por: Rita de Cássia de Araújo Almeida
trabalhadora do lar e fora do lar
A década de 60 inaugurou a “queima de sutiãs” como ato simbólico da luta das mulheres contra a opressão. Décadas depois podemos dizer que nós mulheres tivemos muitos êxitos, conquistamos espaço e direitos, especialmente no espaço “fora do lar”. No entanto, dentro dos nossos lares a coisa não mudou muito, continuamos sendo oprimidas, principalmente pelo que chamamos de dupla ou até tripla jornada de trabalho. Para as que trabalham fora e não podem pagar por uma empregada (e a tendência é que este seja cada vez mais um artigo de luxo) o trabalho doméstico é uma sobrecarga que oprime e restringe as liberdades femininas. Por isso, decidi escrever um esboço do que deveria ser a Declaração pela Libertação Feminina dos Trabalhos Domésticos. Sugiro que, num ato simbólico, queimemos dessa vez, vassouras, rodos, panos de chão, palhas de aço e afins, para declarar, de uma vez por todas, que as tarefas do lar NÃO são de responsabilidade exclusiva das mulheres.
Declaração pela Libertação Feminina dos Trabalhos Domésticos
Considerações:
Considerando que historicamente o trabalho doméstico e o cuidado das crianças pequenas tem sido uma responsabilidade atribuída eminentemente às mulheres.
Considerando que a dupla e a tripla jornada de trabalho tornou-se uma realidade comum para as mulheres brasileiras, que causa sobrecarga e restringe as liberdades das mesmas.
Considerando a prevalência de uma educação machista que não valoriza ou estimula o aprendizado das tarefas domésticas e de puericultura para meninos, rapazes ou homens.
Princípios:
Existem alguns princípios básicos que regem o trabalho doméstico, fundamentais para a compreensão das diretrizes desta declaração. São eles:
Primeiro princípio: Se alguém não fez não está feito
Segundo princípio: Se alguém não limpou não está limpo
Terceiro princípio: Se alguém na guardou não está guardado
Quarto princípio: Se alguém não comprou não está disponível para consumo
Tais princípios merecem destaque porque, em geral, as pessoas que não tem o costume de se ocuparem do trabalho doméstico acreditam que ele é executado automaticamente, sem que alguém o faça. Outros tendem a pensar que o mesmo é diariamente executado por alguma entidade sobrenatural, o que declaramos não ser verdade.
Partindo de tais considerações e princípios, declaramos:
Artigo I
As tarefas do lar são de responsabilidades de todos os que nele residem; homens e mulheres sejam eles adultos ou jovens.
Parágrafo único: ao executar uma tarefa doméstica o executante NÃO está fazendo um favor para a mulher ou mulheres que ali residem.
Artigo II
Meninos e meninas, sem distinção de gênero, serão educados desde criança para executarem tarefas domésticas, além de aprenderem noções de puericultura.
Parágrafo 1°: pais, mães ou responsáveis ensinarão gradativamente tais atividades às crianças, sempre respeitando o nível de compreensão, responsabilidade e maturidade de cada idade.
Parágrafo 2°: fica declarado proibido ensinar tais tarefas de maneira diferenciada por distinção de gênero.
Artigo III
Eletrodomésticos tais como máquina de lavar roupa, forno de microondas, freezer, secadora, aspirador de pó ou outros que comprovem sua eficácia na facilitação do trabalho doméstico, passam a ser considerados gêneros de primeira necessidade para o lar.
Parágrafo único: tais produtos deverão ser alvo de investimento nas políticas a fim de possuírem preços acessíveis e garantia total de reposição imediata em caso de roubo ou defeito.
Artigo IV
Empresas públicas e privadas devem investir em tecnologias para o trabalho doméstico.
Parágrafo 1°: Deve-se estimular a produção de tecnologias que, comprovadamente, reduzam a penosidade e o tempo gasto com o trabalho doméstico, como por exemplo: tecidos que não amarrotem e não manchem; panelas que realmente não agarrem sujeira; pisos, tecidos e tapetes que absorvam a sujeira; aspiradores de pó inteligentes; brinquedos que se encaminhem automaticamente para caixa após determinado tempo em desuso; fogões, fornos e geladeiras que sejam de fato autolimpantes; e outros.
Parágrafo 2°: Deve-se investir também em tecnologias avançadas para estimular a execução dos trabalhos domésticos, como por exemplo, sistema de alarme que impeça que a TV, o computador, o microondas ou chuveiro elétrico funcionem se a pia estiver cheia de louça ou as camas estiverem desarrumadas ou o cesto de roupa suja ou varal estiverem cheios (o mesmo sistema de alarme poderá também trancar portas e janelas até que o trabalho devido seja executado).
Artigo V
Fica declarada proibida a produção de pisos e móveis que precisem ser encerados, acessórios de cozinha que precisem ser areados e tecidos que precisem ser passados a ferro.
Parágrafo único: As empresas interessadas terão 8 meses para se adequarem, a contar da publicação desta declaração.
Artigo VI
Fica instituído que o termo “totalmente branco” para qualificar os tecidos é preconceituoso e discriminatório, sendo assim, todas as tonalidades de branco serão respeitadas e aceitas igualmente, sem distinção.
Artigo VII
Toda mulher terá o direito de se desfazer (jogar no lixo), sem nenhuma culpa ou qualquer ônus, de panelas com substâncias agarradas demais ou queimadas e roupas ou sapatos sujos de barro, tinta ou graxa, sempre que ficar para ela o trabalho de limpeza dos mesmos.
Parágrafo 1°: Sugerimos que a mulher que se sinta prejudicada com a execução desse tipo de tarefa dê ao dono do objeto em questão 24 horas, não prorrogáveis, para limpar ou se livrar ele mesmo do referido objeto.
