Por: Rita de Cássia de A Almeida
escrito em maio de 2009
A história do tratamento das doenças mentais no ocidente confunde-se com uma história de abandono, exclusão, desrespeito e violência. Entendida como lugar do avesso ao homem racional, a loucura seguiu sendo compreendida como algo a ser excluído, abolido e alijado, tanto do meio social quanto para fora do próprio homem. No Brasil, essa história vem tomando novos contornos nas últimas décadas. Em 1987, num 18 de maio como hoje, instaurou-se em nosso país um movimento social importantíssimo – O Movimento Nacional de Luta Antimanicomial – que tinha como horizonte uma mudança na forma de tratar as doenças mentais e na maneira de olhar para a loucura, compreendendo-a para além de uma doença ou déficit, mas como manifestação radical de uma diferença. A bandeira desse movimento sempre foi buscar novas formas de cuidado e tratamento que conseguissem romper com o modelo tradicional.
O Movimento Nacional de Luta Antimanicomial alcançou grande força política, agregando técnicos de saúde mental, usuários e familiares, todos mobilizados pelo lema: “Por uma sociedade sem manicômios”. Os manicômios se figuravam como os representantes de um modelo excludente, desumano e discriminatório de oferecer tratamento aos doentes mentais. Instituições nas quais os pacientes, em geral, entravam para nunca mais sair. Hoje as comemorações do 18 de maio continuam a acontecer em todo Brasil. As bandeiras de agora não são as mesmas de antes, já que as mudanças propostas por esse movimento foram contempladas em lei – a lei 10.216 de 2001 – e encampadas pelo SUS. Novos dispositivos e formas de cuidado e tratamento tem sido implementados, estimulados e financiados pela Política Nacional de Saúde Mental no intuito de superar o modelo tradicional, oferecendo tratamento humanizado, aberto e com visas à inserção social.
Sendo assim, o verbo mais conjugado pelo lema deste 18 de maio continua sendo SUBSTITUIR. Substituir os muros por portas abertas; substituir a exclusão pela inclusão; substituir a perda de direitos civis e sociais pelo exercício da cidadania; substituir as longas internações por internações curtas e pontuais apenas nos momentos de crise; substituir o abandono pelo acolhimento na família e comunidade; substituir o silêncio pela palavra, pela criação e pelo trabalho; substituir a discriminação pelo respeito às diferenças; substituir o preconceito pelo entendimento; enfim, substituir o isolamento pela partilha.
Desde 1987, muita coisa mudou no âmbito do que hoje se entende por saúde mental. Mudaram-se teorias, políticas, instituições, legislações, discursos, formas de abordagem, metodologias, práticas e até mesmo construções ideológicas. Sabe-se, no entanto que em qualquer mudança de paradigma a última coisa a mudar são as mentalidades. Sendo assim, ainda mantemos em nós muitos “pensamentos manicomiais”. Não é incomum sermos tomados, por exemplo, pela fantasia de criar uma ilha isolada do mundo e o mais distante de nós possível, para a qual destinaríamos todos aqueles ou tudo aquilo que nos incomoda, nos abala, nos adoece, nos atormenta e nos tira do eixo. Um lugar geograficamente delimitado para onde destinaríamos tudo o que nos é estranho, tudo o que tememos. Ou invertendo a lógica, também pensamos em criar uma redoma segura e hermética, na qual poderemos viver seguros e despreocupados das imperfeições do mundo.
Transcendendo, portanto, o que o 18 de maio tem de importante para os progressos nas políticas de saúde mental no país, entendo que esse possa ser um momento oportuno para rever nossas mentalidades, compreendendo que a maneira mais humana e acertada, ainda que não a mais fácil, de lidarmos com as diferenças, os tormentos e os incômodos diários deva ser dialogando e convivendo com eles, para assim produzir novas formas de relação, convivência e existência.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
terça-feira, 5 de maio de 2009
A família é a vilã?
Por: Rita de Cássia de A Almeida
Dias atrás uma revista de circulação nacional publicou uma matéria intitulada: A família é a vilã. Tal matéria tratava de discutir o tema abordado em uma novela que, segundo a revista, deixa a entender que os males ou desacertos dos filhos são resultantes da educação oferecida por seus pais. Esse é um assunto delicado, sendo fácil cair em conclusões extremadas e equivocadas. Num extremo toma-se os pais como únicos e exclusivos responsáveis pelos atos de seus filhos, num outro, entende-se que os filhos escolhem caminhos que dizem muito pouco da forma como foram educados por seus pais. A pressa em demonizar a família, no entanto, é tão equivocada quanto a pressa em absolvê-la.
