quarta-feira, 22 de abril de 2015

Minhas impressões sobre “O Capital no século XXI” de Thomas Piketty. PARTE III


O livro se baseia no resultado de uma pesquisa histórica sobre as rendas e os patrimônios de vários países do mundo, a relação disso com a desigualdade social e a distribuição da riquezas. Piketty faz um trajeto de pesquisa com informações colhidas da Belle Époque até o início do século XXI.

Todos os dados levantados por Piketty demonstram que a herança é, de longe, o fator mais determinante para o enriquecimento, tanto que, taxação das grandes fortunas e imposto sobre a herança, são algumas de suas propostas para caminharmos em direção a um mundo economicamente mais justo.

Piketty cita duas grandes fortunas da atualidade para exemplificar: Bill Gates – conhecido fundador da Microsoft – e Liliane Bettencourt – herdeira da Loreal. Entre 1990 e 2010 Bill Gates multiplicou sua fortuna de 4 bilhões para 50 bilhões de dólares. Liliane Bettencourt, no mesmo período, viu a fortuna que herdou do pai passar de 2 bilhões para 25 bilhões de dólares. Isso resulta numa progressão média de mais de 13% ao ano para ambas as fortunas, mesmo que no caso de Bettencourt ela jamais tenha trabalhado. Isso posto, temos que “uma vez lançada a fortuna, a dinâmica da riqueza segue sua lógica própria e um capital pode continuar avançando a um ritmo sustentado por décadas apenas por conta do seu tamanho” (p. 429)

Piketty aproveita para citar a crítica ostensiva que a Europa fez à fortuna feita por Lakshumi Mittal, indiano dono da Acelor e por Teodorim Obiang filho do ditador da Guiné Equatorial (aquele que financiou o desfile de carnaval da Beija Flor em 2014). Piketty afirma não ter dúvida de que as críticas que se fez e faz à riqueza desses dois sujeitos se deve muito mais a cor da sua pele do que exatamente pelos meios pelos quais enriqueceram. Ele afirma que a propriedade privada é um pouco menos sagrada que se diz, quando assim se deseja. E que também em Paris ou em Londres não seria difícil encontrar outras fortunas feitas a partir da exploração privada de recursos naturais, ou por meios ilícitos, mesmo que à vista de todos pareçam menos roubo do que no caso de Teodorim, por exemplo. Sendo assim, enquanto os meios judiciais não são suficientes para resolver todos os problemas de fortunas indevidas e ilícitas, então o imposto sobre o capital permitiria dar a essa questão um tratamento mais justo, sistemático e pacífico.

O autor levanta outro problema gravíssimo que precisa ser enfrentado se quisermos uma sociedade mais justa. Todos sabemos que uma das coisas que determina a saúde financeira de um país é a quantidade de dinheiro que entra nele para se transformar em riqueza. A princípio, a dinâmica simplificada seria a seguinte: teríamos os países ricos que têm mais entrada do que saída de riqueza e os países pobres, num caminho inverso, que têm mais saída de riqueza do que entrada. Nesse sentido, nossa grande preocupação seria que os países ricos terminem por possuir cada dia mais os países pobres.

No entanto, Piketty revela um dado assombroso e que, segundo ele, tem se agravado cada vez mais nos últimos anos. Ele afirma que todos os países, em menor ou maior escala, apresentam balanço negativo, ou seja, todos estão perdendo riqueza. Como essa tese é financeiramente impossível, ele sugere, ironicamente, que seja Marte quem esteja adquirindo a riqueza perdida por todos os países do nosso planeta.

Mas obviamente que não é Marte quem está recebendo esta riqueza que se estima ser de 10% a 30% do PIB mundial. Os paraísos fiscais são os destinatários dessa riqueza que os entes privados estão sorrateiramente extraindo de seus países e, obviamente, minando destes sua capacidade de manter um nível de bem estar social – responsabilidade do poder público desses países. Isso quer dizer que as diferenças de riquezas oligárquicas (privadas) é infinitamente mais problemática que as diferenças de riqueza entre países, além de ser muito mais difícil de combater, afinal, demandaria união de países que, em geral, estão acostumados a competir.

