"O que move um brasileiro urbano, não índio, a agregar “guarani kaiowa” ao seu nome no Twitter e no Facebook?"
Este texto é um depoimento que escrevi à convite de Eliane Brum, jornalista da Revista Época. Para construir sua coluna semanal ela solicitou que algumas pessoas respondessem as perguntas abaixo. Parte da minha resposta - que você lê agora na íntegra - foi publicada no artigo: Sobrenome: “Guarani Kaiowa”
Por que você acrescentou "guarani kaiowá" ao seu nome no twitter (e também feicibuqui?)? O que significa para um não índio como você dizer "SOU guarani kaiowá"/ se identificar como guarani kaiowá?
Decidi mudar meu nome virtual a partir de um convite de mobilização no feicebuque, e por meio do qual tomei conhecimento da carta da comunidade guarani-kaiowa enviada ao governo e a justiça do Brasil. O que mais me comoveu na carta foi quando ela diz: “Decretem nossa morte coletiva, enterrem-nos aqui” Sou uma profissional da saúde mental do SUS (psicóloga/psicanalista), lido todos os dias com o sofrimento das pessoas e não é incomum termos que lidar com essa radicalidade que é o desejo ou o ato de uma pessoa de por fim à própria vida. E isso sempre acontece quando a pessoa não enxerga nenhuma saída, nenhum caminho possível para sair do seu tormento. Quando a única saída pensada pelo sujeito é a morte é porque o seu sofrimento é muito, muito intenso, o que torna a nossa intervenção profissional extremamente difícil e delicada, além de nos colocar diante de um enorme sentimento de impotência e desimportância. Então, por me sentir sensibilizada com o sofrimento daquelas pessoas, por pensar que como profissional da saúde mental não poderia me silenciar, decidi participar da mobilização que era possível para mim naquele momento, no caso: mudar meu sobrenome. A partir desse ato, comecei a me interessar mais pelo tema, discutir e provocar o tema na minha rede de contatos da maneira que podia e, ainda, compartilhar minhas impressões também fora do campo virtual.
Algumas pessoas criticam as relações virtuais porque pensam nelas como uma espécie de fumaça. Como se este tipo de experiência não tocasse nosso corpo, nossa vida, nosso cotidiano, mas que bobagem....claro que tocam! No ambiente virtual nos apaixonamos, fazemos amizade, criamos conflitos, nos decepcionamos, aprendemos, desaprendemos, no meio virtual podemos ser educados, solidários perversos, desinteressados, egocêntricos, paranóicos, engraçados...e podemos sim, fazer manifestações e ativismo. Li durante as últimas semanas muitas opiniões, na própria internet, que criticavam essa iniciativa, debochando, menosprezando e até xingando os participantes do que eles chamam “ativismo de sofá” ou “ativismo de butique”, como se fosse um ativismo de mentirinha. Já passou da hora de compreendermos que a internet e as redes sociais são formas vivas e legitimas de interação e comunicação, modos de fazermos laço social (como dizemos em linguagem psicanalítica), e assim como qualquer outra forma de laço, tem suas virtudes e também limitações e mal-entendidos. E nesses enlaçamentos podemos, sim, promover dentre tantas outras coisas, mobilizações vivas e potentes, que tanto podem permanecer apenas no campo virtual, quanto transbordar dessa virtualidade e “tomar corpo”.
Obviamente que nem todas as pessoas que participam desses movimentos vão tomá-lo da mesma forma, pelo mesmo motivo e com a mesma dedicação ou paixão. E nem todas essas manifestações terão o sucesso o pretendido, assim como nem todas as pessoas as compreenderão da mesma maneira. E também haverá pessoas e/ou instituições que tentarão fazer um uso torpe desse movimento. Mas, e daí? Isso não acontece também nos ativismos fora da internet?
A questão de incluir o sobrenome guarani-kaiwoá não teve pra mim o sentido de identificação. Não sou uma índia, não sou uma guarani-kaiwoá, nem saberia ser, obviamente, tenho consciência disso. Também sei que não sendo um deles não poderia me apropriar do discurso deles, sendo assim, não me sinto autorizada discursar POR eles, PARA eles ou SOBRE eles, (os guarani-kaiwoá) mas posso sim, discursar COM eles. Foi por isso que mudei meu nome, para participar da mobilização da maneira que pudesse participar, e porque entendi que, com este ato, poderia estar com eles de alguma maneira, compartilhando seu sofrimento e também sua luta por dias melhores. E afinal, essa também não é a luta de todos nós? Dias melhores?
Por que essa mobilização da sociedade acontece agora, neste momento histórico, apesar de o genocídio se desenrolar há décadas?
Não sei te dizer o motivo pelo qual esta mobilização aconteceu agora, talvez seja porque a carta dos guarani-kaiowá tenha realmente produzido um impacto, como se ela fosse um grito tão alto que nós não pudéssemos mais fingir que não ouvimos. Isso porque acredito que toda essa mobilização surgiu a partir da divulgação da carta.
Sou militante do movimento antimanicomial (nascido há mais de 20 anos, quando ainda não havia internet). Durante décadas os chamados doentes mentais ficaram encarcerados nos hospitais psiquiátricos, sofrendo maus tratos, tratamentos violentos e morrendo de desnutrição e diarréia por não terem direito as condições básicas de alimentação e saneamento. É claro que as críticas e descontentamento com esse modelo de tratamento já existiam, mas no entanto, foi a partir de um episódio específico que o movimento de luta contra o modelo manicomial tomou corpo. Nesse caso o gatilho disparador foi a divulgação do documentário “Em nome da razão” (1979) de Helvécio Ratton, que retratava a tragédia vivida pelos milhares de internos do Hospital Colônia de Barbacena, MG. O que quero dizer é que em todo tipo de ativismo e movimento social pode haver este momento pontual a partir do qual um gatilho é disparado. Acredito que isso aconteceu também no caso dos guarani-kaiowás, a partir da divulgação da carta.
(Nem preciso dizer que fiquei muito feliz e honrada em participar COM Eliane Brum na construção desta coluna que eu tanto admiro)
link para artigo de Eliane Brum na íntegra:
http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/11/sobrenome-guarani-kaiowa.html
foi maravilhoso adorei ler seu artigo, um beijo de patricia tomimura
ResponderExcluiradorei ler o artigo
ResponderExcluirRita,
ResponderExcluirÉ isso. Branco/cara pálida pode defender direito de outras etnias e a agregação do nome tribal é um gesto de participação. Co-participação por uma causa. Tá ligada, mana Kamayurá?
Há tempos atrás, negros usavam a camiseta "cem por cento negro", o que seria uma presunção genética absurda, mas que fazia sentido [naquele contexto] como "resistência". O negro "puro sangue" [sic] não se acha nem no coração da África, o que dirá neste país miscigenado. O melhor mesmo é cada qual "também defender o direito dos demais", para evitarmos a necessidade [imperiosa!] de construção de "guetos de auto-defesa": a versão coletivizada do "cada um por si".
Assumir causas grupais, mesmo não sendo um membro específico do grupo em questão, é mais do que tolerar a diferença: é prezá-la.
Um beijo.