do SUS tem raízes numa concepção de saúde integral, solidária, humanitária, democrática e que não seja objeto das leis do mercado. Esse diferencial já seria suficiente para defendermos o SUS como patrimônio nacional, estabelecendo com ele uma noção maior de pertencimento e agregando-lhe o valor que realmente merece. Entender que “o SUS é nosso” se faz fundamental para militarmos em sua defesa, a fim de lhe garantir financiamento adequado e melhoria na qualidade de seus serviços e ações. Por isso, se lhe perguntarem se você é usuário do SUS não se envergonhe em dizer que sim. O Brasil agradece.
trabalhadora e usuária do SUS
Este mês a Revista Radis da Fiocruz publicou excelente matéria intitulada: “O SUS que não se vê” que trata de mostrar o real tamanho e abrangência do Sistema Único de Saúde. O ensaio se baseia em dados colhidos por pesquisa do IPEA, publicados em fevereiro. Segundo tais dados cerca de 34% da população afirma nunca ter utilizado o SUS e também revelam um dado curioso: o sistema de saúde brasileiro é mais bem avaliado por aqueles que costumam utilizá-lo. Partindo de tais dados a publicação propõe algumas discussões interessantes que desmistificam equívocos e preconceitos relacionados à idéia que a maioria de nós faz do nosso sistema público de saúde.
O primeiro, e possivelmente o maior equívoco deles, é acreditar ser possível que algum brasileiro não seja usuário do SUS. O sistema faz parte do dia a dia de todos nós, mesmo que, às vezes, de maneira invisível. Utilizamos o SUS ao almoçarmos em um restaurante e ao adquirimos produtos alimentícios e medicamentos, por exemplo, pois todas as ações de vigilância sanitária são atribuições do SUS. As campanhas de vacinação para controle e erradicação de doenças, propagandas e campanhas educativas para prevenção de doenças e agravos à saúde, pesquisa e produção de medicamentos e terapêuticas, além de acesso a tratamentos de alta complexidade, especialmente aqueles que não interessam ao sistema privado, são algumas das ações do SUS que a maioria desconhece. Sendo assim, ao contrário do que se imagina, o SUS não se limita aos atendimentos oferecidos nos postos de saúde ou hospitais públicos, sua abrangência é de tal proporção que é impossível que algum brasileiro possa dizer que nunca tenha utilizado o sistema.
Quando discute o nível de satisfação dos brasileiros com o SUS a pesquisa é ainda mais reveladora: o índice de satisfação do brasileiro é maior entre os que se dizem usuários do sistema, enquanto que o percentual dos que o consideram ruim ou muito ruim é maior entre os que afirmam não fazerem uso dele. Partindo desta constatação a matéria abre uma discussão importante sobre a influência da mídia na opinião da população a respeito do SUS. A revista denuncia uma “má vontade” da grande imprensa para com o SUS, na medida em que se interessa preferencialmente por relatos e imagens de pessoas afetadas pelas falhas do sistema, ao mesmo tempo em que não atribui ao mesmo as ações que dão certo e os indicadores positivos resultantes de tais ações.
O SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, invejado por outros países como os EUA, por exemplo. Tem um programa de imunização de doenças que é um sucesso, sendo o responsável pela erradicação de várias delas. O impacto do SUS na redução da mortalidade infantil é indiscutível. O Brasil tem um sistema de tratamento e prevenção de HIV/aids exemplar e é o sistema público que mais faz transplantes e hemodiálises no mundo todo, incluindo a manutenção de uma rede de doadores com excelência em tecnologia. Grande parte das intervenções de alta complexidade, especialmente aquelas que não são de interesse do sistema privado, por serem muito dispendiosas, ficam a cargo do SUS. A Farmácia Popular não beneficia apenas os que têm acesso à medicação gratuita, ao impulsionar a expansão do mercado, promove também a queda dos preços para os demais consumidores. Essas são algumas das informações positivas a respeito do SUS que são pouco divulgadas na mídia, ou quando são divulgadas não são atribuídas como ações do SUS.
A matéria defende que essa propaganda negativa do SUS se deve, em parte, por uma orientação ideológica neoliberal, cujo interesse é sustentar o discurso de que o público não funciona. Seduzida por tal discurso a classe média vem cada vez mais procurando pelos planos de saúde, acreditando que desta maneira não precisará utilizar o SUS e reforçando uma idéia que precisa perder força: a de que “o SUS é para os pobres”.
Sabe-se, no entanto, que a cobertura dos planos de saúde se dedica basicamente a consultas e exames ou tratamentos de baixo custo, ou seja, aqueles procedimentos que trazem mais lucros para as seguradoras. Os demais, por necessitarem de maior abrangência ou complexidade, e que obviamente os planos não cobrem por serem muito caros, ficam a cargo do SUS. Para se ter uma idéia, segundo o Ministério da Saúde, há uma estimativa de que cerca de 20% dos usuários de planos de saúde se utilizam dos serviços hospitalares do SUS, o que equivale a um custo que pode chegar a 1 bilhão por ano, custo que não é ressarcido ao SUS pelas seguradoras.
