A madrugada, quando engolida por silêncios
É a morada dos fantasmas
E a dispensa onde guardamos nossos medos
É lá onde o tempo corre demasiadamente lento
E até as minúsculas formigas são capazes de fazer barulho
Pra quem dorme, o sono alimenta
Para os insones, a fome aperta
Fome de entender
Fome de lembrar
Fome de esquecer
A madrugada silenciosa é para os fortes
Ou para os poetas
As palavras chegam sem que a gente precise abrir a janela
Ou acender a luz
Na madrugada,
As dores ganham o dobro do peso
E a angústia - que também não dorme
Nos atravessa com sua lança
É na madrugada que entendemos
Que a vida, afinal, é uma experiência solitária
Pois os que nos acompanham nessa jornada
Também precisam enfrentar suas próprias madrugadas
Do seu próprio modo
Na madrugada,
É cada um com seu silêncio particular
E cada um com seu barulho peculiar
sexta-feira, 15 de abril de 2016
Só o amor nos salva da barbárie
Bem... eu não me considero uma pessoa religiosa, mas isso não me impede de acreditar que só o amor nos salva, não em direção um outro mundo, nos salva da barbárie deste mundo mesmo, e que pode estar logo ali adiante.
Nesta sexta-feira acredito que muitos devam estar mobilizados pela causa da paixão de Cristo, portanto, quero aproveitar para sugerir uma coisa que acho importante nesses tempos de redes sociais. Cuidado ao divulgarem fotos e relatos sobre pessoas que supostamente cometeram algum crime. Por mais que a história pareça verossímil e que você pense que está fazendo um bem alertando as pessoas ou ajudando na busca e condenação de um criminoso, esta não é uma atitude sensata.
Primeiramente nunca sabemos se tais postagens condizem com a verdade e não sabemos quem iniciou a corrente e seus motivos. Toda história tem inúmeras interpretações e a interpretação que você vê nesses casos conta apenas uma versão da história. E pode até mesmo ser uma invenção de alguém para denegrir ou prejudicar uma pessoa inocente. Já pensaram nisso?
E ainda que seja tudo verdade, precisamos estar avisados que o tribunal das Redes e do Whatsaap é cruel e desumano. Qualquer pessoa que tenha cometido um crime, por pior que ele seja, tem direito a julgamento digno, punição proporcional, além de amplo direito de defesa. Já o tribunal das Redes é assustador. Acusa, julga, condena e pune num único post. É irracional e passional. Portanto, o máximo que você pode conseguir divulgando coisas deste tipo é incitar um linchamento: moral ou físico, que pode acontecer inclusive com uma pessoa que não tem nada a ver com a história, só por parecer com o acusado (já vimos histórias deste tipo por aqui).
Pela tradição Cristã, sábado de aleluia é dia de linchar o Judas. Um Judas que reeditamos todos os anos para expiar nosso ódio, nosso desejo de vingança e nossa sede de fazer justiça com as próprias mãos. Mas não esqueçamos que na sexta-feira da paixão o que Jesus sofreu foi também um linchamento. Seus supostos crimes foram colocados à público na praça e os cidadãos de bem da ocasião decidiram que ele era culpado e deveria ser humilhado e espancado até a morte.
No sábado linchamos Judas tentando colocar nele a culpa pelo linchamento de Jesus Cristo, mas na verdade, essa é apenas uma tentativa de negar a verdade: Jesus foi morto pelo coletivo dos cidadãos de bem de seu tempo, que decidiram pela pressa e pela passionalidade de achar um culpado a ser condenado.
Passaram-se mais de 2000 anos e ainda não aprendemos a lição. Ainda achamos que faremos a diferença nesse mundo jejuando na quaresma, comendo peixe na sexta-feira santa e indo à Igreja no domingo de Páscoa.
Como disse, não sou religiosa, mas o que entendi sobre o legado de Jesus Cristo resume-se em uma aforia simples: "ame o teu próximo". E se ele precisou passar por tanta coisa para deixar apenas essa singela mensagem é porque se trata de uma missão extremamente difícil. Sim, é muito difícil amar o próximo, quase impossível, daí o valor e a nobreza deste ato.