A partir de seus estudos o autor propõe, obviamente, algumas saídas para que caminhemos em direção a uma sociedade menos desigual, sem que precisemos de guerras ou grandes revoluções. Além do imposto sobre o capital e herança, Piketty reforça a importância de um “Estado Social”, capaz de oferecer a seus cidadãos um aporte mínimo de saúde e educação públicas, além de um sistema eficiente de previdência. Ou seja, o autor não aposta na redução do tamanho do Estado, ao contrário, por outro lado aposta na sua modernização, como veremos adiante. Outra estratégia que ele acredita ser simples e fundamental para uma justiça social é possibilitar que todos sejam proprietários de sua própria residência. Esta é uma forma efetiva de reduzir o poder das heranças imobiliárias (ninguém precisaria alugar uma casa para morar) ao mesmo tempo em que protege o trabalhador da inflação sobre o aluguel. Piketty avalia que o proprietário de sua própria residência é capaz de obter um retorno real de rendimento de 3 a 4% ao ano.

Para retornar ao assunto do tamanho que o Estado deve ter na economia, parto da afirmação de Piketty de que a crise de 2008 foi a responsável pelo retorno do Estado. Segundo ele, a crise de 2008 só não reproduziu uma depressão grave como a de 1929 porque o Estado interviu nos sistemas financeiros. Por outro lado, a crise de 1929, apesar de levar o mundo à beira do abismo, teve o mérito de provocar mudanças radicais em termos de política fiscal. Permitiu ao presidente Roosevelt, por exemplo, criar uma taxa 80% de imposto para as rendas mais altas. Resumindo, Piketty só comprova aquilo que já suspeitávamos: a economia capitalista advoga pelo Estado Mínimo e pelo mercado livre até que isso seja do seu interesse, pois, diante do abismo recorre à intervenção do Estado.

Piketty não tem dúvidas sobre importância do Estado para intervir nas contradições e sandices do capitalismo financeiro, por outro lado entende que o Estado, ao atingir determinada proporção e complexidade, apresenta sérios problemas de organização, eficácia e inteligibilidade. Sendo assim ele defende que ambas as posições: antimercado e anti-Estado tem sua parte de verdade. Isso posto, o desafio que se impõe para o futuro é partir dessas duas verdades, a princípio inconciliáveis. Desse modo, acredita que o Estado não deve ser desmantelado, mas sim, transformado, modernizado e descentralizado. Defende que uma das saídas seja que a produção dos serviços ofertados pelo Estado possa executada por outras vias que não apenas a via direta. Além disso, entente que para o futuro novas formas de organização e propriedade estão para ser inventadas.

A arrecadação justa de impostos é, segundo Piketty, uma das melhores maneiras de reduzir as desigualdades. O desenvolvimento de um Estado fiscal e social é fundamental para o futuro do planeta. O objetivo é melhor dividir a riqueza já existente, na medida em que chegamos num limite ecológico que nos impossibilita de fazer a riqueza crescer mais. A aquisição deste Estado fiscal e social é o que, segundo seus estudos, tem atuado minimizando os efeitos da desigualdade para os mais desprotegidos socialmente.

A Europa, por exemplo, mantém um índice de arrecadação pública da ordem de 45 a 50% da renda nacional, chegando a uma arrecadação de 55% na Suécia. Esses são percentuais mínimos aceitáveis para a promoção de razoável bem estar social da população, segundo ao autor. Todas as experiências históricas sugerem que com 10 ou 15% de receita fiscal seja suficiente apenas para manter polícia e justiça, não sobrando nada para saúde e educação. Os EUA possui um nível de arrecadação fiscal da ordem de 30%, mas é importante lembrar que nesse país o sistema de saúde e a educação superior - em geral, os mais caros para o Estado - são eminentemente privados.

Encerro esta parte com uma citação que denota a importância que o autor dá para o imposto:
“O imposto não é uma questão apenas técnica, mas eminentemente política e filosófica, e sem dúvida a mais importante de todas. Sem impostos a sociedade não pode ter um destino comum e a ação coletiva é impossível”.

(texto em construção, em breve publico a IV e última parte)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Minhas impressões sobre “O Capital no século XXI” de Thomas Piketty. PARTE II


O livro se baseia no resultado de uma pesquisa histórica sobre as rendas e os patrimônios de vários países do mundo, a relação disso com a desigualdade social e a distribuição da riquezas. Piketty faz um trajeto de pesquisa com informações colhidas da Belle Époque até o início do século XXI.