A idealização do SUS tem raízes numa concepção de saúde integral, solidária, humanitária, democrática e que não seja objeto das leis do mercado. Esse diferencial já seria suficiente para defendermos o SUS como patrimônio nacional, estabelecendo com ele uma noção maior de pertencimento e agregando-lhe o valor que realmente merece. Entender que “o SUS é nosso” se faz fundamental para militarmos em sua defesa, a fim de lhe garantir financiamento adequado e melhoria na qualidade de seus serviços e ações. Por isso, se lhe perguntarem se você é usuário do SUS não se envergonhe em dizer que sim. O Brasil agradece.
segunda-feira, 21 de março de 2011
“Yes, we can”.
por Rita de Cássia de Araújo Almeida
psicanalista e cidadã do mundo
“Yes, we can”. Este foi o lema da campanha presidencial de Barack Obama em 2009. A intenção era obvia: transmitir uma mensagem de esperança e motivação endereçada ao povo americano, mas, também não deixou de ser um recado ao mundo, uma forma de reafirmar o poderio americano depois de uma década de desgastes e crises .
Obviamente que esse lema carrega o brio e a capacidade de superação do povo americano, qualidades capazes de fortalecer e enobrecer qualquer país do mundo, e das quais ninguém duvida. E mesmo com todos os abalos políticos e econômicos sofridos nos últimos anos, os EUA ainda se mantêm como a nação mais poderosa do mundo. Enfim, todos sabemos do que podem os EUA. Entretanto, o que esperávamos com o final da Era Bush é que os Estados Unidos começassem a entender algo a respeito do que eles não podem.
Primeiramente os EUA não podem continuar acreditando, defendendo e se baseando na idéia de que o que é bom para eles é bom para outros povos ou para o mundo. Tal premissa, preconceituosa, etnocêntrica e prepotente, lamentavelmente reafirmada por Obama, impede que os Estados Unidos entendam que não podem tratar os demais países como meros coadjuvantes de uma cena onde eles são a personagem principal.
Os EUA não podem manter medidas protecionistas que resguardam seus produtos e provocam concorrência desleal no mercado mundial, prejudicando os demais países.
Os EUA não podem simplesmente desconsiderar ou desrespeitar os protocolos internacionais assinados para tentar reduzir a poluição e a devastação do meio ambiente, apenas para preservarem sua própria economia.
Os EUA não podem manter embargos econômicos, com o de Cuba, por exemplo, sob a justificativa de não concordarem com esta ou aquela concepção ou diretriz política e econômica.
Os EUA não podem desrespeitar a soberania de países independentes sob quaisquer alegações, não podem tratá-los como se fossem o quintal de sua própria casa.
Os EUA não podem mais defender e sustentar a idéia de que é possível resolver divergências ou impasses na política mundial por meio de intervenções militares. Não podem promover e sustentar guerras, especialmente sob a falsa alegação de que são em nome da liberdade, da democracia ou da paz.
Todos sabemos que os EUA e o povo americano podem muito, mas estamos especialmente interessados que eles compreendam que, ainda sim, não podem muitas coisas.
A vitória de Obama representava para o mundo a derrocada do conservadorismo de direita de Bush e o fim de uma política externa carregada e intolerância política e religiosa,arrogância e violência. Obama é, sem dúvida alguma, bem mais simpático e carismárico que Bush e tem um discurso bem mais ameno, entretanto, na prática,infelizmente, ele não tem feito muito diferente de seu antecessor. Continua preso à sua máxima de campanha que diz que sim, os americanos podem, esquecendo-se de considerar que os outros povos também podem: os libios podem, os palestinos podem, os mexicanos, os brasileiros, os cubanos,os iranianos, os russos e os coreanos também podem. Esperávamos que com Obama, os EUA deixassem de lado a idéia de que o mundo gira em torno deles, mas, parece que ainda não foi desta vez.
psicanalista e cidadã do mundo
“Yes, we can”. Este foi o lema da campanha presidencial de Barack Obama em 2009. A intenção era obvia: transmitir uma mensagem de esperança e motivação endereçada ao povo americano, mas, também não deixou de ser um recado ao mundo, uma forma de reafirmar o poderio americano depois de uma década de desgastes e crises .