Nesta sexta-feira acredito que muitos devam estar mobilizados pela causa da paixão de Cristo, portanto, quero aproveitar para sugerir uma coisa que acho importante nesses tempos de redes sociais. Cuidado ao divulgarem fotos e relatos sobre pessoas que supostamente cometeram algum crime. Por mais que a história pareça verossímil e que você pense que está fazendo um bem alertando as pessoas ou ajudando na busca e condenação de um criminoso, esta não é uma atitude sensata.
Primeiramente nunca sabemos se tais postagens condizem com a verdade e não sabemos quem iniciou a corrente e seus motivos. Toda história tem inúmeras interpretações e a interpretação que você vê nesses casos conta apenas uma versão da história. E pode até mesmo ser uma invenção de alguém para denegrir ou prejudicar uma pessoa inocente. Já pensaram nisso?
E ainda que seja tudo verdade, precisamos estar avisados que o tribunal das Redes e do Whatsaap é cruel e desumano. Qualquer pessoa que tenha cometido um crime, por pior que ele seja, tem direito a julgamento digno, punição proporcional, além de amplo direito de defesa. Já o tribunal das Redes é assustador. Acusa, julga, condena e pune num único post. É irracional e passional. Portanto, o máximo que você pode conseguir divulgando coisas deste tipo é incitar um linchamento: moral ou físico, que pode acontecer inclusive com uma pessoa que não tem nada a ver com a história, só por parecer com o acusado (já vimos histórias deste tipo por aqui).
Pela tradição Cristã, sábado de aleluia é dia de linchar o Judas. Um Judas que reeditamos todos os anos para expiar nosso ódio, nosso desejo de vingança e nossa sede de fazer justiça com as próprias mãos. Mas não esqueçamos que na sexta-feira da paixão o que Jesus sofreu foi também um linchamento. Seus supostos crimes foram colocados à público na praça e os cidadãos de bem da ocasião decidiram que ele era culpado e deveria ser humilhado e espancado até a morte.
No sábado linchamos Judas tentando colocar nele a culpa pelo linchamento de Jesus Cristo, mas na verdade, essa é apenas uma tentativa de negar a verdade: Jesus foi morto pelo coletivo dos cidadãos de bem de seu tempo, que decidiram pela pressa e pela passionalidade de achar um culpado a ser condenado.
Passaram-se mais de 2000 anos e ainda não aprendemos a lição. Ainda achamos que faremos a diferença nesse mundo jejuando na quaresma, comendo peixe na sexta-feira santa e indo à Igreja no domingo de Páscoa.
Como disse, não sou religiosa, mas o que entendi sobre o legado de Jesus Cristo resume-se em uma aforia simples: "ame o teu próximo". E se ele precisou passar por tanta coisa para deixar apenas essa singela mensagem é porque se trata de uma missão extremamente difícil. Sim, é muito difícil amar o próximo, quase impossível, daí o valor e a nobreza deste ato.
Par - tido
Em tempos de criminalização e judicialização da política, talvez seja importante resgatar o sentido da palavra Partido. Partido é o que não é inteiro, assim sendo, um Partido não tem como propósito unificar ou reunir todas as ideias, interesses e propostas. Cada partido representa apenas uma parte dos interesses que transitam na política, e é assim que deve ser. Nesse sentido, essa coisa de "meu Partido é o Brasil" ou "meu Partido é a constituição" é um discurso vazio, que só serve para alienar e enganar, pois supõe que não existam diferentes interesses e posições numa Nação. Esse discurso que se pretende unificado não cabe numa democracia, porque supõe que exista uma forma unificada de pensar e conseqüentemente, uma unica forma de agir.
Acreditar que exista uma unica forma de pensar e agir é fascismo. A riqueza da democracia é exatamente essa: vários Partidos, que são várias partes com suas diferentes concepções e interesses tentando conversar e negociar. Tais negociações podem chegar ou não a um consenso, e não há nenhum problema quando não se chega a um, afinal, as vezes os interesses em jogo são antagônicos. Mas a política é a arte de manter o diálogo aberto mesmo quando as partes são muito diferentes.