No final do primeiro terço do livro Piketty trata com mais cuidado das contradições do capitalismo. Segundo ele “o capital em excesso mata o retorno do capital”, ou seja, à medida que o estoque acumulado do capital aumenta sua produtividade diminui. Exemplificando: se um produtor agrícola tem a sua disposição milhares de hectares de terra, o rendimento adicional resultante do acréscimo de 1 hectare ao que ele já possui é muito limitado. Mas se este mesmo hectare for colocado a disposição de um produtor que tenha apenas 1 hectare de terra, o rendimento adicional proporcionará um adicional de capital muito mais elevado. Ou seja, a distribuição de capital e riqueza é importante até mesmo para a sobrevivência do capital.

A partir deste entendimento é bastante compreensível o efeito em cadeia que R$ 240,00 – valor médio do bolsa família – produziu na economia brasileira nos últimos anos. Enquanto R$ 240,00 não faria quase nenhuma diferença para as classes mais privilegiadas, faz e fez muita diferença para as classes mais pobres, mas não apenas para elas, mas para toda a economia brasileira, porque fez girar e dinamizar o capital.

Segundo Piketty a concentração de riqueza atual atingiu níveis insustentáveis, e ele acredita que seja difícil que a população aceite tal nível desigualdade por muito tempo. O autor afirma ainda que manter um nível de desigualdade como o que temos hoje no mundo, se sustenta sim, pela eficácia do aparato repressivo, mas, sobretudo, pela eficácia das diversas justificativas que se arranja para ela. A meritocracia seria, portanto, uma dessas justificativas; os mais ricos são ricos porque escolheram trabalhar mais e de forma mais competente. Outra justificativa muito usada é que impedir os mais ricos de ficarem mais ricos é prejudicar os pobres que dependem dele. Mas obviamente que esses dois exemplos são meras justificativas ideológicas, já que, pela pesquisa de Piketty não se sustentam.

Já caminhando para o final da terceira parte do livro Piketty escreve um parágrafo que seria um pecado não reproduzir literalmente:
“A racionalidade econômica e tecnológica nada tem a ver com a racionalidade democrática. O iluminismo engendrou a democracia, e é muito comum pensar que a economia acompanharia essa lógica democrática naturalmente, como que por encantamento. Ora, a democracia real e a justiça social exigem instituições específicas, que não são apenas as do mercado e também não podem ser reduzidas às instituições parlamentares e democráticas formais.” (p.413)

Resumindo, a força que alimenta a desigualdade nada tem a ver com uma imperfeição do mercado e não será, portanto resolvida com mercados mais livres e competitivos. A livre concorrência e a meritocracia são ilusões perigosas e mais, a igualdade de direitos e oportunidades não é suficiente para produzir igualdade de riquezas. Sem intervenção política, veremos, não há saída possível.

(texto em construção, em breve publico a PARTE 3)

sábado, 11 de abril de 2015

Minhas impressões sobre o livro: “O Capital no século XXI” de Thomas Piketty. PARTE I


O livro se baseia no resultado de uma pesquisa histórica sobre as rendas e os patrimônios de vários países do mundo e a relação disso com a desigualdade social e a distribuição das riquezas. Piketty faz um trajeto de pesquisa com informações colhidas do final do século XIX até o início do século XXI.

As perguntas que o autor faz são: será que a dinâmica da acumulação do capital privado conduz de modo inevitável a uma concentração cada vez maior da riqueza e do poder em poucas mãos, como acreditava Marx? Ou será que as forças equilibradoras do crescimento, da concorrência e do progresso tecnológico levam espontaneamente a uma redução da desigualdade e a uma organização harmoniosa das classes como pensava Kuznets?

Ao que parece as respostas de Piketty estão mais próximas das previsões de Marx, apesar de pareceram menos drásticas do que o marxismo pregou, mas não por causa das intervenções próprias do capitalismo, como veremos. Segundo Piketty, a promessa de um mundo mais justo, em termos de distribuição de renda, nunca esteve tão distante. Em 2010 os 10% mais ricos possuíam entre 80% e 90% do patrimônio mundial, enquanto que a metade inferior da população divide menos de 5% dessa riqueza.

Piketty conclui ainda que toda a história de distribuição da riqueza no mundo é fundamentalmente política, não sendo explicável por preceitos meramente econômicos como muitos tendem a pensar. Ou seja, a desigualdade é fruto do jogo de forças que se apresenta na sociedade e não o resultado de índices e fatores econômicos. Outra conclusão importante do autor é que as forças que promovem a desigualdade tendem a prevalecer, ou seja, se não há intervenção política, o capital tende a se concentrar de forma cada vez mais intensa e perversa, levando até mesmo o próprio capitalismo a se autodestruir. Ele afirma, por exemplo, que não tem dúvidas de que o aumento da desigualdade contribuiu para fragilizar o sistema financeiro americano e contribuir para e eclosão da crise de 2008.