É fato que existem relações familiares notoriamente desastrosas o que, muito provavelmente, não se dará sem conseqüências igualmente desastrosas, no entanto, não se pode afirmar com certeza que essa ou aquela atitude dos pais provocará esse ou aquele comportamento dos filhos. Também é bom que se saiba que nenhuma relação familiar acontece sem alguma espécie de trauma ou desencontro. Sendo assim, não existe uma maneira perfeita de educar os filhos, ou seja, isenta de traumas e, sobretudo, não existem manuais. Uma coisa, entretanto, é fundamental: criar filhos incorre numa grande responsabilidade, o que não é o mesmo que oferecer um óvulo, um espermatozóide ou um útero para gerá-los.
Para assumir a tarefa de educar um filho é necessário ter as qualidades de um bom afinador de pianos. Ele precisa amar o instrumento e a música; além disso, precisa de tempo, dedicação e paciência; precisa de ouvidos atentos e sensíveis e, também, saber que não existem dois pianos iguais. Ou seja, educar uma criança demanda muita, muita dedicação. Dedicação para amá-la, para cuidar dela, para repreendê-la, para observá-la, para escutá-la e para orientá-la, e esta função os pais não podem delegar a ninguém, nem para a escola, nem para as instituições religiosas, nem para os livros, nem para os amigos, ainda que estas e outras instâncias possam também participar do processo educativo.
Mas não podemos esquecer que apesar de toda nossa dedicação e cuidado nossos filhos farão suas escolhas, muitas delas geradoras de conflitos, desarranjos e sofrimentos. Nesse momento é muito comum que os pais batam no peito e digam: “minha culpa, minha máxima culpa”. Diante dessa situação, no entanto, é necessário que os pais tenham sensibilidade para entender que o que eles vêem como fracasso num primeiro momento, na verdade pode lhes servir como uma espécie de bússola: para orientá-los, para fazê-los reconsiderar seu modo de educar, suas prioridades, seus projetos de vida; filhos são um verdadeiro convite a mudanças. Mas, infelizmente, nem todos os pais percebem e aceitam esse convite e continuam a perpetuar-se em suas certezas e convicções. Uma coisa é certa: as escolhas dos nossos filhos dizem respeito sim, às nossas escolhas como pais, não por culpa, mas por responsabilidade.
Dias atrás uma revista de circulação nacional publicou uma matéria intitulada: A família é a vilã. Tal matéria tratava de discutir o tema abordado em uma novela que, segundo a revista, deixa a entender que os males ou desacertos dos filhos são resultantes da educação oferecida por seus pais. Esse é um assunto delicado, sendo fácil cair em conclusões extremadas e equivocadas. Num extremo toma-se os pais como únicos e exclusivos responsáveis pelos atos de seus filhos, num outro, entende-se que os filhos escolhem caminhos que dizem muito pouco da forma como foram educados por seus pais. A pressa em demonizar a família, no entanto, é tão equivocada quanto a pressa em absolvê-la.
É fato que existem relações familiares notoriamente desastrosas o que, muito provavelmente, não se dará sem conseqüências igualmente desastrosas, no entanto, não se pode afirmar com certeza que essa ou aquela atitude dos pais provocará esse ou aquele comportamento dos filhos. Também é bom que se saiba que nenhuma relação familiar acontece sem alguma espécie de trauma ou desencontro. Sendo assim, não existe uma maneira perfeita de educar os filhos, ou seja, isenta de traumas e, sobretudo, não existem manuais. Uma coisa, entretanto, é fundamental: criar filhos incorre numa grande responsabilidade, o que não é o mesmo que oferecer um óvulo, um espermatozóide ou um útero para gerá-los.
Para assumir a tarefa de educar um filho é necessário ter as qualidades de um bom afinador de pianos. Ele precisa amar o instrumento e a música; além disso, precisa de tempo, dedicação e paciência; precisa de ouvidos atentos e sensíveis e, também, saber que não existem dois pianos iguais. Ou seja, educar uma criança demanda muita, muita dedicação. Dedicação para amá-la, para cuidar dela, para repreendê-la, para observá-la, para escutá-la e para orientá-la, e esta função os pais não podem delegar a ninguém, nem para a escola, nem para as instituições religiosas, nem para os livros, nem para os amigos, ainda que estas e outras instâncias possam também participar do processo educativo.
Mas não podemos esquecer que apesar de toda nossa dedicação e cuidado nossos filhos farão suas escolhas, muitas delas geradoras de conflitos, desarranjos e sofrimentos. Nesse momento é muito comum que os pais batam no peito e digam: “minha culpa, minha máxima culpa”. Diante dessa situação, no entanto, é necessário que os pais tenham sensibilidade para entender que o que eles vêem como fracasso num primeiro momento, na verdade pode lhes servir como uma espécie de bússola: para orientá-los, para fazê-los reconsiderar seu modo de educar, suas prioridades, seus projetos de vida; filhos são um verdadeiro convite a mudanças. Mas, infelizmente, nem todos os pais percebem e aceitam esse convite e continuam a perpetuar-se em suas certezas e convicções. Uma coisa é certa: as escolhas dos nossos filhos dizem respeito sim, às nossas escolhas como pais, não por culpa, mas por responsabilidade.