Portanto, a ideia de que nós devêssemos nos juntar numa única bandeira para conduzir a crise da política atual parece muito bonita e palatável, mas é pura bobagem. A mesma bobagem que é uma política sustentada na criação de um inimigo comum. Tenho escutado: "não sou de nenhum partido, só quero acabar com a corrupção". Ter a corrupção como inimigo único também é um discurso totalmente vazio para a politica. Até porque, você conhece alguém a favor da corrupção? Então, o desafio que temos pela frente é grande e difícil e se prezamos pela nossa democracia, precisamos aprender que não haverá um discurso único nesse caminho, mas sim discursos partidos, incompletos e imperfeitos. Da muito mais trabalho negociar com essas diferenças, mas é o único modo democrático de faze-lo.
As vezes, também sonhamos com uma receita pronta, um super-herói (Moro, Joaquim Barbosa, Chapolin Colorado), um salvador ( Lula, Aécio, Bolsonaro, Jesus) ou a intervenção de um outro de fora (militar , alienígena, dos EUA) que resolva tudo pra nós. Isso deveria ser uma solução pensada só pelas crianças, a vida adulta requer de nós trabalho e coragem para construir nossas próprias saídas.
Enfim, nesse momento que vive o Brasil é urgente e fundamental tomar partido. Sem esquecer que qualquer partido que você tome, este sera o reflexo de apenas uma parte do contexto, será apenas uma parte da verdade. Melhor dizendo, nenhum Partido está com todas as verdades, está apenas com a verdade que você escolheu defender. Outra coisa importante é entender que aquele que possui interesses diferentes do seu tomará outro tipo de partido e se tornará seu interlocutor político e não seu inimigo.
Vamos ao trabalho, então! E que cada um tome sua parte!
Acreditar que exista uma unica forma de pensar e agir é fascismo. A riqueza da democracia é exatamente essa: vários Partidos, que são várias partes com suas diferentes concepções e interesses tentando conversar e negociar. Tais negociações podem chegar ou não a um consenso, e não há nenhum problema quando não se chega a um, afinal, as vezes os interesses em jogo são antagônicos. Mas a política é a arte de manter o diálogo aberto mesmo quando as partes são muito diferentes.
Portanto, a ideia de que nós devêssemos nos juntar numa única bandeira para conduzir a crise da política atual parece muito bonita e palatável, mas é pura bobagem. A mesma bobagem que é uma política sustentada na criação de um inimigo comum. Tenho escutado: "não sou de nenhum partido, só quero acabar com a corrupção". Ter a corrupção como inimigo único também é um discurso totalmente vazio para a politica. Até porque, você conhece alguém a favor da corrupção? Então, o desafio que temos pela frente é grande e difícil e se prezamos pela nossa democracia, precisamos aprender que não haverá um discurso único nesse caminho, mas sim discursos partidos, incompletos e imperfeitos. Da muito mais trabalho negociar com essas diferenças, mas é o único modo democrático de faze-lo.
As vezes, também sonhamos com uma receita pronta, um super-herói (Moro, Joaquim Barbosa, Chapolin Colorado), um salvador ( Lula, Aécio, Bolsonaro, Jesus) ou a intervenção de um outro de fora (militar , alienígena, dos EUA) que resolva tudo pra nós. Isso deveria ser uma solução pensada só pelas crianças, a vida adulta requer de nós trabalho e coragem para construir nossas próprias saídas.
Enfim, nesse momento que vive o Brasil é urgente e fundamental tomar partido. Sem esquecer que qualquer partido que você tome, este sera o reflexo de apenas uma parte do contexto, será apenas uma parte da verdade. Melhor dizendo, nenhum Partido está com todas as verdades, está apenas com a verdade que você escolheu defender. Outra coisa importante é entender que aquele que possui interesses diferentes do seu tomará outro tipo de partido e se tornará seu interlocutor político e não seu inimigo.