O autor afirma que a democratização do acesso a educação, o desenvolvimento tecnológico da produção, que prometia uma melhoria na qualificação e no valor do capital humano, ou a racionalidade democrática, que prometia um maior acesso das massas de trabalhadores a direitos fundamentais, pouco ou nada fizeram em termos de melhorar a distribuição da riqueza no mundo. Tragicamente ele chega a conclusão com seus dados que, na verdade, foram as guerras as responsáveis pelo retorno ao zero na contagem da acumulação do capital, promovendo o que ele chamou de rejuvenescimento das fortunas, dando a ilusão de uma superação estrutural das contradições do capitalismo. Em outras palavras, nada foi mais eficaz do que as guerras para minimizar o efeito da desigualdade no mundo e, consequentemente, para mascarar as contradições do capitalismo.

Outra ilusão que ele coloca em cheque é a de que o crescimento econômico possa solucionar o problema das desigualdades, na medida em que ele é responsável por uma melhoria em tais índices, assim como aconteceu no Brasil recentemente, especialmente nos governos Lula. É aquela ideia de que aumentar o bolo melhora a qualidade de sua divisão, o que é verdade, no entanto, trata-se de uma estratégia limitada, pelo próprio limite de crescimento populacional. Vejamos: a taxa de crescimento econômico mundial segundo os dados do livro foi em média 1,6% ao ano entre 1700 e 2012, sendo que, 0,8% deste crescimento foi resultado do crescimento populacional neste mesmo período. Almejamos crescimentos de 4% e 5% como soluções para a redução da pobreza nos países só que esses são índices totalmente ilusórios e impossíveis de se sustentar a longo prazo, segundo Piketty.

Para se ter uma ideia apenas 0,8% de crescimento ao ano ao longo de 3 séculos só foi possível porque o mundo passou de 600 milhões de habitantes em 1700, para 7 bilhões em 2012. Para mantermos esse índice de crescimento econômico precisaríamos manter este índice de crescimento populacional, que faria com que em 2300 tenhamos 70 bilhões de pessoas no planeta. Sendo assim, o fôlego que o mundo ganhou de um crescimento de 3% nos últimos anos, especialmente em decorrência dos chamados “países emergentes”, tende a perder o vigor, tal como já está acontecendo no Brasil, porque é impossível de se sustentar a longo prazo. Na verdade, um crescimento considerado parco de apenas 1% ao ano já é insustentável. Resumindo: o crescimento econômico também não é uma saída para a crise do capitalismo.

O autor também desmonta a falácia da meritocracia, que segundo ele serve apenas para dar um sentido para as desigualdades nas sociedades democráticas modernas. A possibilidade de mobilidade social pela via do mérito, do trabalho ou do estudo é uma ilusão que os sistemas democráticos modernos sustentam apenas para justificar suas contradições. Os estudos feitos demonstraram que não existe nada mais determinante na riqueza do que a herança. Os exemplos de superação e ascensão social por mérito são insignificantes em termos estatísticos globais e só servem para sustentar o discurso da meritocracia, além de não produzem nenhum efeito direto na distribuição da riqueza. E com a estagnação do crescimento econômico mundial, que é uma tendência, o fator determinante da herança vai se tornar ainda maior nas próximas décadas, se nada for feito para minimizá-lo.

Outra discussão interessante que ele faz é sobre a questão da inflação. Eu, que não entendo nada de economia, sempre acreditei que a inflação é o demônio seja lá da maneira que se apresente. Mas Piketty traduz a inflação sob outros termos já que ela é capaz de dilapidar as grandes heranças intocáveis, ao criar alguma insegurança para aqueles que vivem de acumular bens e riqueza. Em situações de inflação alta os detentores de grandes posses se vêem impelidos a entrar na dinâmica da produção e do mercado já que, se ficarem apenas a “esconder dinheiro debaixo do colchão” verão sua riqueza se esvair. O que eu entendi é que apesar da inflação ser muito ruim para a classe trabalhadora ela não tem tanto efeito de dilapidação de riqueza como tem para os muito ricos, já que o trabalhador tende a gastar quase que imediatamente suas economias. Entretanto, o autor não concorda com o método da inflação para intervir na desigualdade, apesar de acreditar que exista uma taxa que é necessária e saudável para manter a dinâmica da economia.