Parágrafo 2°: Caso a mulher tenha que se livrar do objeto não será de sua responsabilidade a reposição do mesmo, caso não lhe pertença. No caso de objetos da casa, todos deverão arcar com os custos.
Artigo VIII
A educação e o cuidado dos filhos também NÃO é tarefa exclusiva das mulheres ou mães.
Artigo único: Com exceção da amamentação, e por motivos óbvios, os homens poderão e deverão executar quaisquer outras tarefas concernentes aos cuidados e a educação dos bebês e crianças pequenas.
Artigo IX
O vaso sanitário passa a ser território de responsabilidade única e exclusiva do sexo masculino ou daqueles que, na residência, urinem de pé.
Parágrafo 1°: Todos os meninos passarão por um ritual de iniciação assim que adquirirem altura para urinar de pé no vaso sanitário. A partir deste ritual aprenderão a urinar dentro do vaso e também adquirirão noções básicas e avançadas de como cuidar da limpeza e desinfecção diária do mesmo.
Parágrafo 2°: O ensino e a manutenção dos rituais de cuidado com o vaso sanitário deverão ficar sob responsabilidade exclusiva dos homens; adultos ou jovens.
Parágrafo 3°: Uma mulher só poderá executar tais funções se e somente se não houver nenhum homem, adulto ou jovem, no lar.
Artigo X
Toda mulher que se sentir prejudicada pela não execução das tarefas do lar em conseqüência do desrespeito aos termos desta declaração terá o direito de:
Parágrafo 1°: reclamar, gritar ou proferir palavras de baixo calão sem culpa e sem que lhe seja imputada nenhuma pena ou sanção.
Parágrafo 2°: jogar no lixo, arremessar pela janela (guardando os devidos cuidados para evitar acidentes) ou queimar (guardadas as prerrogativas de segurança para evitar incêndio) os objetos que ficarem fora do seu lugar devido por mais de 24 horas, sem justificativa plausível e expressa.
Parágrafo 3°: se ausentar do lar por período de até 3 dias, sem que se caracterize abando do lar ou de incapaz, ou até que as tarefas sejam executadas e o fato seja oficialmente comunicado a ela por meio de telefonema, e-mail ou mensagem de celular. Se até no terceiro dia as tarefas não forem executadas cabe a mulher contratar uma diarista que assuma a execução das tarefas.
Parágrafo 4°: todas as medidas autorizadas neste artigo não devem resultar em nenhum ônus financeiro para a mulher que as executou. Reposição de objetos e pagamento de diarista, por exemplo, devem ser de responsabilidade dos demais moradores da casa que não executaram as tarefas devidas. Para os que não recebem salário o pagamento deve ser feito com mesada ou afins.
Artigo XI
Toda mulher terá o direito de se negar a fazer atividades ou favores sempre que se sentir exigida em excesso, desrespeitada no seu descanso ou sobrecarregada. Neste caso terá o direito de:
Parágrafo 1°: responder “agora NÂO”, “hoje NÂO” ou simplesmente “NÂO”, sem culpa e sem que lhe seja imputada nenhuma pena ou sanção.
Parágrafo 2°: responder “NÂO sei”, “NÂO vi”, ou “está onde você deixou”, quando interrogada sobre a localização de objetos que não lhe pertencem.
Parágrafo 3°: fingir não ter escutado, quando repetidamente lhe pedirem favores sem noção do tipo: “pegue minha toalha”, “pegue minha cueca”, “me traga um copo d’água”, “me traga uma cerveja” ou “frite um ovo pra mim”, especialmente quando não forem associados às palavras: “por favor” e “meu amor”, “mãezinha querida”, “minha rainha”, “melhor mãe do mundo”, “dona do meu coração” ou afins.
Artigo XII
Para os casos onde a dependência da mulher para executar o trabalho doméstico é grave, baseados nos princípios que norteiam esta declaração, esclarecemos:
Parágrafo 1°: Roupas e sapatos não se encaminham automaticamente para o armário, para o cesto de roupa suja ou para a máquina de lavar.
Parágrafo 2°: A água na geladeira não é fruto de geração espontânea, assim como, papel higiênico e sabonete também não nascem espontaneamente nos seus respectivos suportes.
Parágrafo 3°: Geladeira e despensa precisam ser continuamente abastecidas, por meio de idas freqüentes e rotineiras a padarias, açougues, quitandas e/ou supermercados. Alguns imaginam que ao retirarmos algum item daqueles lugares outro assume imediatamente seu lugar. Reiteramos que essa teoria não possui nenhum fundamento científico que lhe dê sustentação, portanto, não é plausível a sua defesa.
Parágrafo 4°: Apesar de defendermos este tipo de tecnologia no Artigo IV, ainda não contamos com alguma que faça com que pisos, tapetes e mobiliários absorvam imediatamente água ou sujeira.
Parágrafo 5°: Animais domésticos não conseguem se alimentar sem contar com o auxílio de um ser humano. Isso vale também para os cuidados de higiene (excetuando os gatos) e a limpeza dos seus dejetos.
Artigo XIII
Todos os artigos desta declaração têm o objetivo de reduzir a sobrecarga de trabalho imputada às mulheres, especialmente às mães de família que também trabalham fora do lar. Sendo assim, todas as sugestões encaminhadas com a finalidade de aperfeiçoar e melhorar esta declaração serão estudadas para possível inclusão no texto final.
28 de agosto de 2011.
Eu me declaro liberta e respeito às diversidades e clamo: libertem-se das correntes simbólicas.
ResponderExcluirElisabete Bastos
Querida Rita, adorei sua Declaração pela Libertação Feminina dos Trabalhos Domésticos. Posso compartilhá-la nesta semana da mulher?
ResponderExcluirNicole Frossard De Filippo