Vamos ao trabalho, então! E que cada um tome sua parte!
quarta-feira, 13 de abril de 2016
Declaração
por Rita Almeida
Com toda essa movimentação com a política nacional das últimas semanas, eu estava até esquecendo de fazer minha declaração para o Imposto de Renda. Então, lá vai...
Declaro, primeiramente, Imposto de Renda, que lhe quero bem. Sim, é verdade! Eu gosto de você, assim como o seu pai Imposto e toda a sua família, porque acho que vocês são fundamentais para o funcionamento de qualquer sociedade nos dias de hoje. Então, como conceito, como ideia, eu curto e torço por vocês. Mas o problema é que, aqui no Brasil, vocês agem de uma forma muito injusta, e isso, às vezes me faz ter sentimentos ambíguos. Vou explicar...
Recentemente eu li um livro: O Capital no Século XXI de Thomas Piketty, que me fez compreender melhor a importância de vocês. Compreendi com tal leitura, que a arrecadação justa de impostos é uma das melhores maneiras de reduzir as desigualdades. Que o desenvolvimento de um Estado fiscal e social é fundamental para o futuro do planeta. O objetivo seria melhor dividir a riqueza já existente, na medida em que chegamos num limite ecológico que nos impossibilita fazer a riqueza crescer mais. A aquisição deste Estado fiscal e social (capaz de oferecer a seus cidadãos um aporte mínimo de saúde e educação públicas, além de um sistema eficiente de previdência) é o que, segundo as pesquisas do autor, tem atuado minimizando os efeitos da desigualdade para os mais desprotegidos socialmente.
Também, fiquei sabendo, por exemplo, que seus primos Europeus mantêm um índice de arrecadação pública da ordem de 45 a 50% da renda nacional, chegando a uma arrecadação de 55% na Suécia. E segundo Piketty, esses são percentuais mínimos aceitáveis para a promoção de razoável bem estar social da população. No Brasil, segundo os dados que colhi no site do Jusbrasil, num texto do jurista e professor Luiz Flávio Gomes, cerca de 36% do nosso PIB são destinados a família de vocês. Mas o problema é que vocês são injustos, cobram mais de quem tem menos, pervertendo assim, o que seria a vossa missão primeira, que é distribuir renda.
Veja só o que vocês fazem por aqui: “quem ganha até um salário mínimo (R$ 724 reais) tem carga tributária real de 37%, contra 23% com salário de R$ 6 mil reais e 17% com salário de 22 mil reais”. “Os tributos sobre rendas e ganhos patrimoniais, no Brasil, são metade (19%) do cobrado nas nações desenvolvidas (38%), segundo dados da OCDE.” Já “no item impostos sobre mercadorias, serviços e bens o Brasil (45%) está muito acima da média da OCDE (29%).” (GOMES, 2014, site Jusbrasil)
Resumindo, vocês sobrecarregam o imposto sobre o consumo e privilegiam a renda e ganhos patrimoniais, uma regressividade, que pune os mais pobres e alivia os mais ricos. Eu sei que vocês herdaram essas regras de seus antepassados não republicanos e escravocratas, mas já está na hora reverem isso não?
Outra coisa que aprendi lá com dados citados no Jusbrasil, é que, ao contrario do que a gente ouve nas conversas de esquina, o Brasil não ostenta uma das maiores alíquotas do imposto de renda do mundo. Enquanto vocês arrecadam no máximo 27,5% por aqui, seus parentes estrangeiros arrecadam, só para exemplificar, 40% no Chile, 43% na China, 50% no Japão, 55,9% nos EUA e 57% na Suécia.
Com esses dados só pude concluir que vocês não arrecadam muito, só arrecadam mal (cobrando mais que quem tem menos) e ainda usam mal o que arrecadam para cumprir a missão de vocês que seria reduzir a desigualdade. Pesquisei lá no site do Jusbrasil: “A distribuição para reduzir a desigualdade no Brasil é de 3,6%, comparando-se com União Europeia (32,6%), Reino Unido (34,6%), Finlândia (34,7%), Alemanha (34,9%), Suécia (35,6%) e Dinamarca (40,8%).” E ainda há quem reclame quando se usa o que vocês arrecadam para financiar programas de distribuição de renda como o Bolsa Família! Aff!