Obviamente que esse lema carrega o brio e a capacidade de superação do povo americano, qualidades capazes de fortalecer e enobrecer qualquer país do mundo, e das quais ninguém duvida. E mesmo com todos os abalos políticos e econômicos sofridos nos últimos anos, os EUA ainda se mantêm como a nação mais poderosa do mundo. Enfim, todos sabemos do que podem os EUA. Entretanto, o que esperávamos com o final da Era Bush é que os Estados Unidos começassem a entender algo a respeito do que eles não podem.
Primeiramente os EUA não podem continuar acreditando, defendendo e se baseando na idéia de que o que é bom para eles é bom para outros povos ou para o mundo. Tal premissa, preconceituosa, etnocêntrica e prepotente, lamentavelmente reafirmada por Obama, impede que os Estados Unidos entendam que não podem tratar os demais países como meros coadjuvantes de uma cena onde eles são a personagem principal.
Os EUA não podem manter medidas protecionistas que resguardam seus produtos e provocam concorrência desleal no mercado mundial, prejudicando os demais países.
Os EUA não podem simplesmente desconsiderar ou desrespeitar os protocolos internacionais assinados para tentar reduzir a poluição e a devastação do meio ambiente, apenas para preservarem sua própria economia.
Os EUA não podem manter embargos econômicos, com o de Cuba, por exemplo, sob a justificativa de não concordarem com esta ou aquela concepção ou diretriz política e econômica.
Os EUA não podem desrespeitar a soberania de países independentes sob quaisquer alegações, não podem tratá-los como se fossem o quintal de sua própria casa.
Os EUA não podem mais defender e sustentar a idéia de que é possível resolver divergências ou impasses na política mundial por meio de intervenções militares. Não podem promover e sustentar guerras, especialmente sob a falsa alegação de que são em nome da liberdade, da democracia ou da paz.
Todos sabemos que os EUA e o povo americano podem muito, mas estamos especialmente interessados que eles compreendam que, ainda sim, não podem muitas coisas.
A vitória de Obama representava para o mundo a derrocada do conservadorismo de direita de Bush e o fim de uma política externa carregada e intolerância política e religiosa,arrogância e violência. Obama é, sem dúvida alguma, bem mais simpático e carismárico que Bush e tem um discurso bem mais ameno, entretanto, na prática,infelizmente, ele não tem feito muito diferente de seu antecessor. Continua preso à sua máxima de campanha que diz que sim, os americanos podem, esquecendo-se de considerar que os outros povos também podem: os libios podem, os palestinos podem, os mexicanos, os brasileiros, os cubanos,os iranianos, os russos e os coreanos também podem. Esperávamos que com Obama, os EUA deixassem de lado a idéia de que o mundo gira em torno deles, mas, parece que ainda não foi desta vez.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
O adeus de Ronaldo.
por: Rita de Cássia de A Almeida
psicanalista e fã de Ronaldo
Esta semana Ronaldo – o fenômeno – discursou emocionado em entrevista que marcou o encerramento de sua brilhante carreira como jogador de futebol. Ao tentar explicar o inexplicável e o inevitável fato de ter que “pendurar as chuteiras” aos 34 anos, Ronaldo afirmou: “Meu corpo me venceu”. Dentre as muitas coisas interessantes e bonitas ditas por Ronaldo na ocasião desta entrevista, esta frase é particularmente arrebatadora. Afinal, é certo que corpo sempre nos vence; a todos nós. O corpo é o nosso limite.
Apesar disso, insistimos em viver a ilusão do corpo sem limites. Desejamos um corpo saudável, perfeito e, sobretudo, eterno. Por isso rejeitamos a dor, o sofrimento, as marcas da idade e quaisquer imperfeições ou fracassos que nos levem a constatar a mais pura das verdades: somos todos limitados. O corpo venceu Ronaldo e, em última análise sempre vence a todos nós. Não somos tão saudáveis quanto poderíamos e nem tão belos quanto desejaríamos. Padecemos de dores e imperfeições. Invariavelmente fracassamos. Envelhecemos, morremos. Ou seja, por mais que busquemos alargar o limite da nossa invencibilidade, ainda sim o corpo sempre nos vence.
Certamente, esta é uma constatação angustiante para a grande maioria nós ou mesmo insuportável para alguns. O discurso emocionado de Ronaldo é testemunha disso. Do quanto pode ser sofrido admitir e assumir fracassos, tanto aqueles impostos por nosso corpo, quanto quaisquer outros. Mas, por outro lado, somente aqueles que conseguem chegar ao ponto de assumir seus próprios limites e fracassos serão capazes de atravessá-los para alcançar a outra margem.
A Mitologia Grega descreve seus grandes heróis como aqueles que conseguiram atravessar os sofrimentos, provações e limitações impostas pela condição humana, para se transformarem. Mas, lembramos que atravessar limites não é o mesmo que evitá-los ou desconsiderá-los. Atravessar não é driblar ou mascarar. Atravessar também não é se tornar vítima de seus limites. Atravessar é constatar que o limite existe, encará-lo e prosseguir; com ele e apesar dele.
