terça-feira, 15 de julho de 2014

O futebol vive!

por Rita Almeida

Depois de uma semana melancólica para nossa seleção a única coisa que me consola é saber que o futebol vai sobreviver.

O futebol vai sobreviver na pelada dos garotos da minha rua, onde o campo é de asfalto e as traves são chinelos de dedo. Um futebol que ainda resiste ao tráfego intenso e às tecnologias virtuais.

O futebol vai sobreviver na pureza das nossas crianças pequenas, que antes mesmo de aprenderem a andar com destreza, ensaiam um chute a gol. Um ato corriqueiro por aqui, e que denuncia o quanto futebol está enraizado na nossa cultura.
O futebol vai sobreviver nas peladas de várzea que acontecem em todos os cantos desse país. Um futebol que, muitas vezes, sobra peso e falta forma física, mas que faz uma coisa fundamental: reúne amigos.

O futebol vai sobreviver, semanalmente, na Oficina de Futebol que eu coordeno no CAPS Leste, serviço de saúde mental do SUS. Nessa oficina, o futebol serve como via de tratamento e inserção psicossocial. Só quem conhece esse tipo de trabalho, sabe os milagres que a linguagem universal do futebol pode fazer.

O futebol vai sobreviver na promessa da minha filha de 7 anos. Ela me disse que quando crescer vai conseguir assistir a outros jogos de futebol, não só os da seleção brasileira. Me fez essa promessa, quando a convidei para assistir comigo a final Alemanha x Argentina.

O futebol vai sobreviver na fé do torcedor e na rivalidade das torcidas.

Enfim, o futebol vai sobreviver, porque é muito maior que essa Copa e muito maior que a seleção brasileira e os nossos clubes de futebol.

O futebol é infinitamente maior que a FIFA, a CBF, que seus dirigentes e cartolas corruptos e obscenos.

O futebol é maior que o nossas escolinhas de base medíocres, que não servem para democratizar o futebol ou fazer surgir talentos, são, muitas vezes, apenas fábricas de mercadoria humana tipo exportação.

O futebol é maior que os acordos espúrios feitos fora do campo para favorecer determinados canais de TV.

O futebol vale mais que seus patrocinadores, que o comércio que gira em torno dele. O futebol vale muito mais do que todo o dinheiro que movimenta, aqui e acolá.

Me apaixonei por futebol aos 12 anos, acompanhando pela TV, junto com meu pai, a trajetória do Flamengo na conquista do Mundial de Interclubes de 1981. Zico e Nunes se tornaram meus heróis. Aquela final com o Liverpool está entre as melhores e mais emocionantes lembranças da minha infância. Isso que eu vivi com o futebol não tem preço e nem tamanho.

Não gosto de viver de passado e também não tenho a síndrome de “meia noite em Paris”, aquela que nos faz acreditar que o passado sempre foi melhor ou mais romântico que hoje, mas confesso que tenho saudade de um futebol menos capitalista, menos pervertido pelo dinheiro e pelos lucros.

Também não faço a menor ideia de como vamos fazer para recuperar o futebol brasileiro no nível macro, depois dessa última experiência da nossa seleção brasileira. Espero, sinceramente, que o fracasso nos impulsione para uma grande mudança, assim como deve ser. O que eu sei é que no nível micro, o futebol não vai parar, porque ele, simplesmente, não pode esperar que a gente remende os cacos dessa derrota.

Hoje é domingo e amanhã pela manhã estarei com os participantes da Oficina de Futebol do CAPS Leste, fazendo nosso treino. E no mesmo clube que nos cede espaço para treinar, estarão meninos e meninas de 7 a 12 anos, que no contra turno da escola participam de uma escolinha de futebol. Experiências como essa acontecerão aos montes pelo Brasil afora, porque o futebol continua vivo, presente e forte!

Meu desejo, hoje, é que a gente não demore muito tempo para perceber que o nosso futebol não morreu. Está ferido sim, quebrado talvez, mas vivo. E tomara que a gente saiba aproveitar toda essa vitalidade para seguir em frente e numa outra direção. E tomara que a gente não espere o segundo tempo da prorrogação para reagir.

O legado subjetivo da Copa


Por Rita de Cássia de Araújo Almeida

Ao contrário do que muitos pensam a Copa não fez de nós melhores ou piores do que já éramos. Querem ver? Listem tudo o que foi considerado um sucesso nessa Copa ou todas as mazelas que se atribuiu a ela e me digam: aparece nessa lista alguma coisa diferente do que já fazia parte da realidade brasileira?