Uma curiosidade sobre seus primos americanos, os quais todo mundo enche a boca para falar. Eles chegam a arrecadar a 55,9% de imposto de renda, detendo um nível de arrecadação fiscal geral da ordem de 30% bem mais baixo que o Europeu, é verdade. Mas é importante lembrar que lá o sistema de saúde e a educação superior – em geral, os mais caros para o Estado – são eminentemente privados, então, não fazem tanta vantagem assim.
Outro problema por aqui, nós sabemos, é que muito do que vocês arrecadam, vazam pelo ralo da corrupção. Aí muita gente, equivocadamente, culpa vocês por isso e querem jogar fora a criança com a água da bacia, ou seja, se os impostos são desviados então vamos acabar ou reduzir os impostos. Isso é o mesmo que propor como cura para uma doença cardíaca a extração do coração. Tolice ou cinismo!
Mas, por outro lado, é interessante que ninguém fala da corrupção quando ela serve para que se possa sonegar aquilo que seria devido à família de vocês. Segundo dados que colhi numa reportagem da BBC Brasil, a nossa sonegação e evasão fiscal anuais – que, também soube, fica atrás dos EUA – é quase 5x maior do que o orçamento de 2015 para a saúde, por exemplo.
Piketty também desnuda essa questão da sonegação e da evasão fiscal, que ele considera um problema mundial e gravíssimo. Todos sabemos que uma das coisas que determina a saúde financeira de um país é a quantidade de dinheiro que entra nele para se transformar em riqueza. A princípio, a dinâmica simplificada seria a seguinte: teríamos os países ricos que têm mais entrada do que saída de riqueza e os países pobres, num caminho inverso, que têm mais saída de riqueza do que entrada. Nesse sentido, nossa grande preocupação seria que os países ricos terminem por possuir cada dia mais os países pobres. No entanto, Piketty revela um dado assombroso e que, segundo ele, tem se agravado cada vez mais nos últimos anos. Ele afirma que todos os países, em menor ou maior escala, apresentam balanço negativo, ou seja, todos estão perdendo riqueza. Como essa tese é financeiramente impossível, ele sugere, ironicamente, que seja Marte quem esteja adquirindo a riqueza perdida por todos os países do nosso planeta.
Mas obviamente que não é Marte quem está recebendo esta riqueza que se estima ser de 10% a 30% do PIB mundial. Os paraísos fiscais são os destinatários dessa riqueza que os entes privados estão sorrateiramente deixando de repassar a família de vocês, minando grande parcela da vossa capacidade em distribuir a riqueza produzida. É o que estamos assistindo com o mais recente vazamento de dados sobre paraísos fiscais, o chamado Panamá Papers. Li uma excelente reportagem sobre o caso no El País.
Obviamente que, entre os corruptos e sonegadores que aparecem nessa lista, então apenas os de alta classe e poderio. Ao usarem esse subterfúgio, ricos e poderosos justificam, cinicamente, que o recurso da sonegação e da evasão só são utilizados porque eles precisam proteger o patrimônio das garras maléficas de vocês e seus familiares. São aqueles que, perversamente, se acham no direito de se colocarem acima de um pacto social coletivo, que vocês representariam. Pacto social coletivo que, sem dúvida, aqui no Brasil, vocês precisam aprimorar muito para representar melhor.
Para finalizar, Piketty fala uma coisa bonita sobre vocês que vou transcrever aqui: “O imposto não é uma questão apenas técnica, mas eminentemente política e filosófica, e sem dúvida a mais importante de todas. Sem impostos a sociedade não pode ter um destino comum e a ação coletiva é impossível”.
Então vai assim minha declaração 2015/2016: E gosto e defendo vocês, mas, por favor, melhorem! E rápido.
Fontes:
Jusbrasil http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121933009/quem-paga-menos-impostos-no-brasil
BBCBrasil http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150415_brasil_zelotes_evade_fd
El Pais http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/03/politica/1459714116_802121.html
Pikket, Thomas. O Capital no Século XXI Ed, Intrínseca LTDA, 2013.