Quem escutou toda a entrevista de Ronaldo teve a oportunidade de assistir o belo testemunho de uma autêntica travessia. Em certo momento ele afirma que o que está fazendo é o anuncio de sua primeira morte, para logo em seguida dizer: “ainda quero muito”. Isso sim é atravessar um limite. É ter vontade e força para prosseguir mesmo depois de aceitá-lo.
Infelizmente, temos optado por uma vida anestesiada, medicalizada, vitimizada, “botoxizada”, turbinada, homogeneizada, sem sobressaltos ou riscos e, de preferência, livre de imperfeições e fracassos. A pílula azul que promete dar adeus ao fantasma do fracasso sexual, talvez seja o retrato da maneira como estamos lidando com nossos mal-estares. E assim seguimos, escolhendo negar nossos limites e com eles jogando fora a oportunidade de fazer a travessia própria da condição humana; limitada e imperfeita, mas ainda sim, bela e vitoriosa.
Obrigada, Ronaldo. Pelos dribles, pelos gols, pelas vitórias e especialmente, por nos revelar o que uma vida precisa pra valer a pena: “Tive muitas derrotas, infinitas vitórias e fiz muitos amigos”. Quem precisa mais que isso?
psicanalista e fã de Ronaldo
Esta semana Ronaldo – o fenômeno – discursou emocionado em entrevista que marcou o encerramento de sua brilhante carreira como jogador de futebol. Ao tentar explicar o inexplicável e o inevitável fato de ter que “pendurar as chuteiras” aos 34 anos, Ronaldo afirmou: “Meu corpo me venceu”. Dentre as muitas coisas interessantes e bonitas ditas por Ronaldo na ocasião desta entrevista, esta frase é particularmente arrebatadora. Afinal, é certo que corpo sempre nos vence; a todos nós. O corpo é o nosso limite.
Apesar disso, insistimos em viver a ilusão do corpo sem limites. Desejamos um corpo saudável, perfeito e, sobretudo, eterno. Por isso rejeitamos a dor, o sofrimento, as marcas da idade e quaisquer imperfeições ou fracassos que nos levem a constatar a mais pura das verdades: somos todos limitados. O corpo venceu Ronaldo e, em última análise sempre vence a todos nós. Não somos tão saudáveis quanto poderíamos e nem tão belos quanto desejaríamos. Padecemos de dores e imperfeições. Invariavelmente fracassamos. Envelhecemos, morremos. Ou seja, por mais que busquemos alargar o limite da nossa invencibilidade, ainda sim o corpo sempre nos vence.
Certamente, esta é uma constatação angustiante para a grande maioria nós ou mesmo insuportável para alguns. O discurso emocionado de Ronaldo é testemunha disso. Do quanto pode ser sofrido admitir e assumir fracassos, tanto aqueles impostos por nosso corpo, quanto quaisquer outros. Mas, por outro lado, somente aqueles que conseguem chegar ao ponto de assumir seus próprios limites e fracassos serão capazes de atravessá-los para alcançar a outra margem.
A Mitologia Grega descreve seus grandes heróis como aqueles que conseguiram atravessar os sofrimentos, provações e limitações impostas pela condição humana, para se transformarem. Mas, lembramos que atravessar limites não é o mesmo que evitá-los ou desconsiderá-los. Atravessar não é driblar ou mascarar. Atravessar também não é se tornar vítima de seus limites. Atravessar é constatar que o limite existe, encará-lo e prosseguir; com ele e apesar dele.
Quem escutou toda a entrevista de Ronaldo teve a oportunidade de assistir o belo testemunho de uma autêntica travessia. Em certo momento ele afirma que o que está fazendo é o anuncio de sua primeira morte, para logo em seguida dizer: “ainda quero muito”. Isso sim é atravessar um limite. É ter vontade e força para prosseguir mesmo depois de aceitá-lo.
Infelizmente, temos optado por uma vida anestesiada, medicalizada, vitimizada, “botoxizada”, turbinada, homogeneizada, sem sobressaltos ou riscos e, de preferência, livre de imperfeições e fracassos. A pílula azul que promete dar adeus ao fantasma do fracasso sexual, talvez seja o retrato da maneira como estamos lidando com nossos mal-estares. E assim seguimos, escolhendo negar nossos limites e com eles jogando fora a oportunidade de fazer a travessia própria da condição humana; limitada e imperfeita, mas ainda sim, bela e vitoriosa.
Obrigada, Ronaldo. Pelos dribles, pelos gols, pelas vitórias e especialmente, por nos revelar o que uma vida precisa pra valer a pena: “Tive muitas derrotas, infinitas vitórias e fiz muitos amigos”. Quem precisa mais que isso?
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