A Copa é um acontecimento. Um acontecimento, por si só, não é capaz de nos transformar em algo para além de nós mesmos, no entanto, é capaz de evidenciar, destacar nossas peculiaridades. A vida segue sem saltos e a gente se acomoda, mas basta um acontecimento pra gente se re-conhecer e se aperfeiçoar (se soubermos aproveitar a oportunidade, é claro!).

Eu sempre fui contra o movimento #nãovaitercopa. Primeiro porque eu amo futebol e segundo porque seria negar uma oportunidade única de nos conhecermos mais enquanto nação, enquanto povo. Saber mais sobre o que somos e, obviamente, o que queremos. Eu confesso que temia o que iria ver. Tinha medo de que tudo o que diziam sobre nós fosse realmente verdade e também temi o fim dos tempos anunciado na TV, jornais e revistas.

O Mundial termina em alguns dias. Muito se diz sobre os legados econômicos e estruturais que a Copa poderá nos deixar, sejam eles positivos ou negativos. Pois eu acho que o maior legado dessa Copa é subjetivo e muito mais importante, e tem a ver com a distância abissal entre aquilo que se imaginava sobre uma Copa no Brasil e o que ela realmente tem sido. Eu estou certa de que, se a Copa no Brasil foi um sucesso apesar de tudo (da FIFA, da corrupção, das empresas e empreiteiras de péssima índole, da mídia, da política de esgoto, dos cartolas e outros) foi por causa de uma força poderosíssima que não se pode subestimar nunca mais chamada: PAIXÃO PELO FUTEBOL. Nesse caso, eu não estou falando apenas do futebol dos clubes ou do jogo jogado dentro das quatro linhas do campo, estou falando do futebol que faz parte da nossa cultura e da nossa história. O futebol está tão entranhado no DNA brasileiro que mesmo quem diz não gostar do esporte é incapaz de ficar fora de sua influência. Ou eu estou enganada?

Então, no meu entendimento, o grande legado dessa Copa, com ou sem o hexa, é que ninguém pode duvidar da capacidade do Brasil quando movido por essa grande paixão chamada futebol. Alguém disse antes da Copa que precisamos de serviços de saúde e educação de qualidade e não de Copa do Mundo. Na ocasião eu já pensava que tais investimentos não seriam excludentes, mas complementares. Mas hoje, diante da explosão positiva que foi essa Copa no Brasil eu tendo a pensar que qualquer política pública, seja ela de saúde, de segurança, de educação ou de mobilidade urbana, precisa levar em conta nossa ligação afetiva e intensa com o futebol. Através e a partir do futebol, esse esporte que nos identifica e nos representa, podemos ir muito melhor e muito mais longe. E que ninguém nunca mais duvide disso!

segunda-feira, 7 de julho de 2014

É isso

por Rita de Cássia Araújo Almeida

No caso Zuñiga x Neymar, assim como na vida, muitas vezes demoramos muito a chegar ao que Lacan chamou de "c'est ça" ou traduzindo: "é isso". Chegar ao "é isso" é chegar num ponto de entender que não há queixa, vingança, tristeza ou ódio que mudará um determinado fato. Se deparar com o "é isso" é compreender que há o imponderável, o inevitável, o incontornável, "o que não em remédio, nem nunca terá", na vida e no futebol.

O fato é que Neymar está fora da Copa, não há nenhuma queixa, vingança ou discurso inflamado contra o tal Zuñiga que fará isso mudar. Então o que nos resta é lidar com o "é isso" e seguir em frente, segue o jogo, como se diz em linguagem futebolística.

Entretanto, muitas vezes, na mídia, a repetição exagerada do evento é intencional. Repete-se a cena mil vezes, de diferentes ângulos, e os especialistas (argh!) analisam o avesso, o direito, o transverso do evento apenas para ganhar ibope. O efeito dessa repetição é que ela aprisiona as pessoas nesse discurso do "tem que fazer alguma coisa, nem que seja xingar a filha de dois anos do Zuñiga", impedindo que cheguemos a conclusão do "é isso". Feliz daqueles que conseguem se libertar desse aprisionamento.

No depoimento de Neymar fica claro que ele já chegou ao "é isso", tenho certeza que a seleção está buscando chegar ao "é isso" o mais rápido possível e, se eu conheço o estilo Felipão, ele já chegou no "é isso" faz tempo. Então agora é nossa vez, pessoal: "é isso": não teremos mais Neymar na Copa, mas segue o jogo. Deixemos o Zuñiga à cargo da FIFA e de seu próprio ato.