(texto em construção, em breve publico a PARTE 2)

domingo, 5 de abril de 2015

Por um novo pacto civilizatório nas redes

Por Rita Almeida

Em algum momento, no inicio da constituição da comunidade humana, tivemos que fazer um pacto civilizatório. Como bem disse Freud, tivemos que recalcar nossos impulsos mais primitivos, perversos e egoístas em nome da convivência coletiva. Então, desde o início, mesmo com todos os equívocos que invariavelmente cometemos na nossa frágil condição humana, temos optado pelo amor, pelos laços que nos unem numa coletividade. Apesar de não sabemos até quando, é assim que nossa espécie tem sobrevivido até então.

Fico pensando que o advento da Internet, especialmente das redes sociais, tem nos colocado diante de uma nova forma de laço social diferente da que estávamos acostumados e daí, talvez, a sua fragilidade. A mediação tecnológica, já percebemos, dificulta a empatia. A comunicação pela escrita tende a ser mais fria. Ficam imperceptíveis a entonação da voz e a linguagem corporal o que faz com que os mal entendidos próprios da linguagem se fixem ainda mais no território do impossível de suportar o outro na sua diferença. Enquanto que o cara-a-cara e o olho-no-olho ou as nuances da voz favorecem a empatia fazendo do outro um semelhante mesmo quando diz algo que me causa mal estar, a impessoalidade de um post ou um tuíto transforma o outro num estranho insuportável. Ou não é verdade que seja totalmente possível e suportável discutir política, religião e outros assuntos difíceis na mesa do bar, na sala de aula ou na reunião de trabalho e totalmente inviável discuti-los nas redes?

Outra coisa que muita gente ainda não se deu conta é que publicar alguma coisa nas redes sociais hoje em dia é enviar uma mensagem para o Planeta inteiro ouvir. Mesmo sentadinhos e protegidos atrás de nossas telas de computador e smartfones, o que dizemos na esfera virtual tem mais transparência, rapidez e capacidade de alcance que qualquer outro modo de comunicação que já foi inventado. Uma publicação irrefletida pode nos levar do constrangimento público ao linchamento virtual.

Isso não quer dizer que as redes sociais e a internet sejam o demônio. Não sou partidária dos melancólicos nostálgicos que sempre temem os novos modos de existência. As novas formas de laço inauguradas pelas redes são uma realidade e, possivelmente, vieram para ficar, entretanto, elas estão exigindo de nós um novo pacto civilizatório. E precisamos fazer isso com urgência, sob o risco do esgarçamento do tecido social com a fabricação cada vez maior de guetos: políticos, religiosos, científicos ou ideológicos. Pois, na tentativa de manter um nível suportável de socialização nas redes, nossa saída tem sido o simples descarte do outro.

Enquanto na vida real o exercício de suportar o outro inclui não poder mata-lo, nas redes sociais matar o outro é tarefa simples e limpa, sem qualquer punição. “Unfollow”, “unblock” e “desfazer a amizade” são formas de eliminar o outro da nossa linha do tempo, mecanismos simples e rápidos que temos utilizado para lidar com os diferentes. Diante do impossível de transigir com o outro na sua diferença a saída tem sido apagá-lo simplesmente, nos relacionando apenas com aqueles que pensam como nós. É assim que os guetos das redes vão se constituindo e se fortalecendo, e não havendo discursos contraditórios, suas verdades vão se tornam ainda mais unificadas, fortes e inabaláveis. E ainda, insuflados pelo nosso narcisismo, pelo prazer de encontrarmos pessoas parecidas conosco e que pensam como nós, nos fechamos cada vez mais em nossos grupelhos com suas verdadezinhas inabaláveis.

Como já dizia o poeta: “toda unanimidade é burra”. E eu completo: todo fundamentalismo é perigoso. Nada é mais perigoso do que um grupo de pessoas munidas de verdades compartilhadas e inabaláveis.

Sendo assim, é urgente que façamos um novo pacto civilizatório para as redes. Precisamos resgatar a humanidade, nossa e do outro, por traz de um post. Precisamos cuidar do que postamos para não destruir pessoas, reforçar mentiras ou contribuir para linchamentos. Precisamos entender que um post é apenas um recorte de um sujeito, não diz tudo sobre ele. Precisamos aprender a suportar a diferença, escutar o contraditório, debater sem atacar. Escutar.

A política do amor, aquilo que nos enlaça enquanto espécie humana é o que nos tem sustentado. O amor é um ato político, sem o qual já teríamos sucumbido. O salto evolutivo que precisamos nesses tempos, talvez seja, levar a política do amor também para as redes.