Com toda essa movimentação com a política nacional das últimas semanas, eu estava até esquecendo de fazer minha declaração para o Imposto de Renda. Então, lá vai...
Declaro, primeiramente, Imposto de Renda, que lhe quero bem. Sim, é verdade! Eu gosto de você, assim como o seu pai Imposto e toda a sua família, porque acho que vocês são fundamentais para o funcionamento de qualquer sociedade nos dias de hoje. Então, como conceito, como ideia, eu curto e torço por vocês. Mas o problema é que, aqui no Brasil, vocês agem de uma forma muito injusta, e isso, às vezes me faz ter sentimentos ambíguos. Vou explicar...
Recentemente eu li um livro: O Capital no Século XXI de Thomas Piketty, que me fez compreender melhor a importância de vocês. Compreendi com tal leitura, que a arrecadação justa de impostos é uma das melhores maneiras de reduzir as desigualdades. Que o desenvolvimento de um Estado fiscal e social é fundamental para o futuro do planeta. O objetivo seria melhor dividir a riqueza já existente, na medida em que chegamos num limite ecológico que nos impossibilita fazer a riqueza crescer mais. A aquisição deste Estado fiscal e social (capaz de oferecer a seus cidadãos um aporte mínimo de saúde e educação públicas, além de um sistema eficiente de previdência) é o que, segundo as pesquisas do autor, tem atuado minimizando os efeitos da desigualdade para os mais desprotegidos socialmente.
Também, fiquei sabendo, por exemplo, que seus primos Europeus mantêm um índice de arrecadação pública da ordem de 45 a 50% da renda nacional, chegando a uma arrecadação de 55% na Suécia. E segundo Piketty, esses são percentuais mínimos aceitáveis para a promoção de razoável bem estar social da população. No Brasil, segundo os dados que colhi no site do Jusbrasil, num texto do jurista e professor Luiz Flávio Gomes, cerca de 36% do nosso PIB são destinados a família de vocês. Mas o problema é que vocês são injustos, cobram mais de quem tem menos, pervertendo assim, o que seria a vossa missão primeira, que é distribuir renda.
Veja só o que vocês fazem por aqui: “quem ganha até um salário mínimo (R$ 724 reais) tem carga tributária real de 37%, contra 23% com salário de R$ 6 mil reais e 17% com salário de 22 mil reais”. “Os tributos sobre rendas e ganhos patrimoniais, no Brasil, são metade (19%) do cobrado nas nações desenvolvidas (38%), segundo dados da OCDE.” Já “no item impostos sobre mercadorias, serviços e bens o Brasil (45%) está muito acima da média da OCDE (29%).” (GOMES, 2014, site Jusbrasil)
Resumindo, vocês sobrecarregam o imposto sobre o consumo e privilegiam a renda e ganhos patrimoniais, uma regressividade, que pune os mais pobres e alivia os mais ricos. Eu sei que vocês herdaram essas regras de seus antepassados não republicanos e escravocratas, mas já está na hora reverem isso não?
Outra coisa que aprendi lá com dados citados no Jusbrasil, é que, ao contrario do que a gente ouve nas conversas de esquina, o Brasil não ostenta uma das maiores alíquotas do imposto de renda do mundo. Enquanto vocês arrecadam no máximo 27,5% por aqui, seus parentes estrangeiros arrecadam, só para exemplificar, 40% no Chile, 43% na China, 50% no Japão, 55,9% nos EUA e 57% na Suécia.
Com esses dados só pude concluir que vocês não arrecadam muito, só arrecadam mal (cobrando mais que quem tem menos) e ainda usam mal o que arrecadam para cumprir a missão de vocês que seria reduzir a desigualdade. Pesquisei lá no site do Jusbrasil: “A distribuição para reduzir a desigualdade no Brasil é de 3,6%, comparando-se com União Europeia (32,6%), Reino Unido (34,6%), Finlândia (34,7%), Alemanha (34,9%), Suécia (35,6%) e Dinamarca (40,8%).” E ainda há quem reclame quando se usa o que vocês arrecadam para financiar programas de distribuição de renda como o Bolsa Família! Aff!
Uma curiosidade sobre seus primos americanos, os quais todo mundo enche a boca para falar. Eles chegam a arrecadar a 55,9% de imposto de renda, detendo um nível de arrecadação fiscal geral da ordem de 30% bem mais baixo que o Europeu, é verdade. Mas é importante lembrar que lá o sistema de saúde e a educação superior – em geral, os mais caros para o Estado – são eminentemente privados, então, não fazem tanta vantagem assim.
Outro problema por aqui, nós sabemos, é que muito do que vocês arrecadam, vazam pelo ralo da corrupção. Aí muita gente, equivocadamente, culpa vocês por isso e querem jogar fora a criança com a água da bacia, ou seja, se os impostos são desviados então vamos acabar ou reduzir os impostos. Isso é o mesmo que propor como cura para uma doença cardíaca a extração do coração. Tolice ou cinismo!
Mas, por outro lado, é interessante que ninguém fala da corrupção quando ela serve para que se possa sonegar aquilo que seria devido à família de vocês. Segundo dados que colhi numa reportagem da BBC Brasil, a nossa sonegação e evasão fiscal anuais – que, também soube, fica atrás dos EUA – é quase 5x maior do que o orçamento de 2015 para a saúde, por exemplo.
Piketty também desnuda essa questão da sonegação e da evasão fiscal, que ele considera um problema mundial e gravíssimo. Todos sabemos que uma das coisas que determina a saúde financeira de um país é a quantidade de dinheiro que entra nele para se transformar em riqueza. A princípio, a dinâmica simplificada seria a seguinte: teríamos os países ricos que têm mais entrada do que saída de riqueza e os países pobres, num caminho inverso, que têm mais saída de riqueza do que entrada. Nesse sentido, nossa grande preocupação seria que os países ricos terminem por possuir cada dia mais os países pobres. No entanto, Piketty revela um dado assombroso e que, segundo ele, tem se agravado cada vez mais nos últimos anos. Ele afirma que todos os países, em menor ou maior escala, apresentam balanço negativo, ou seja, todos estão perdendo riqueza. Como essa tese é financeiramente impossível, ele sugere, ironicamente, que seja Marte quem esteja adquirindo a riqueza perdida por todos os países do nosso planeta.
Mas obviamente que não é Marte quem está recebendo esta riqueza que se estima ser de 10% a 30% do PIB mundial. Os paraísos fiscais são os destinatários dessa riqueza que os entes privados estão sorrateiramente deixando de repassar a família de vocês, minando grande parcela da vossa capacidade em distribuir a riqueza produzida. É o que estamos assistindo com o mais recente vazamento de dados sobre paraísos fiscais, o chamado Panamá Papers. Li uma excelente reportagem sobre o caso no El País.
Obviamente que, entre os corruptos e sonegadores que aparecem nessa lista, então apenas os de alta classe e poderio. Ao usarem esse subterfúgio, ricos e poderosos justificam, cinicamente, que o recurso da sonegação e da evasão só são utilizados porque eles precisam proteger o patrimônio das garras maléficas de vocês e seus familiares. São aqueles que, perversamente, se acham no direito de se colocarem acima de um pacto social coletivo, que vocês representariam. Pacto social coletivo que, sem dúvida, aqui no Brasil, vocês precisam aprimorar muito para representar melhor.
Para finalizar, Piketty fala uma coisa bonita sobre vocês que vou transcrever aqui: “O imposto não é uma questão apenas técnica, mas eminentemente política e filosófica, e sem dúvida a mais importante de todas. Sem impostos a sociedade não pode ter um destino comum e a ação coletiva é impossível”.
Então vai assim minha declaração 2015/2016: E gosto e defendo vocês, mas, por favor, melhorem! E rápido.
Fontes:
Jusbrasil http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121933009/quem-paga-menos-impostos-no-brasil
BBCBrasil http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150415_brasil_zelotes_evade_fd
El Pais http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/03/politica/1459714116_802121.html
Pikket, Thomas. O Capital no Século XXI Ed, Intrínseca LTDA, 2013.